O sítio Cantinho do Céu rodeado de montanhas no Vale do Palmital é o abrigo perfeito para dias de escaladas em Pancas (foto: Arquivo pessoal/ Oswaldo Baldin)
Quando estive em Pancas em dezembro do ano passado junto com PH conquistando a MissPanca debaixo de um sol arrebatador, prometi a mim mesmo que só voltaria naquelas bandas – para escalar – no inverno. Mas na semana passada um compromisso de trabalho me levou novamente à cidade dos Pontões Capixabas. E já que por lá estaria, porque não contradizer comigo mesmo e mudar minha postura por uma boa causa? Foi bem fácil convencer meu EU sobre essa possibilidade.
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Depois do compromisso emendei mais uns dias por lá na companhia dos parceiros Marcos Palhares ‘Tatu’ e Sandro Souza. E o saldo foi bem positivo: em quatro dias conquistamos três vias, em montanhas distintas, e com escaladas de estilos bem diferentes umas das outras.
Confira como foi a viagem e as conquistas realizadas. O Espírito Santo é conhecido pelo grande potencial de escalada, por possuir uma cadeia montanhosa imponente. Duas das vias mais famosas do estado são a histórica Chaminé Brasília na Pedra da Agulha.
*Oswaldo Baldin é montanhista capixaba, guia e instrutor de Escalada da Planeta Vertical e membro do Conselho Gestor da Associação Capixaba de Escalada.
Após finalizar a conquista na Pedra da Cara, do cume bato um telefonema para o Sandro Souza – que estava em Vitória -, e informo sobre as condições climáticas em Pancas: sol entre nuvens e com possibilidade de chuva. Sem pestanejar o sujeito se anima, e fica fechado que na sexta (02/04) ele baixaria por lá, fortalecendo a cordada para uma próxima conquista.
Entre tantas possibilidades de montanhas virgens em Pancas, fica complicada a tarefa de escolher em qual investir. Mas me vem a mente uma montanha chamada Pedra da Mula, que visitei na trip anterior com PH, onde fomos conduzidos até ela pelo Elson (Subsecretário de Turismo). Esta montanha fica no distrito de Lajinha, um pouco antes de Pancas, e é mais uma das dezenas de muralhas de granito que formam o Monumento Natural dos Pontões Capixabas. A Pedra da Mula é símbolo de Lajinha, e fica de plano de fundo da cidade. Tem um enorme buraco de cor amarelado bem no meio da parede, que faz lembrar o formato de uma mula. E nosso objetivo era de conquistar uma via que levasse exatamente para dentro desse buraco, e pra isso um grande diedro era a linha perfeita.
No sábado Sandro, Tatu e eu partimos pra Lajinha. Como estávamos sendo guiados pelo Fabinho – figura local e bem conhecida – ficou fácil achar o proprietário das terras que dão acesso à pedra. E assim conversamos com o Sr. Baldoino, que foi super receptivo conosco. Uma estrada de terra permite o acesso de carro bem até em frente a pedra. Depois foi atravessar um riacho e subir um pasto até entrar na mata. Gastamos quase 2 horas de caminhada, mas chegamos direto na base do diedrão.
Dificuldades – A primeira impressão do diedro não foi muito animadora. O início estava bem úmido e com bastante musgo. Mas o ponteio do relógio já estava adiantado, e o Sandro se equipou com as maiores peças móveis que tínhamos e iniciou a conquista. Foi escalando em chaminé, e se protegendo entre móveis e proteções naturais em blocos entalados e árvores. Montou uma parada em móvel e Tatu eu e subimos. Continuou seguindo para completar a enfiada e bateu uma chapa estabelecendo a P1 com 60 metros.
Nesse momento nosso primeiro dia de investida chegava ao fim, visto que a chuva desabou sobre nós. Deixamos a corda fixa na parede e as tralhas na base, para não termos que subir pesados no outro dia. Uma cervejinha na volta em Lajinha ajuda revigorar a alma, e os corpos se dirigiram ao sítio para se restabelecerem para o dia seguinte. Como já diria uma canção (que não recordo de quem seja): “… nada é aquilo que parece ser…”. Há 4 meses, quando da estrada eu e PH olhamos para esse diedro, acreditávamos que a parte baixa dele até poderia ser largo, mas a parte de cima achamos se tratar de uma fenda. É, fendinha para entalar mão e coisa e tal. Mas agora, pendurados na P1 já na manhã do seguindo dia de investida e olhando pra cima, tivemos a certeza que o diedro permaneceria bem largo e continuaria a exigir a escalada em chaminé na sua maior parte.
