23.01.2000 – A missão foi cumprida com êxito. A estréia da equipe genuinamente brasileira, com carros, pilotos, navegadores e mecânicos made in Brazil foi um sucesso. O saldo:
Dos 28 inscritos na categoria novatos, apenas 17 completaram a prova, pouco mais da metade. E a equipe Hollywood Troller provou que o 4×4 nacional pode andar tão bem quanto as grandes marcas consagradas, ao colocar 3 carros entre os 11 primeiros.
A dupla melhor colocada foi Arnoldo Jr/Galdino Gabriel com um brilhante 4o. lugar; Cacá Clauset/Amyr Klink ficaram em 6o e Roberto Macedo/Marcos Ermírio de Moraes em 11o. A dupla campeã brasileira Reinaldo Varella/Alberto Fadigatti ficou fora da classificação, em função do acidente sofrido no deserto da Líbia, 13a etapa do Rali. Mas Varella homenageou seu companheiro, o veterano Fadigatti, com 30 anos de experiência em provas de rali, e levou seu Troller que não sofreu praticamente nada no capotamento – até o Cairo, conforme era o objetivo inicial.
Na geral: também um excelente resultado para o ano de estréia: Arnoldo/Galdino 46o. ; Clauset/Klink 53o e Macedo/Moraes 75o. No total largaram 135 carros e apenas 95 concluíram a prova, ou seja, quase um terço dos inscritos ficaram pelo caminho.
Todas as dificuldades enfrentadas até a chegada literalmente faraônica ao Cairo, ficaram para trás, face à enorme satisfação de concluir esse grande desafio. Agora a equipe Hollywood Troller saiu da categoria de estreantes e passou com louvor nesse teste de fogo.
Um projeto que começou numa brincadeira logo após o Rally Internacional dos Sertões, em agosto, e foi viabilizado freneticamente em apenas 4 meses com um único objetivo: chegar com os quatros carros ao Cairo.
Para Mario Araripe, dono da Troller, que seguiu para o Cairo para recepcionar a equipe esse é apenas o primeiro passo: Demos apenas o primeiro passo para incluir um carro brasileiro nas provas internacionais 4×4. Estou muito feliz com o resultado. Estive com Hubert Auriol hoje, na chegada, onde conversamos bastante. Ele nos disse que nossa equipe é a mais alegre e simpática da prova, que achou nossos carros muito bonitos e torceu muito para que todos chegassem, contou Mario.
O vencedor: A vitória na categoria carros, pela segunda vez consecutiva, ficou com o francês Jean Louis Schlesser/Magne (Renault Megane), seguido por Peterhansel/Cottret (Mega) e Fontenay/Picard (Mitsubishi). O brasileiro Klever Kolberg (Mitsubishi) ficou na 14a. posição na geral.
Direto do Deserto
Palavra do Fadigatti (do Hospital do Cairo)
O Dakar: Prova extremamente longa, cansativa, com trechos muito difíceis e inóspitos, principalmente os desertos, desconhecidos por nós brasileiros. Mas não é impraticável. Por ser um rali muito longo, as forças vão se esvaindo, deixando os participantes no limite. Não tem refresco. A estrutura da organização é impressionante, mas tem falhas também.
O Troller T5: O carro é muito bom, motor forte, provou isso ao concluir uma prova tão difícil como essa. Estou certo de que poderíamos ter nos classificado muito melhor se tivéssemos tido mais tempo para testes. Viabilizamos o projeto em apenas 4 meses. Acredito que chegaríamos com pelo menos com um carro entre os 20 primeiros.
O mais difícil: Vencer o medo do deserto. Quando me deparei com aquele mar de areia tive que me vencer. Achava que o deserto era intransponível, não existiam caminhos. Hoje sei que é difícil, mas dá para passar.
