Jean-Michel: a mesma energia do pai (foto: Arquivo pessoal)
Mergulhar nas Ilhas Fiji, um dos lugares mais pardisíacos do mundo com a equipe de Jacques Cousteau, homem que é verdadeiro sinônimo de mergulho e amor pelos oceanos. Muitas pessoas sonham em viver uma aventura como esta mas, devido a limitações como falta de tempo, medo ou cansaço, deixam para trás a idéia de encarar um desafio diferente, de transformar suas rotinas.
Édson Passafaro, porém, deixou de lado limitações muito concretas e realizou esta façanha. Paraplégico desde os 19 anos (hoje tem 39), por conta de um acidente, ele viveu a experiência de estar ao lado de Jean Michel Cousteau, filho mais velho do homem que inventou o mergulho como conhecemos, e de toda a sua equipe.
Ao lado de deficientes de outras partes do mundo, Édison passou 18 dias num estado que define como de êxtase e de alegria imensa. “Eu ria o tempo inteiro, às vezes a àgua até entrava na máscara”, brinca.
Estrela, ao lado dos outros deficientes, de um documentário produzido pela Associação Jacques Cousteau, ele teve a oportunidade de entrar em contato com uma cultura compelatmente diferente e diz ter aprendido o verdadeiro valor das coisas a partir de então.
Além disso, pôde entender a ligação que existe entre Jacques Cousteau e os deficientes físicos e como esta ligação foi essencial para o interesse de Cousteau pelo mergulho. Édson nos conta esta e outras histórias a partir de agora, num mergulho para a liberdade e para o conhecimento dos verdadeiros limites que cercam o homem aqui, no Aventura Brasil.
“Foi uma coisa muito maluca. Eu fazia um trabalho voltado para a adaptação do deficiente aos esportes quando recebi um convite para participar de um filme produzido pela a Associação Jacques Cousteau. Tive que arrumar todas as coisas e ir em uma semana.”, explica Edisson Passafaro.
O intuito do projeto era mostrar as possibilidades dos deficientes e integrar pessoas de várias partes do mundo com a magia do mergulho. “Todas as pessoas do mundo têm algo em comum, apesar das diferenças. Nós estávamos lá superando os nossos limites.”
Além de Passafaro, participaram do projeto deficientes do Japão, Estados Unidos, Rússia e França. “Nos transformamos em grandes amigos. Ficávamos juntos o tempo inteiro e estabeleceu-se uma união muito verdadeira”, explica o brasileiro.
Astros e estrelas – Além da diversão e da experiência de mergulhar num dos lugares mais bonitos do planeta, todos estavam ali com uma função muito específica: ser personagens de um filme.
“Havia momentos em que eu me sentia um verdadeiro astro de cinema. Estava mergulhando e me via rodeado por pessoas, equipamentos, luzes. Às vezes me dirigiam, mostrando por onde era melhor eu passar ou um coral que eu deveria apontar”, explica Edisson.
Viciado em mergulho – Enquanto as outras pessoas eram filmadas para o filme, Passafaro aproveitava para…mergulhar! “Eu mergulhava o dia inteiro. Enquanto as pessoas eram filmadas eu ia até alguns tanques. De noite, eu ficava em lugares mais rasos”
De tanto ficar na água, Passafaro acabou ganhando um apelido: “como eu mergulhava o dia todo, às vezes alguém tinha até que me chamar à noite para eu sair do mar, acabei então recebendo o apelido de ‘homem peixe’.”
Mergulhar se transformou num vício. Para o brasileiro, que estava ali superando limites e mostrando para as pessoas as possibilidades que todos podem ter, aquele era um estado de paz e alegria intensos, provocados pela interação com a natureza.
Além das belezas do mar e da amizade que encontrou na companhia dos outros participantes do projeto, Edisson Passafaro contou com um ingrediente especial para manter o bom astral e a alegria: as belezas naturais e o povo de Fiji.
“Ficamos numa pequena ilha do complexo de Fiji e éramos muito bem tratados. Os garçons do hotel onde ficamos moravam numa aldeia ali perto e todos os dias havia festa para a gente nesta aldeia.”
Tanto o brasileiro quanto os outros mergulhadores passaram todos os dias sendo “celebrados” na ilha. “Éramos a atração, sempre havia alguma comemoração pela nossa presença.”
Valor das coisas – Apesar da simplicidade de tudo na ilha, desde a casa até a roupa das pessoas, não via-se sinal de miséria como no Brasil. “As pessoas vivem com simplicidade, mas têm o suficiente, o básico.”
Outra característica que chamou a atenção de Passafaro foi a boa energia vinda dessas pessoas. “É incrível o astral que eles têm. São pessoas felizes, que irradiam alegria e estão sempre sorrindo”
Para o brasileiro, o contato com os nativos foi essencial para descobrir o verdadeiro valor das coisas. “Vendo estas pessoas, percebi que é necessário, para ser feliz, muito menos do que se imagina. Ninguém precisa, de verdade, ter dois carros ou um apartamento enorme para ter felicidade.”
Desde jovem, Passafaro sempre teve uma grande admiração por Jacques Cousteau e suas aventuras. “Eu sempre achei fantástico ver aquilo tudo na TV, aquela beleza, aquela magia. De repente, eu estava ao lado do filho de Cousteau, convivendo com as pessoas da equipe dele. Era difícil de acreditar mas, naquele momento, eu fazia parte da aventura.”
Esta admiração deixa Passafaro emocionado, principalmente quando se lembra do fato de que Jacques Cousteau ter se interessado pelo mergulho depois de quase ter ficado deficiente.
Antes de se apaixonar pelo mar, Cousteau era piloto de aviões da marinha francesa. Num acidente, teve sérios ferimentos nos braços. “Os médicos disseram a ele que, para ter sua vida salva, ele teria que amputar os dois braços. Ele não permitiu a amputação e acabou se recuperando.”, explica Passafaro.
Encontrando a liberdade – Porém, por conta disso, Cousteau foi afastado da marinha e proibido de voar. Para encontrar a liberdade que procurava nos céus, passou a se interessar pelo mar.
“Esta história é muito importante para nós deficientes. Cousteau também teve que se adaptar e, por isso, teve interesse em produzir o filme conosco”
Na época do projeto, agosto de 1991, Jacques Cousteau ainda era vivo mas já não tinha condições de mergulhar. “Ele gravou uma fita que assistimos todos juntos, falando sobre a superação de limites. Acredito que cada um tem os seus, internos ou físicos. Importante é saber que é possível superá-los”, explica.
Além disso, a vitória de Passafaro e seus companheiros pode ser vista como um protesto contra a o descaso e o preconceito. “Acredito que a nossa sociedade tem muito para evoluir. Eu consigo mergulhar, fazer rafting, até andar em elefante mas não consigo atravessar a rua numa grande cidade. As pessoas ainda se espantam quando sabem das minhas viagens e dos desafios que enfrento porque, por preconceito, acreditam que a pessoa não tem uma deficiência mas é a própria deficiência. Eu estou pronto para novas aventuras, para viver coisas diferentes. Há muitas pessoas ditas ‘normais’ que não têm este espírito “
No final do ano, Édisson planeja ir até a Patagônia com duas amigas, também aventureiras. “Pelo menos uma vez por ano, preciso me aventurar, viajar. É difícil para encontrar patrocínios, mas venho conseguindo cada vez mais apoio e incentivo das pessoas”
Este texto foi escrito por: Débora de Cássia Pinto
Last modified: julho 14, 2000