Comecei conquistando alguns metros da segunda enfiada, e depois o Sandro seguiu e bateu uma chapa. Depois se entranhou bem pra dentro de uma chaminé estreita que tinha uma das paredes bem instáveis. Foi protegendo como dava e bateu mais uma chapa a 40 metros, fechando assim a segunda enfiada. Essa chaminé se mostrou como sendo o trecho mais difícil da via.
O buraco da mula agora sim parecia estar próximo. Parti então para conquistar o que anunciava ser a ultima enfiada. Saindo da P2 foi possível escalar uns metros à esquerda em agarras, e depois retornando ao diedro para proteger. E dando uma pescoçada pra cima pude observar algo muito satisfatório: o diedro acabara e se transformou enfim em uma fenda, que seguia agora em uma inclinação mais vertical. Até que enfim nossas peças menores (levadas na incerteza) seriam usadas! E quando a fenda acabou rolou uma estica e pronto, chagava em um platô que media uns 50m de largura por uns 20m de profundidade.
Quando os comparsas chegaram e se juntaram no buraco da mula, o sol já começara a se esconder no horizonte. E com a claridade do final do dia pudemos caminhar pelos metros do belo buraco, e soltamos foguete para dar sinal a população de Lajinha, que estava mobilizada com nossa escalada. E aquele local incrível merecia um pernoite. Felizes, cansados, fedidos, e sujos feito “Cor de Mula Quando Foge”, cada um se ajeitou em seu canto no chão de areia e partiu o bivaque, esse sim completamente protegido de qualquer chuva.
Nos primeiros raios de sol juntamos as tralhas e nos lançamos para descer. Deixamos para traz somente o livro em uma marmita, que desta vez não ficou no cume da montanha, e sim em um buraco impressionante a 150m da base. Não achamos interessante tocar a conquista pra cima, visto que a parede que se estendia era negativa, completamente lisa e cheia de placas instáveis. Sendo a escalada até o buraco muito interessante e variada e uma boa pedida para que curte o estilo tradicional, entre proteções móveis e naturais. De fixa só 4 chapas para estabelecer as paradas, ficando assim uma via bem limpa. E um fator bem positivo é o fato da via ficar o dia todo na sombra… e isso conta muito, em se tratando das temperaturas altas em Pancas.
Agradecemos pela hospitalidade da família do Sr. Baldoino que nos abriu as portas, e a população de Lajinha que estava torcendo pelo êxito da escalada. Ao Fabinho e a Dona Joaninha, que tem nos acolhido em seu sítio durante estas belas investidas. E ao Elson, pelo incentivo em desenvolver o Montanhismo em Pancas.
Para repetir a via é necessário um jogo de Friends. Sendo camalots, se repetir as peças maiores (# 4, 5 e 6) a proteção fica mais tranquila. Levar muitas fitas grandes para as proteções naturais, e algumas outras para abandonar nas chapas no rapel. E duas cordas de 60m para permitir a descida.
O acesso à Lajinha é feito entrando em um trevo a direita (sinalizado) antes de se chegar a Pancas. E depois é seguindo em asfalto até a cidade (uns 10km). No final da cidade é ir a direção ao posto e depois seguir por estrada de chão, entrando na segunda a esquerda. Deste ponto é só ir ao rastro da mula.
Via Cor de Mula Quando Foge:
Aproximando-se da cidade de Pancas existe um portal natural de grandes proporções que recepciona quem passa pela rodovia, com a Pedra da Cara à esquerda e a Pedra do Camelo a direita. Uma recepção em grandíssimo estilo que impressiona qualquer montanhista que visite o local.
Conquistar uma via na face de maior extensão da Pedra da Cara estava em meus planos desde a primeira vez que fui a Pancas. E quando subi (escalaminhada) o Camelo no ano passado, pude ter uma visão frontal e de cima, do que seria a linha perfeita para a escalada da Cara.
Nessa 2ª Trip em Pancas o objetivo pré-planejado seria abrir essa via nessa montanha (que também permite acesso ao cume por caminhada), e nos outros dias que permaneceria por lá na companhia de Marcos Palhares ‘Tatu’, o que desse na télha para conquistar, investiríamos!
Em pleno dia 1º de Abril paramos o carro frente à pedra, entramos em um pequeno trecho de capim colonhão e já pegamos a sequência de subida pelos costões. O Fabinho (proprietário do sítio Cantinho do Céu / abrigo para montanhistas) estava conosco nesse trecho, e deu uma força para ajudar com o peso das tralhas morro acima.
