Rota Normal (foto: Helena Coelho)
Sentinela de Pedra é o que significa em quechua a palavra Aconcágua. A montanha mais alta das Américas está totalmente situada no Parque Provincial do Aconcágua, em Mendoza, na Argentina. Diferentemente da segunda mais alta montanha da América, o Ojos del Salado, com 6.893 m de altitude, o Aconcágua não é um vulcão, apesar de estar coberto por massa vulcânica. Ele apresenta dois cumes, o Norte e o Sul, unidos por uma crista de um quilômetro chamada Filo del Guanaco; o cume mais alto é o Norte, com 6.962m de altitude, e o Sul tem 6.930 metros.
Muito se falou dessa montanha no início deste ano quando Rodrigo Raineri e Vitor Negrete, dois brasileiros, escalaram a face sul com sucesso e chegaram ao cume no dia 2 de janeiro. Também se falou muito dela há quatro anos quando os brasileiros Mozart Catão, Othon Leonardos e Alexandre Oliveira morreram na tentativa de chegar ao cume, escalando a mesma via.
Para muitos leigos em montanhismo, a pergunta normal é qual a diferença de se chegar ao cume por esta ou aquela via. Para as pessoas do ramo, o aplauso é grande para os dois que conseguiram chegar ao cume pela face sul. Esta face é, sem dúvida, em termos técnicos, a mais difícil para se chegar ao cume do Aconcágua.
As rotas da maior montanha das Américas – Pretendo aqui falar um pouco apenas das três principais rotas, iniciando pôr um pouco da história. A primeira chegada ao cume foi em 14 de janeiro de 1897, por Matthias Zurbriggen, da expedição de Edward Fitz Gerald. O Glaciar dos Polacos só foi conquistado em 1934 pôr uma expedição polonesa. Em 1940, ocorreu a primeira ascensão feminina.
A parede sul só foi conquistada na década de 50 pelos franceses, enquanto para o alpinismo brasileiro essa conquista só veio quase 50 anos depois. As primeiras ascensões brasileiras com sucesso só ocorreram em janeiro de 1953, ainda pela Rota Normal, feitas por Orlando Lacorte e Ricardo Menescal e, um mês depois, através da mesma rota, por Domingos Giobbi, fundador do Clube Alpino Paulista.
Para ingressar no Parque, há duas rotas principais de acesso: pelo Rio Horcones e pelo Rio Vacas. Saindo de Puente del Inca, indo pelo Rio Horcones, chega-se, após umas 3 ou 4 horas de caminhada, ao acampamento da Confluência, a 3300 m de altitude. A partir dali a trilha se divide e você poderá dirigir-se aos acampamentos de Plaza de Mulas, a 4300m de altitude, base da Rota Normal, ou ao acampamento de Plaza Francia, a 4200m, base da Parede Sul. O ingresso clássico para o Glaciar dos Polacos é feito pelo Rio Vacas, com entrada em Punta de Vacas, alguns quilômetros antes de chegar em Puente del Inca.
Puente del Inca está a aproximadamente 175 km de Mendoza, em uma boa estrada que liga a Argentina ao Chile. Está a 2.719 m de altitude e até Plaza de Mulas , há 4.300m você terá uma trilha bem marcada e bastante transitada de 38 km. Geralmente, faz-se esse caminho a pé em dois dias para uma melhor aclimatação, parando para acampar na Confluência ou no final da Playa Ancha. Nem pensar em praia como as que temos pôr aqui, pois é um caminho ao longo do rio, com muitas pedras.
Os acampamentos – O acampamento Plaza de Mulas é normalmente usado por todos os que querem subir a montanha pela Rota Normal, ou então por aqueles que estão ali apenas para um trekking até essa altitude ou, ainda, por aqueles que intentam a via do Glaciar dos Polacos com aproximação pela Rota Normal.
A partir de Plaza de Mulas a subida pela Rota Normal é praticamente um trekking em altitude e, se não fossem um ou dois trechos onde há línguas de neve ou gelo, poderiam ser até dispensados os grampões (mas não as botas duplas, por causa da altitude). Pode-se subir, feita a aclimatação necessária, usando os bastões de caminhada, dispensando-se as piquetas e martelos de escalada.
Há vários locais já habituais para os acampamentos de altitude utilizados para a ascensão: Plaza Canadá, Câmbio de Pendiente e Nido de Condores, que está a 5.200 m de altitude e de onde muita gente faz o ataque ao cume; Berlim a 5.800 m onde há refúgios pequenos de madeira, que é outro local de saída para o ataque ao cume; Refúgio Independência, a 6400 m, que é também de madeira todo quebrado e abandonado, usado apenas para abrigar-se de vento e descansar um pouco antes de fazer a travessia para a Canaleta e finalmente chegar ao cume.
Em algum ponto, quase chegando no Abrigo Independência, você consegue avistar à esquerda de quem está subindo, o acampamento do Glaciar dos Polacos. E, por aí, pode-se fazer uma longa travessia para então ascender pela parte final do Glaciar dos Polacos. Esta é uma subida que necessita de técnicas de escalada em neve e gelo e que poderá necessitar de acampamentos sobre o Glaciar, requerendo, para isso, todo o preparo necessário. Não dá para subir por essa Rota sem conhecimentos técnicos de escalada.
Escalando o Aconcágua – Para escalar o Aconcágua pelo Glaciar dos Polacos, com a aproximação desde Punta de Vacas, faz-se uma longa caminhada de aproximadamente 70 km até o acampamento base de Plaza Argentina. A partir daí, a subida se faz por terreno misto de rochas em decomposição e gelo que chamamos de morainas , por rochas, em neve ou gelo. Montam-se os acampamentos de altitude em locais também habituais, e a escalada em neve ou gelo apresenta alguns trechos mais verticais.
Já para escalar a face sul, a mais difícil do Aconcágua, com várias vias já conquistadas, utilizam-se técnicas de escalada mista em rocha, com lances difíceis, e paredes de gelo com inclinações próximas dos 70 graus. Além do acampamento base de Plaza Francia, que está a mais ou menos 8 horas desde a Confluência, os acampamentos de altitude irão depender da via escolhida. Numa das fotos que colocamos nesta coluna, retirada de Cuadernos de Alpinismo (nº 1; Barcelona), podem ser vistas essas vias da Parede Sul.
Em qualquer das rotas, mesmo se for apenas para um trekking em altitude ou para a escalada, é obrigatório pagar a permissão de ingresso, pessoalmente, na Subsecretaria de Turismo, na Calle San Martin, na cidade de Mendoza. Sobre o preço da permissão, é melhor acessar o site www.mendoza.gov.ar e localizar as informações sobre o Aconcágua.
Mesmo para escalar a Rota Normal, que tecnicamente é simples e requer mais ou menos 20 dias, não se esqueça de que estamos falando de grande altitude, onde o ar é rarefeito, implicando na necessidade de boa aclimatação. Observe que mais ou menos 40% das pessoas que tentam, por temporada, a Rota Normal do Aconcágua não chegam ao cume devido às dificuldades de adaptação à altitude e aos problemas com a variação do tempo, com nevadas e ventos fortes.
Além disso, junte-se com amigos ou com guias de sua confiança, faça um bom preparo físico e técnico, dê uma boa checada na sua saúde, planeje todo o material de acampamento, de alimentação, de vestimenta e de escalada que você vai usar, aclimate-se bem e curta bastante a aridez e a beleza da Sentinela de Pedra – o Aconcágua.
Este texto foi escrito por: Helena Coelho
Last modified: janeiro 30, 2002