Depois de um longo dia de trabalho, muitas horas de trânsito intenso na cidade de São Paulo, conseguimos pegar a estrada. Éramos em três, eu, Daniele Pegoraro (Dani) e a Sundown Brisk dela (a minha Cannondale foi levada para a pousada pela galera da Pedal Power), no meu Corsinha Prata, rumo à nossa primeira experiência do limiar da desistência, em Ilha Bela, litoral de São Paulo.
Eu passei a semana toda ancioso, preparando-me para a tão sonhada corrida de aventura. Na realidade não era uma corrida de aventura apenas, era um treinamento de um final de semana, onde teríamos uma noção básica de como é uma corrida de aventura, algumas de suas modalidades e seu ambiente. Como todo novato, comprei e levei muita coisa desnecessária, além de comidas e bebidas também desnecessárias.
Nossa viagem foi tranqüila até chegarmos na Balsa, em São Sebastião. Na estrada, fomos passando e reparando nos motoristas atípicos viajando sentido litoral com suas bikes potentes em cima do carro. “Esses devem estar indo para o Adventure Camp também,” pensávamos.
Desafio – Chegando na balsa, nosso primeiro desafio: um teste de paciência e resistência, três horas de fila de espera na Balsa para irmos de São Sebastião a Ilha Bela. Vencido este teste, chegamos na Pousada Estância das Bromélias e nos instalamos confortavelmente.
No quarto, estávamos eu e a Dani conversando quando de repente entra um sujeito muito grande, quase do tamanho da porta do quarto, apresenta-se dizendo ser o Ricardo, com ele entram uns amigos Guilherme e Bruno (acho que era isso). Ele se vira para mim e pergunta: “você é o amigo do Raul do Banco Itaú?” eu disse que talvez sim e ele me confirma dizendo ” é, o Raul disse que pedalava com um Japonês Baixinho e que você iria vir pra cá também”. ” Pô, cara folgado!” pensei eu, baixinho, claro. Mas com o tempo fomos conversando e rindo muito, os caras formaram, mais tarde, uma equipe de nome Borrachudos.
Havia mais uma cama sobrando no quarto, mas logo chegou a Fabí, uma professora de Educação Física que também corria há um certo tempo. Por causa da ansiedade (e talvez por causa dos Red bulls) eu não conseguia dormir mas fiz uma força e peguei no sono, já que tinha que dormir bem para poder acordar cedo no dia seguinte e fazer todas as atividades previstas direito e bem disposto.
Acordamos cedo, por volta das 6 horas, e fomos tomar café da manhã e nos preparar. Nosso dia consistia de clínicas nas quatro modalidades mais usuais de uma corrida de aventura (Mountain Bike, Trekking/Navegação, Canoagem/técnicas de remo e Técnicas Verticais), onde teríamos explicações práticas durante duas horas por modalidade.
Fomos divididos em quatro grupos, de acordo com a ficha de inscrição (tivemos que dar notas de 1 a 5 para nossa expertisse em cada modalidade na ficha de inscrição do Camp), cada grupo iniciou com a modalidade que tinha mais experiência. Meu grupo começou com MTB, que era de responsabilidade do Marcelo (dono da Pedal Power, uma loja de bikes muito boa www.pedalpower.com.br).
Neste módulo, fizemos uma trilha puxada com muitas subidas punks onde se tinha que empurrar a bike. Até chegarmos num platô próximo a Ilha das Cabras com desnível de 170m de altitude e um downhill muito inclinado, mas de nível técnico mediano. Neste trecho das 14 pessoas do grupo, apenas eu, o JP (João Paulo da organização do Camp) e mais um cara, descemos na bike, o restante desceu segurando a bike. Desse downhill seguimos pela estrada até a praia da Feiticeira onde partímos para o módulo seguinte de Canoagem.
Já na praia da Feiticeira, encontramos o Pedro, a Cris e o Rob que nos falaram sobre alguma das modalidades de remo mais utilizadas nas corridas de aventura, entre elas, rafting, canoa canadense, duck e caiaque. Eu e a Dani remamos um pouco no duck depois voltamos à praia.
