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Travessia Angra-Rio: filme na vida real

Redação Webventure/ Outros

Remar por 30 horas, de Angra dos Reis até a Marina da Glória (140km), no Rio de Janeiro, podia ser só mais uma aventura para quem já foi do Rio a Santos, de Caravelas a Abrolhos… Mas a travessia chegou a ter ares dramáticos, quando Simone Duarte encontrou vento contra e até aviões-caça pelo caminho…

“Foi um dos maiores desafios da minha vida, mas nunca quis desistir”. A frase define bem o que a carioca Simone Duarte, canoísta experiente em longas travessias, viveu durante as 36 horas em que remou, em tempo recorde, entre Angra dos Reis e o Rio. O desafio, que teve como objetivo chamar a atenção da mídia e empresários para projetos mais audaciosos, como a travessia Brasil-África, acabou ganhando ares de filme de ação. “O pior foi o vento contra quase o tempo todo. Eram duas remadas para frente e uma para trás”.

Tudo começou no último dia 6, no Iate Clube, em Angra. “O objetivo era remar 18 naquele dia e 12 no outro.” O caiaque de Simone caiu na água às 4h30. O bom disso é que a maré estava bastante favorável e ela remou o máximo que pode para aproveitar. De longe, um amigo, Léo Rodrigues acompanhava a atleta no barco Carapitanga. Ela deixou bem claro que não queria apoio externo enquanto estivesse remando e por isso carregou no caiaque até a comida.

À tarde o tempo começou a mudar. “Devido aos fortes ventos que estavam sendo esperados, decidi ir pelo interior da baía de Sepetiba”, conta Simone. Entre a ilha do Bernardo e de Pombeba, vento e maré ficaram contra. “Meus braços se esforçavam em deslizar o caiaque sobre aquelas ondas com padrão caótico, e, sem forças para contrapor o vento, fui lentamente sendo jogada na grande praia da restinga de Marambaia.” Ali começaria o ‘teste psicológico’ da canoísta. “Sem saber, estava invadindo a área de testes da Aeronáutica, onde a navegação é proibida.”

Guerra simulada – Primeiro, Simone bateu o caiaque em algo sólido: era a asa de uma avião. Depois vieram os rasantes dos aviões-caça e… os tiros. O vento chegava a 40km/h. “Entreguei minha alma a Deus. Contava 10 remadas de olhos fechados e os abria para corrigir o rumo”, narra. Sem a possibilidade nem de um resgate, a atleta teria de sair dessa sozinha. “Remando com dois palmos de lençol d’água, o GPS acusava 1,7 nós (3,0 Km/h). Meio debilitada pelo cansaço de tantas horas já remadas, fiquei tensa ao constatar que teria de remar durante a noite para poder atingir Barra de Guaratiba.”

Durante os 5km percorridos à noite, Simone experimentou a canoagem em ‘braile’ na maré baixa. “Era difícil dar cinco remadas sem encalhar. Tinha de adivinhar no tato onde estavam os canais. Acabei aprendendo com os peixinhos. Ao sentirem a aproximação do caiaque eles pulavam na direção das águas mais profundas. Então os segui”, lembra. Às 22h30, Simone chegou ao Carapitanga para cinco breves horas de sono.

No dia seguinte, a saída foi às 6h30, após o aquecimento no barco. O mar começou agitado, mas acalmou pouco depois e Simone bateu seu recorde de velocidade – 8,8 a 9,8km/h. “É medo do vento”, brincou com Léo. Às 8h30, ela chegou ao Recreio dos Bandeirantes e, às 12h, ao quebra-mar da Barra. Foi quando a maré mudou outra vez. “O vento soprava com toda força. Pra piorar tive dor de cabeça e náuseas. Só melhorei depois de dar uma chuveirada de água doce no rosto e na nuca. Mas nem nessa hora pensei em desistir”, comenta.

Teste de medo – Em condições normais ela levaria duas horas para chegar ao Arpoador, mas com o vento contra acabou levando quase quatro. “O vento me chicoteava e o mar ficou bem batido. Recomecei a remar me sentindo fraca e foram as seis milhas mais longas da minha vida.”

Às 17h, vento e a maré deram uma trégua e Simone chegou à baía de Guanabara. “Na base do Pão de Açúcar, o mar ficou bem batido. Mas não demorou muito para eu ver uns pontinhos vermelhos parados ali. Eram meus alunos, que me acompanhariam até a Marina”. Aplaudida, Simone chegou ao fim do percurso às 18h30.

“Percebi que o lado psicológico importa muito mais do que a força dos braços. Acho que um atleta de 20 anos, com todo seu vigor físico, não suportaria o que passei”, diz Simone, que tem 34. “Estava preparada, eu faço treinamento de medo, remando à noite em Copacabana. Você tem de se expôr ao medo para vencê-lo.”

Na Travessia Angra-Rio, Simone Duarte teve apoio de Global Star, Wöllner e Sima Equipamentos.

Este texto foi escrito por: Luciana de Oliveira

Last modified: maio 3, 2000

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