O momento mais crítico: No deserto da Líbia, quando percebi que íamos capotar… Estava amarrado com o cinto e sentia dores no pulmão. Desabou o céu em cima da minha cabeça. A pior sensação: a de não poder mais continuar… O carro estava inteiro, era só devirar e seguir. Mas a dor me impedia. O Varella me perguntava se era para acionar a baliza, isso nos eliminaria automaticamente da prova. A decisão tinha de ser minha. A sorte é que não tive de tomar essa decisão, pois o resgate chegou antes. Nesse momento sinto uma amargura muito grande por não estar lá nas pirâmides, comemorando com a equipe…
A maior satisfação:Estar bem, com perspectivas de melhorar, voltar a ficar inteiro. Satisfação de ter participado do Dakar e saber que temos condições de estar entre os 25 melhores.
Valeu ? Valeu ! Isso vai passar a ser uma história marcante da minha vida. A dor passa e o que vai ficar mesmo é a história…
Entrevista com Cacá Clauset:
O Dakar: Prova difícil. A maior dificuldade é o cansaço físico e as mudanças bruscas de temperatura. No início calor de 50 graus e depois temperaturas abaixo de zero. O cansaço é cumulativo. Dorme-se muito mal, as vezes em barracas, no carro, num buraco, no caminhão, onde der. Especiais longas, de 800km na terra. Imagine ir de São Paulo a Porto Alegre em estrada de terra, com pedras, acesso ruim. Cansa o corpo e a mente, pois é preciso estar sempre atento, alguns trechos são traiçoeiros.
O Troller T5: Está de parabéns. Na estréia no Dakar chegar ao final e ainda bem colocado, é excelente.
A maior dificuldade: Mudanças bruscas de temperatura e a poeira, nossa, muiiiiita poeira. Ainda por cima misturada com calor, matava. Teve dia que dentro do carro estava 50 graus e outros zero grau.
O momento mais crítico: Foi ontem (penúltima etapa). Tivemos problemas de superaquecimento, acabamos saindo da rota e eu e o Amyr fomos parar no meio de uma pedreira, no meio do deserto. Já era noite. Descemos uma trilha, na verdade uma colina de pedras, e no final era um funil. Passava um carro, mas caminhão não passava lá não. Foram momentos de muita apreensão. Bateu aquela sensação: Será que vamos ficar aqui ? Será que não vamos terminar ? Foi a morte… Aliás na minha opinião o maior grandioso do Dakar é o deserto, ficar sozinho no deserto, é um mar gigante de areia, um nada a sua volta.
A maior satisfação: Chegar…. Ver as pirâmides e cruzar a linha de chegada.
Valeu? Muito, agora vou na festa de premiação comemorar com toda a equipe. Só sinto o Fadigatti não estar conosco. Mas dedico essa vitória para ele. Para nós foi uma vitória chegar ao Cairo.
Classificação geral Novatos:
Comentário do Piquet
“Ai, ai, ai, ai, está chegando a hora. O dia já vem raiando meu bem e tenho que ir embora”. A musiquinha não sai da cabeça e todo um Rallye, agora, fica cada vez mais como página da história. Saem dela todos como heróis, como convém ao final de um encontro esportivo. A última etapa é apenas um desfile merecido para todos que durante esses quase 20 dias se
mantiveram e nos mantiveram na maior aventura sobre rodas da atualidade. Todos devem ser cumprimentados e aclamados pelos seus feitos que, em toda a escala, foram os maiores e mais importantes. Eu, particularmente, estou muito feliz porque não só o meu amigo Schlesser venceu mais uma vez, mostrando o seu ponto de vista (me lembro quando fui à sua oficina pela primeira vez em 1991 ver o primeiro buggy de estréia no Dakar) de
construtor, como os Hollywood Troller chegaram ao final, na sua estréia, confirmando que 1) vale à pena acreditar nos sonhos e que 2) são o verdadeiro 4×4 do Brasil. O Dakar acabou mas os Rallyes todo-terreno não podem parar, vem aí os Bajas, os Pampas, o
imponente Sertões, todos afluentes desse Dakar que no ano que vem, ainda bem, tem mais.
Este texto foi escrito por: Meg Cotrim
Last modified: janeiro 23, 2000