Ricardo: sonho de patrocinar novos talentos e buscar o ouro (foto: Arquivo pessoal)
O pára-quedismo é visto hoje como uma das modalidades de aventura que mais crescem no Brasil – muito graças à inovação do salto duplo, permitindo a qualquer pessoa (inclusive aquele artista famoso) experimentar a sensação de voar. Ficou bem longe a imagem negativa do início do esporte, de que o pára-quedista é um louco com vontade de morrer. Mas o que houve nesse intervalo? Que reviravolta foi essa?
Essas respostas estão na seqüência da história dos irmãos Marcos e Ricardo Pettená, precursores na idéia de transformar a paixão de voar em negócio no Brasil. Nesta segunda e última parte* da reportagem, eles falam dos momentos que antecederam o boom do pára-quedismo no Brasil – que, acredite, só aconteceu de fato há cinco anos. Para contar essa história, o baú dos Pettená revela grandes conquistas dos pára-quedismo brasileiro no cenário internacional, a experiência de entrar para a seleção dos EUA, alegrias e tristezas em 20 anos de trabalho.
E ainda vamos dar um salto para o futuro, tentando prever outras reviravoltas que o pára-quedismo ainda pode sofrer no Brasil. Segure-se porque este Aventura Brasil vai voar alto.
(*) Clique aqui para ler a primeira parte desta reportagem.
“Durante todo o tempo em que fiz faculdade de marketing em São Paulo, meu trabalho era bater de porta em porta atrás de patrocínio para a equipe. Nunca consegui nada”. O depoimento de Ricardo Pettená refere-se aos anos 80, quando o pára-quedismo ainda engatinhava como esporte no Brasil. O time que buscava patrocinadores era o ‘Chão Preto’, formado por Ricardo, o irmão Marcos, Luís Antonio Tonini e Rafael Coutinho. Eles bancavam as viagens para competições, mas não tinham como se dedicar exclusivamente aos treinos. Mesmo assim, protagonizariam a maior conquista da história brasileira no esporte.
O ano era 1981 e Fortaleza (CE) abrigava o que seria último Pan-Americano de pára-quedismo. Com a ausência dos EUA, a Venezuela era favorita. “Eles já vinham cantando vitória”, lembra Ricardo. “Nós nunca tínhamos ganhado nada, mas treinamos muito. E ao nosso lado estava Caribé Montesanto, um dos pára-quedistas de maior destaque na época. Ele fazia a nossa cabeça pra não deixarmos a peteca cair. Fomos ganhando e os venezuelanos nem acreditavam.” O ouro estampou a equipe em jornais e revistas de todo o Brasil. Era um primeiro passo para a mudança de imagem da modalidade.
Durante aquela década a Chão Preto, posteriormente Azul do Vento, participou de diversos campeonatos, colecionando inclusive um oitavo lugar na Copa Mundial – a melhor colocação brasileira até hoje.
Business – Paralelamente, Ricardo e Marcos tocavam a Azul do Vento, em Campinas. No fim dos anos 80, ao invés de participar, passaram a organizar campeonatos. “De 85 a 90, fomos aprendendo o negócio. Só que não tínhamos de quem copiar. No Brasil, estávamos sempre dando o primeiro passo.”
Em busca de mais pioneirismo, Ricardo partiu em 91 para os Estados Unidos. Destino: Deland, na Flórida, capital do pára-quedismo da época. “Comecei a trabalhar como cameraman e instrutor. Depois virei diretor de marketing da Skydive University, entrei para um time de competição e passei a ser técnico. Treinava equipes de todo mundo até na Escócia…”, lembra o atleta.
O momento culminante foi ter sido chamado, em 96, para integrar a seleção norte-americana na Copa Mundial. “Eu não era naturalizado, nem tinha Green Card. Até hoje nenhum estrangeiro conseguiu isso de novo.” O resultado foi um quinto lugar, o melhor na carreira do pára-quedista.
Enquanto Ricardo alçava outros vôos, Marcos se viu com uma missão díficil nas mãos: administrar a Azul do Vento. Quem o conhece há pouco tempo, pode acreditar que o caçula esteve sempre à frente dos negócios. Marcos acabu rotulado como o empresário, enquanto Ricardo é visto como o atleta e técnico. “Mas essa mudança foi bastante brusca. Antes do Ricardo foi embora eu era um porra-louca. Gostava de competir, de saltar e nem pensava tanto em cuidar da empresa. Mudei de papel meio na marra”, conta.
Em 90, o cenário começava a ser favorável. Muitas outras escolas foram abertas pelo país. A Azul do Vento já carregava a imagem de modernidade, em 85 havia se tornado um centro de pára-quedismo, construído ao lado do Aeroporto dos Amarais. Nos cursos já utilizava a técnica AFF (Acelerated Free Fall), que havia sido inventada nos anos 70 e era uma completa novidade nas escolas brasileiras.
Manter o nível era o primeiro desafio de Marcos. “O que conseguíamos investir, de repente ia por água abaixo com aquela série de planos econômicos”, lembra.
