Existem pequenas regras para um acampamento ter mínimo impacto no ambiente. (foto: Arquivo Webventure)
Quando se fala em “acampar”, a quase totalidade das pessoas associa esta idéia à escolha de um local bucólico e tranqüilo longe das zonas urbanas, à montagem de uma barraca e, a seguir, à preparação de um círculo ao redor de uma fogueira, centro em torno do qual as pessoas reunir-se-ão para conversar, cozinhar e aquecer-se, repetindo um ritual de sociabilização quase inconsciente transmitido de geração em geração e cujas origens perdem-se no início da história humana.
Como de costume, a higiene pessoal e a limpeza dos utensílios de cozinha serão feitas na fonte de água mais próxima e os dejetos humanos depositados dentre a vegetação, atrás de uma pedra ou, em raras ocasiões, enterrados ou queimados.
Já há muito incutidas na nossa cultura, tais práticas tornaram-se um seríssimo problema ante o crescente interesse das pessoas pelas práticas de atividades denominadas outdoor e que, quando desprovidas de uma educação ecológica básica, passaram a engrossar fluxos massivos de visitantes dentro de limitadas áreas naturais.
Como conseqüência, acarreta uma sobre-exposição que muitas vezes o meio ambiente local não se encontra apto a resistir. Estas práticas não mais combinam com os modernos conceitos de proteção à natureza, exigindo uma profunda reeducação do indivíduo quanto aos hábitos tradicionalmente adotados no excursionismo, aí inclusos os acampamentos, caminhadas, escaladas, mergulhos e uma infinidade de outras atividades praticadas em áreas silvestres.
Mesmo que o excursionista tome todos os cuidados básicos quanto ao uso da água, o tratamento dos dejetos e o relacionamento com a fauna e a flora, tais precauções não mais são suficientes em vista do ecoturismo de massa praticado por uma crescente quantidade de visitantes. Estes percorrerão um incontável número de vezes uma mesma trilha, montando suas barracas sempre num mesmo local, fazendo a sua higiene no mesmo curso d´água, recolhendo lenha no mesmo bosque e fazendo uma nova fogueira em cada acampamento, as quais deixarão o ambiente por longo tempo crivado de cicatrizes negras onde o solo tornou-se estéril.
Veja-se como exemplo que todas estas imagens, tão familiares para nós, são hoje facilmente encontradas nos nossos Parques Nacionais, vários deles instituídos apenas de maneira legal mas sem o necessário plano de manejo e com insuficiente controle pelo Governo Federal.
Por longo tempo ainda iremos lembrar o incêndio que assolou boa parte do Parque Nacional de Itatiaia após originar-se em uma mal controlada fogueira acesa por incautos visitantes. Ou ainda as atuais discussões quanto ao conceito de vias de escalada “saturadas” ou não, ao uso de ancoragens fixas ou ao direito de “limpeza” de paredes objetivando preservar a rocha para as próximas gerações.
E justamente em função deste excursionismo de massa é que vêm sendo internacionalmente desenvolvidas certas orientações hoje denominadas como a ética do mínimo impacto, já presente em inúmeros estatutos e códigos de conduta de associações desportivas brasileiras com práticas junto à natureza, em especial nos clubes de montanhismo.
Mas que regras constituem em verdade esta tão propalada ética de mínimo impacto? Desde a década de 1970 que nos Estados Unidos a NOLS – National Outdoor Leadership School vem divulgando um programa de educação ambiental denominado Leave No Trace – LTN ou No Dejes Rastros – NDR como têm se popularizado nos países de língua espanhola.
No Brasil, o programa poderia ser chamado de Não Deixe Marcas ou pelo lema Deixe como encontrou, encontre como deixou oficialmente adotado pelo IBAMA e Ministério do Meio Ambiente, visando a reeducação das pessoas para uma prática de conservação de áreas naturais e cujas técnicas vêm sendo adotadas e divulgadas por todas as entidades que atuam na linha de frente quanto à proteção à ecologia e à natureza.
Em essência, é ponto-chave da ética de mínimo impacto a conscientização ambiental não apenas da coletividade, mas em especial da pessoa do praticante, pois excursionar com impacto mínimo no ambiente natural depende muito mais da atitude e consciência individual do que de fiscalização, leis e regulamentos.
