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E o Carnaval foi na região do Aconcágua

Redação Webventure/ Montanhismo

Cerro Bonete ao fundo. (foto: Helena Coelho)
Cerro Bonete ao fundo. (foto: Helena Coelho)

Quem lê esse título pode até pensar que houve samba no pé com temperaturas abaixo de zero no Aconcágua. Mas, para um país como o nosso, com um feriado desse tamanho e a possibilidade de emendar a semana, nada mais convidativo do que aproveitar e viajar para escalar na região do Teto das Américas.

Já no aeroporto, vimos que não seríamos os únicos brasileiros indo para lá. Um grupo de nove pessoas, com idades variando entre 16, a Natália, e o Valde, com 61 anos, guiados pelos experientes Manoel Morgado e Fernando, também estavam viajando para lá para fazer trekking até o acampamento-base de Plaza de Mulas; outro brasileiro, o paulista Maurício, que juntamente com Marcelo Elias ia para escalar a Rota Normal, também estava no mesmo vôo.

Depois de cinco horas de vôo, já estávamos em Mendoza, na Argentina. Eu e o Paulo fomos até o novo local, num belo Parque, que a Secretaria de Turismo reservou para obtenção da permissão para escalar no Parque Provincial do Aconcágua. Pagamos as taxas, fomos comprar benzina para o combustível do fogareiro, fizemos umas comprinhas de comida no supermercado e, após contratar um transporte, fomos direto para Puente del Inca.

Primeiros dias – Dormimos esse primeiro dia aí, bem mais próximos da entrada do Parque do que Mendoza. No dia seguinte, de manhã cedo, entramos no Parque. Mostramos o pagamento da permissão, pegamos os sacos de lixo e fomos orientados sobre o uso de banheiro em Plaza de Mulas – que tem de ser o banheiro montado pelas agências de mulas. Se você não as contratou, terá de pagar uma taxa pelo uso dos mesmos.

Tudo certo, nossa primeira parada foi na Laguna de Horcones, para sentir um pouco do ar da montanha, apreciar o final da parede sul refletida na água, ajeitar as mochilas nas costas e começar a subida.
Uma semana só era pouco para fazer um bom processo de aclimatação, então, resolvemos que faríamos subidas que ainda não havíamos feito, pois, sempre que vamos para lá, subimos o Aconcágua.

Dessa vez, seria apenas para descansar e curtir uma boa semana na montanha. Pouco mais de duas horas e estávamos no acampamento de Confluência, que neste ano mudou para o lado que fica antes de atravessar o rio.

O Parque fez uma avaliação do local antigo e concluiu que a vegetação não suportaria o impacto da quantidade cada vez maior de pessoas que têm acampado por lá; resolveram fazer a mudança e instalaram inclusive um reservatório para água. Isso quer dizer que o dinheiro pago pela permissão tem sido usado para promover algumas melhorias bem como manter o helicóptero e equipes de resgate em pleno trabalho.

Como ainda era cedo, resolvemos tocar em frente, sem paradas para acampar. Levávamos conosco material para um bivac, além de comida para um dia e água o suficiente para a caminhada de aproximação.

Mais brasileiros – Encontramos, em Plaza de Mulas, dois outros brasileiros do Rio Grande do Sul e um deles, o Fred, falou da dificuldade de encontrar água potável no caminho após a Confluência até Plaza de Mulas. De fato, não há muitos pontos de água. Por isso, sempre levamos nas costas a água suficiente para dois dias. Mesmo assim, uma dica: após cruzar a Confluência, quase no início da Playa Ancha, há água cristalina à direita de quem sobe. É um filete, mas boa água. Depois disso, só mesmo no acampamento base.

Caminhada gostosa, molhando os pés ao cruzar os rios da Playa, com rajadas de vento, colocando um pouco de poeira na paisagem belíssima; tonalidades de marrom, de areia, e um pouco de verde da vegetação que cobre alguns cantos das encostas davam um colorido especial à região sempre árida do Aconcágua.

Descanso – A partir das três da tarde, o tempo fechou e uma nevisca insistente começou a mudar a paisagem. Resolvemos, já que estávamos entre a Playa Ancha e o Mulas inferior, ou seja, bem próximos de Plaza de Mulas, tocar direto para lá.

Fim de tarde com bastante nevada, estávamos montando nossa barraca bem ao fundo da área do acampamento base. Como o tempo continuava fechado, o negócio foi comer alguma coisa e dormir cedo, para descansar, para dar um tempo para o corpo acostumar-se com o ar dos 4.200m de altitude.

E foi excelente o descanso. O dia amanheceu com sol, batendo na barraca às 9h30 da manhã. Preguiçosos, arrumamos todas as nossas coisas, fizemos um ótimo almoço, com direito a frutas, salada, arroz integral cozido em panela de pressão. Resolvi levar e experimentar uma panela de pressão de dois litros que funcionou superbem e economizou bastante combustível.

A semana voou e pudemos fazer aquelas subidas e travessias que normalmente não são feitas: subimos o Cerro Bonete – 5.000m de altitude, que é um trekking morro acima, com visual muito bonito do Aconcágua e da região do Chile.

Indicamos como sendo muito boa subida para o trabalho de aclimatação, pois você vai quase à altura do acampamento de Nido de Condores, que está a 5.200m, e tem ótimo visual da Rota Normal do Aconcágua.

Travessias no glaciar – Fizemos também umas travessias no glaciar, saindo do acampamento, subindo na direção do Cerro Cuerno e indo para o Cerro Catedral – para colocar grampões, caminhar no Glaciar, usando os bastões…

E, por fim, escalamos até o cume do Cerro Cuerno, com 5.400m de altitude; uma escalada já mais técnica que tem que cruzar greta e subir parede mais em pé. A chegada ao cume é interessante: depois de escalar até o colo, você tem uma trilha bem marcada na crista. Se você segue por ela, ao chegar quase no final, há um trecho pequeno de rocha “podrida” (o termo é espanhol, mas quer dizer que ela solta pedaços quando tocada) que torna praticamente impossível, ou melhor, muito perigoso, continuar até o cume.

A solução é continuar pelo glaciar até quase o final, quando então há um trecho de pedra até o cume propriamente dito. E o visual é estupendo: avistam-se todos os campos da subida da Rota Normal do Aconcágua – Plaza Canadá, Cambio de Pendientes, Nido de Condores, o local do Berlim, a Canaleta… também fica no visual o Cerro Ameghino, que é visto quando se faz a Rota do Glaciar dos Polacos. E, não tão ao longe, o Mercedário, o Tupungato…a Cordilheira. Ficamos ali um bom tempo, admirando o horizonte, sonhando …

Bom proveito – O Cerro Cuerno é um local muito bom para treino e aclimatação para quem vai para a Rota do Glaciar dos Polacos, cruzando desde a Rota Normal.

Hora de voltar. Cansados, de tanto ralar na semana, mas satisfeitos: caminhamos, fizemos uns treinos mais técnicos, desfrutamos do local maravilhoso, reencontramos amigos já antigos, fizemos novas amizades… – o pessoal que fez o trekking simplesmente adorou. Disseram que voltarão lá em outra oportunidade!

Descemos correndo para Puente del Inca, dormimos uma noite ali embaixo. Colocamos nossos pés nas águas quentes das termas. Pegamos um transporte e direto para o aeroporto. Que pena que o Carnaval é só uma vez por ano!

Este texto foi escrito por: Helena Coelho

Last modified: março 1, 2002

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