No exterior, no entanto, a perpectiva era a melhor possível. Novas modalidades começaram a surgir, trazendo ao pára-quedas – sobretudo aos momentos que antecedem à sua abertura no ar – a conotação de radical e aventureiro. À nova onda somavam-se o skysurf, onde o atleta em queda livre faz manobras com uma prancha, e o free fly, encontrando vasto espaço na mídia.
Os Pettená também tiveram essa abertura, participando de comerciais, cenas de novela (Rainha da Sucata, na TV Globo) e até de um filme, Brincando nos Campos do Senhor, de Hector Babenco, inteiramente filmado na Amazônia, em 90. “Foi um ano de preparação, mais 40 dias num hotel em Belém (PA). Nossa missão era o salto no momento mais importante do filme, quando o protagonista falava: ‘Estou brincando nos campos do Senhor'”, descreve Ricardo. “Tínhamos de saltar descalços, no mato, com aquele pára-quedas redondo, como pedia o script.” (Clique aqui para ver na filmografia de Babendo, um trecho de “Brincando…”, com o salto de pára-quedas)
Na opinião de Marcos Pettená, o boom do pára-quedismo teve um ano certo: 1995, quando os EUA realizaram o primeiro X-Games. Conhecido como a Olimpíada dos Esportes Radicais, o evento foi atrelado a uma grande emissora de TV e transmitido para o mundo todo. “Virou moda. Os jovens e a mídia praticamente descobriram a modalidade, cresceu a demanda de alunos, de pessoas querendo saltar”, recorda. “Quem estava preparado para absorver tudo isso, como o Brasil, se deu bem. Outros países com grande potencial, como Argentina, Peru e Venezuela, não deram conta.”
Em 98, até a modalidade mais milionária de todas se rendeu ao pára-quedas: Marcos saltou sobre o autódromo de Interlagos, no dia do GP Brasil de F-1. “Foi um dos momentos mais mportantes da minha carreira”, reconhece.
“Eu não batia mais de porta em porta atrás de patrocinadores. Eles passaram a vir atrás de mim”, resume Ricardo. Com parcerias estratégicas, os dois irmãos passaram a organizar eventos maiores, culminando com a realização do Circuito Brasileiro, desde 99, cujo objetivo é, além de estabelecer um ranking nacional, revelar talentos. “É um ciclo. A gente tentou e não conseguiu ser reconhecida e valorizada pelos nossos resultados, tínhamos um projeto chamado ‘Medalha de Ouro no Mundial’ e ele nunca saiu do papel. Queremos oferecer oportunidades aos novos atletas de se dedicarem ao esporte em busca daquele ouro com o qual a gente sonha até hoje.”
Com essas revelações e alguns contemporâneos, Ricardo montou a equipe Action e voltou a ser campeão brasileiro. Nela estão nomes como Rogério Martinatti, com quem divide o status de legenda do pára-quedismo brasileiro, e Pierre Chofard, que chegou a liderar o ranking mundial de skysurf.
O recorde mundial, descrito no início a essa matéria, há 15 dias, coroou a história de mais de 20 anos de trabalho dos Pettená – mesmo que só Ricardo estivesse presente na façanha. “E olha que eu não ia nem saltar, era pra ficar só coordenando a equipe porque tinha machucado a perna e estava sentindo muita dor naqueles dias. Mas não pude me conter”, revela o atleta.
De agora em diante, eles darão início a outra história, pela segunda vez separados também nos negócios. Ricardo está assumindo o comando da Azul do Vento, com planos de seguir não só com inovações, mas invertendo posições: “Vai chegar a nossa vez de patrocinar atletas”, revela. Marcos abriu uma empresa especializada na organização de eventos e segue também com a empresa que detém a posse do Skyvan, o único avião civil no Brasil especial para o lançamento de pára-quedistas.
“Foi a solução que encontramos para que cada um aproveitasse melhor suas características”, explica Marcos. “Nos negócios, eu sou mais pé no chão, não gosto de arriscar. O Ricardo tem idéias arrojadas, é um homem de marketing.”
Quanto mais simples, melhor – Separados no trabalho, possivelmente ainda mais unidos em casa. “O tempo que o Ricardo passou nos EUA serviu para nos afastar um pouco. Estamos retomando mais o contato agora”, conta Marcos. “Mas, mesmo pensando diferente, a gente é irmão. Eu nunca vou me esquecer da dedicação dele quando sofri o acidente (As linhas do pára-quedas de Ricardo foram cortadas pelo cerol de uma pipa). Ele não saiu do meu lado.”
E mesmo em meio a tantas histórias incríveis paralelas à total transformação do esporte, os momentos caseiros continuam na preferências dos dois atletas. “A essência do pára-quedismo não mudou. Tenho muito prazer naquele salto que não vale nada, lá em Campinas, como aquele que eu dei em 71 e que foi o início de tudo”, finaliza Ricardo.
Este texto foi escrito por: Webventure
Last modified: abril 14, 2000