Defrente para a aresta mais íngrime da Pedra da Cara, Tatu e eu nos jogamos para subir um trecho de 120m de escalada bem fácil, em solo… Na volta avaliamos que o trecho ficou exposto para descer (principalmente em caso de chuva) e batemos duas chapas para permitir um rapel. Esse costão final deu acesso a um pequeno platô que marcou o que seria o início a via.
Comecei conquistando a primeira enfiada, esticando cheia em 60 metros batendo a parada. O trecho ficou só 2 chapeletas protegendo o esticão em uma escalada relativamente tranquila. E como já estava com as equipes a postos e na pilha, segui e conquistei a segunda enfiada no mesmo estilo, com só duas chapas intermediando outros 60m.
No momento em que batia a parada, um gavião de grande porte começou a dar uns rasantes bem assustadores em minha direção, preparando um ataque. Entre a escalada que fluía tranquila, confesso que isso foi o momento adrenante da conquista. A parede parecia esta terminando. Motivado com a energia do lugar, Tatu se lançou para conquistar a terceira enfiada, batendo uma chapa no caminho e depois esticando até o cume, fechando o lance em 50 metros. Da parada uma breve caminhada levou-nos ao cume, onde pisamos as 14h marcando 4h de conquista da via Face Oculta, por 170 metros de escalada entre 3º e 4º grau.
Do alto – Do cume pudemos contemplar um visual absurdamente espetacular e impactante. Estávamos cercados pelas três montanhas mais imponentes de Pancas: Agulha, Gaveta e Camelo. Uma escalada prazerosa e bonita, que fluíu com uma temperatura agradável, em um dia nublado em Pancas… Será que isso seria realmente bom? Estávamos no cume, tranquilos e felizes, curtindo a energia da montanha quando, observamos uma grande tempestade vindo em nossa direção. A chuva veio se aproximando com grande rapidez, e naquele momento optamos em aclamar proteção à São Anoraque (o santo impermeável dos montanhistas) para que a chuva não nos atingisse.
E o santo é bão mesmo! Ficamos secos em nosso cume, e pudemos observar um verdadeiro espetáculo da natureza, com uma chuva torrencial caindo a nossa frente. Uma cena bonita, mas ao mesmo tempo tenebrosa, visto que estávamos ali como dois pára raios humanos. Mas a chuva se foi, não nos atingiu, e rapelamos sem nenhum problema.
Abaixo segue um vídeo com alguns momentos da escalada. Feito com máquina fotográfica mesmo, de forma tosca e quase nada de edição:
Essa falésia foi ‘encontrada’ bem no acaso. Em dezembro de 2009 quando PH e eu estávamos rumando para Lajinha, entramos por engano em uma estrada e demos de cara com essa parede: uns 150m de largura por 50m de altura. Na ocasião não tomamos nenhuma iniciativa, pois os objetivos eram outros. Mas ficou guardada ‘na manga’.
Mas nesta trip junto com o Tatu foi chegada a hora de dar uma analisada mais de perto na parede. E depois de conversar com os proprietários das terras da família Raash, fomos dar um confere. Bom, tu para o carro na base, e caminha não mais que 2 minutos e esta na pedra! Acesso extremamente fácil, localização às margens do asfalto, parede com grandes proporções, positiva, de boa aderência e com linhas técnicas. Pronto, ali estava um setor bom para vias esportivas, grandes e bem no estilo das tradicionais de Pancas, ou seja, um campo escola perfeito para o local.
Traçamos uma linha na parte mais alta da parede e fomos ao topo para vir equipando de cima (acesso ao cume super fácil pelo pasto). Bati a parada, analisamos melhor a linha e comecei a fixar as chapas. Mas não foi possível finalizar, pois a chuva desabou e a bateria da furadeira descarregou.
Ainda cansados com a conquista na Pedra da Mula, na segunda o Sandro partiu pra Vitória… O feriado de Finados já acabara. Mas eu e Tatu resolvemos ficar mais algumas horas em pancas para terminar essa pendência. E debaixo de um sol arrebatador das 13h instalei o restante das chapas, e descemos correndo para pegar o ônibus para Vitória… para descobrir depois que não haviam mais passagens. Mais uma noite em Pancas…
Como esta via foi a ultima coisa que fizemos na trip, a batizamos de “Fecha a Conta e Passa a Régua”. Ficou com 12 chapas + a parada dupla. Tem cerca de 50 metros de escalada técnica, e com proteção esportiva, margeado pelas bandas do 6º grau. Esta é a primeira de muitas outras vias que são possíveis abrirem na falésia.
Este texto foi escrito por: Oswaldo Baldin, especial para o Webventure*
Last modified: maio 7, 2010