Tempo disposição e planejamento são receita fundamental de aventura (foto: Marcelo Krings)
Acompanhando de perto a evolução das práticas outdoor nos últimos anos, o montanhista Marcelo Krings busca a tão discutida definição para o rótulo ‘aventura’.
Há muito tempo tenho pensado em um assunto que muito me intriga: o que afinal significa Aventura? Sim, Aventura com A maiúsculo, e se a nossa língua-pátria permitisse, escreveria todas as letras em maiúsculo e ainda negrito.
Agora, após algum tempo refletindo sobre esta questão, tendo participado de algumas poucas atividades Brasil e mundo afora e depois de ler algumas páginas sobre exploradores, andarilhos e conquistadores, talvez consiga expressar, de modo muito pessoal, algo concreto sobre a arte de se aventurar.
Faz alguns anos que, em conjunto com um grupo de amigos, discutimos e realizamos pequenas ações no intuito de esclarecer pessoas que fizeram de uma das muitas técnicas utilizadas montanhismo, conhecida como Rappel, sua atividade esportiva. É recorrente escutar pessoas falando da adrenalina, emoção e de uma rara sensação de desafiar a vida e a morte que, de tão intensa, segundo os praticantes, lhes dá a sensação de realmente estarem vivos. Estranho, todos com os quais conversamos pareciam estar bem vivos em terra firme…
As causas – Uma observação mais profunda parece nos remeter a dificuldades tipicamente urbanas como a pressão social, a velocidade de transformação da cidade, a falta de uma válvula de escape para a altura da opressão das megalópolis, associada ao modismo causado pela mídia e à facilidade na aquisição de material de montanhismo.
É uma pena, esta garotada poderia estar por aí, escalando rocha, caminhando em trilhas e conhecendo o mundo em vez de estar pendurada com pouco ou nenhuma instrução em uma ponte ou em um viaduto. Definitivamente fazer rapel em ponte não é se aventurar.
Outra coisa que tenho notado é a multiplicação das autodenominadas corridas de aventura, sim, aventura com “a” minúsculo mesmo, pois de aventura pouco têm. Na minha humilde opinião, deveriam ser chamadas de corridas multi-esportivas ou multi-modalidades. Nunca fui um competidor nesta modalidade. Embora não compactue com a palavra competição, tenho vontade de experimentar, simplesmente pelo fato de não deixar de conhecer, ser um protagonista destas histórias diferentes.
Aventura mastigada – Não discuto o que leva as pessoas a passarem dias, às vezes mais de uma semana, comendo mal, praticamente sem dormir, fazendo esforços físicos e psicológicos sobre-humanos para alcançar um lugar no pódio ou simplesmente chegar. Em uma atividade deste tipo, a aventura está preparada ou, se preferir, mastigada, por um organizador. Ele prepara o terreno para que, tempos depois, uma trupe de competidores e seus equipamentos maravilhosos passem por lá à procura do melhor tempo e do melhor caminho.
Tenho um amigo, competidor de ponta em corridas de aventura, que se pegou dormindo sobre a bike. Fora o perigo do cansaço, o que será que ele e tantos outros estão contemplando da natureza quando passam pelas montanhas, rios, cachoeiras, matas selvagens e montanhas nevadas, à procura do menor tempo?
Enfim, tudo começa na sexta-feira, depois do trabalho, e, na segunda, o mundo volta à sua rotina. Talvez a pergunta mais importante seja qual será o crescimento espiritual (não religioso), emocional, que se resgata após todo este esforço.
Uma definição – Aos poucos formei um conceito de aventura que, para os padrões atuais, pode parecer um tanto desconexo da realidade urbana. Aventurar-se pode ser resumido como alguém que: …utilizando seus próprios meios, após um planejamento consciente, a partir em uma data adequada, vai para algum local que se quer explorar e conhecer no qual o incógnito, a imprevisibilidade, a surpresa da descoberta, a contemplação e aprendizado da cultura local tenham lugar. Imaginando um período provável de retorno. Trazendo de volta o conhecimento e a experiência como um crescimento pessoal em todos os sentidos…
Utilizar seus próprios meios é algo parecido com não depender de ninguém, a não ser seus próprios colegas de viagem e uns poucos contatos pelo mundo. Às vezes não tem jeito, grandes expedições exigem muitos recursos, mas a imensa maioria de nossas viagens podem ser feitas com recursos pessoais, dependendo pouco ou nada de recursos externos.
Mesmo quando o homem foi para um lugar que não conhecia fisicamente, ele planejou. O lugar desconhecido fica próximo de um lugar conhecido ou supostamente parecido. Assim, indo ao pólo norte, tendo conhecido o pólo sul, sabe-se que a sunga de banho e os óculos de natação podem ser dispensáveis. Planejar significa antever, fato este que tem 5% ou menos de intuição e coincidências e 95% ou mais de conhecimento e experiência.
Viajar, se aventurar, exige tempo e disposição. Tenho um amigo que não sai para escalar em alta montanha se não dispõe de pelo menos trinta dias de tempo. Diz ele …como é que você vai se aclimatar, se aproximar, escalar uma montanha e voltar para casa em uma semana?…. o que você viu, o que você sentiu, o que foi aprendido nesta correria de poucos dias?
(*) especial para o Webventure
A imprevisibilidade e a surpresa na aventura estão cada vez mais escondidas. Vejamos então a hipotética situação: Um senhor X percorreu todas as trilhas da Serra do Mar e depois lançou um livro com distâncias, pontos de entrada e saída, cidades próximas, croquís, telefone dos bombeiros, o que levar, como levar e um muitas outras informações.
O sujeito Y viu então o livro na prateleira, seguiu a cartilha ao pé da letra e foi em busca de uma saída perfeita. Não se perdeu, efetuou a trilha em 4h35min, exatamente como no livro; não entrou no desvio que levava a casa do Seu Zé, lá na curva do rio, logo não conversou com ele; não foi à cachoeira do Véu da Noiva, citada no livro do senhor x, que, naquela época, era desinteressante mas agora estava linda maravilhosa; dormiu no camping do João em vez do cantinho selvagem da trilha; e, obviamente, não perdeu o último ônibus para casa, o que evitou que ele passasse uma bela noite em companhia de algumas figurinhas locais muito interessantes.
Não se trata de ser contra a transmissão de conhecimento, mas de garantir a aventura, de não desvendar o desconhecido antes que ele apareça na sua frente.
A verdadeira aventura não se repete – Verdadeiras aventuras não ocorrem todos os dias. Uma vez saímos em cinco para escalar na Cordilheira Real na Bolívia. Depois de carregar a picape e andar uns quarteirões alguém perguntou qual era a estrada, assim tudo começou… uma semana para chegar em La Paz, seguindo o trilho do antigo trem da morte, quinze dias escalando no Condoriri, o que nenhum brasileiro tinha feito, e mais uma semana retornando via Santiago do Chile, Mendoza e Buenos Aires. Afinal, a verdadeira aventura não se repete, além do mais a Bolívia não é reconhecida mundialmente pela sua malha viária.
Estar disposto a experimentar é se aventurar, poder mudar de planos conforme a situação, pois a natureza é mais forte que o homem. É seguir em frente quando o mapa acabou ou diz cuidado pode haver dragões. Estar aberto a novas situações, paisagens, pessoas e desafios é, efetivamente, se aventurar.
Este texto foi escrito por: Marcelo Krings
Last modified: maio 14, 2001