Segundo o Ministério do Meio Ambiente brasileiro, estudos indicam que a grande maioria das agressões causadas por visitantes em áreas protegidas é decorrente do desconhecimento das atitudes e comportamentos especiais necessários durante a visita e que apenas uma minoria dessas agressões é causada intencionalmente ou configuram atos de vandalismo.
Afirmaa-se ainda a mesma fonte que experiências internacionais tem demonstrado que campanhas educativas são mais bem aceitas pela sociedade e mais eficientes que medidas coercivas como fechamento de trilhas e exigência de acompanhamento de guias para a prevenção e controle de impactos ambientais causados por visitantes como de forma equívoca e ultrapassada ainda defendem certos segmentos de ambientalistas.
Ora, que função didática ou reeducativa exercerá uma unidade de conservação fechada como há pouco foi judicialmente postulado por uma ONG em relação ao Parque Nacional da Serra Geral, na divisa dos Estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina????
Uma vez que se conheça o básico, tais técnicas podem ser facilmente adaptadas a condições diversas de práticas desportivas ou de lazer como a escalada, trekking, canionismo, canoagem e uma infindável variedade de outras, mas a exigir um comportamento ativo e um esforço extra do indivíduo para mudar certos hábitos arraigados desde tempos imemoriais.
Assim, acostume-se a não fazer fogueiras, mas use o seu fogareiro; não lave a louça diretamente nos cursos d´água, mas carregue a água e o faça ao menos 60 metros longe dos mesmos; quando possível, arme sua barraca sobre uma superfície rochosa para não impactar a vegetação nativa. Não tenho a menor dúvida que isto algumas vezes pode ser considerado um desconforto, mas nada mais é do que sentimento coletivo de conscientização ambiental buscando preservar o meio-ambiente tão intocado para o próximo que chegar quanto você o encontrou.
Pergunto se qualquer um de nós consegue imaginar como estará o seu local preferido de acampamento ou prática desportiva daqui há uma
geração? E daqui a cinco gerações? E então dez gerações???
O modelo de mínimo impacto das atividades realizadas na natureza, além de imbuído de uma forte conscientização ecológica e social, associada ao senso de cidadania, leva o indivíduo a pensar naquele que o sucederá praticando as mesmas atividades lúdicas, estimulando-o a agir com segurança e preservar o meio-ambiente incólume para que outras pessoas possam usufruí-lo na mesma proporção, estabelecendo como valor principal toda uma ética comportamental objetivando evitar que sejam deixadas marcas muitas vezes irreparáveis como registros da presença humana no ambiente silvestre.
Basicamente as técnicas podem ser reduzidas a alguns enunciados fundamentais, simples, didáticos e de fácil memorização:
Cada um destes postulados pode ser desdobrado em uma série de pequenas regras, as quais não são absolutas mas resumem, em sua essência, a ética e as técnicas de mínimo impacto recomendadas para cada situação e que devem ser atendidas sempre que possível:
a) Planeje e prepare antes de sair
b) Viaje e acampe em superfícies duráveis e resistentes
Em áreas de muito uso e excessivamente atingidas:
Em áreas virgens ou de pouco uso:
c) Lixo: tudo o que levar, traga de volta
d)Dejetos: disponha adequadamente tudo aquilo que não pode levar de volta
A urina produz odores e faz com que os animais raspem a terra para ingerir os sais.
e) “Natureza: deixe no local tudo o que encontrar“
f) “Fogueiras: minimize seu uso e impacto”
Ante este conjunto de pequenas regras que sintetizam a essência da Escola Leave No Trace de Mínimo Impacto, abrangendo uma quantidade de conhecimentos muito além do que seria permitido expor neste sintético artigo, procuramos divulgar alguns parâmetros internacionalmente reconhecidos para um comportamento ecologicamente correto e que são, em essência, os mesmos adotados por entidades de excursionismo e organizações ambientais, hoje elevados como meta oficial do Ministério do Meio Ambiente através da Campanha Nacional de Conduta Consciente em Ambientes Naturais.
A conscientização individual é essencial. Mude o seu comportamento e preserve para o próximo. Vale a pena tentar!
Para saber mais:
João Paulo Lucena, 37 anos, advogado, é montanhista, diretor da Associação Cânions da Serra Geral Porto Alegre/RS, representante no Conselho Consultivo dos Parques Nacionais dos Aparados da Serra e da Serra Geral e colaborador de diversas publicações especializadas como a revista HeadWall, o periódico Mountain Voices e o portal Webventure.
Este texto foi escrito por: João Paulo Lucena
Last modified: maio 13, 2002