Eu fiquei descansando, pois queria treinar canoagem, rolamentos e técnicas de remo nesse tipo de embarcação, mas não pude pois não haviam caiaques suficientes para instrutores e alunos e os que tinham estavam sendo utilizados para os instrutores darem suporte aos ducks e bote de rafting. A Dani foi remar no bote de rafting e eu fiquei na tenda tomando Gatorade.
Orientação – Terminada nossa seção de Remo, seguimos de carro até a Pousada onde iniciaríamos o módulo de orientação e trekking, com o Catalão Jorge e o Tonhão. Aprendemos noções básicas de como se utilizar a bússula e partímos para a caminhada que faríamos por uma trilha ao redor da pousada terminando na ponte onde faríamos o treinamento de técnicas verticais.
Nos divertímos um pouco com a bússula e partimos para a ponte, chegando lá encontramos o Baretta, Góis e Renato que nos esperavam para falar sobre técnicas verticais. O Baretta falou sobre os equipamentos, metais e cordas, e partímos para as técnicas práticas. Fizemos um rapel básico numa ponte de uns 8m e voltamos para a Pousada.
Essa atividade toda nos tomou o dia todo apesar de ter sido bem light. De noite, fomos jantar no Restaurante Max e logo em seguida tivemos um Briefing de como seria a corrida no dia seguinte. As equipes foram se formando ao longo do treinamento, porém eu e a Dani, apesar de alguns convites acabamos ficando sem equipe, pois estávamos esperando nossa companheira Inês Prol para montarmos uma equipe Amigos da Bike.
No final do Jantar, recebemos um ultimatum do staf do evento para nos definirmos sobre a corrida, meu objetivo era participar, de preferência com alguém mais experiente que eu para que eu pudesse aprender navegação entre outras coisas durante a corrida, e o da Dani era de completar a prova.
Bom, a Lu (Luciana, da organização) me colocou numa equipe (Biosfera) que estava com o espírito de correr para vencer a prova, encontrei com o pessoal da minha equipe rapidamente e fui jantar, a Dani ficou junto com um casal (Melo) muito simpático que estava participando para se divertir.
Comí um prato de Talharini a Parisiense (molho branco entre outras coisas) maravilhoso (acho que era mais por fome do que pela qualidade da comida) para repor as energias gastas durante o dia já que não almoçamos e voltamos para a pousada para dormir. Fiz uma revisão mental de toda a prova e de todos os equipamentos arrumamos toda a bagagem de volta e deixamos o carro pronto para partir, já que não mais voltaríamos para a pousada conforme o Briefing, fui dormir por volta da uma hora.
Acordei antes das 5 hoas, acho que foi a ansiedade, tentei dormir mais um pouco mas não consegui. Tive um sonho terrível essa noite, sonhei que eu tinha chegado super cedo na Balsa, por volta das 6 horas, mas que peguei uma fila enorme (a mesma fila que eu peguei na ida), e enquanto estava esperando para atravessar a balsa, a largada já tinha acontecido e enquanto eu ia de carro em direção da largada, vi um monte de gente passando por mim de camiseta vermelha (do evento) e mochilas nas costas em direção contrária.
Fui então dar uma volta na pousada, mais uma vez revisei todo o material, mentalizei a corrida e testei a minha bike. Tudo pronto, fui tomar café da manhã e partimos com destino à balsa que nos levaria de volta a São Sebastião.
Às 7 horas, já estávamos na fila da Balsa. Atravessamos correndo e fomos na direção do PC2 (ponto de checagem 2, onde iniciaríamos o trecho de bike – Restaurante Gaivotas), deixamos as nossas bikes e saímos de volta ao ponto de largada (Shopping Mares).
Tudo pronto, encontrei a minha equipe, que era formada pelo Paulo, Bruno (filho do Paulo) e Cintia, me passaram mais ou menos o esquema da prova e que eu teria que remar com a Cintia. Adrenalina a mil, ansiedade forçando o coração, o Paulo sugeriu de irmos por terra até a ponta da praia e aí então caíssemos na água.
O começo – Soa a buzina, largada dada, 8h30, saí correndo a mil, puxando o duck, que acabou escapando da mão da Cíntia e eu continuei correndo da mesma forma, e ela correndo atrás do duck. Caímos na água e começamos a remar, abrimos bem dos outros dois, mas no meio do trecho começamos a perder velocidade e várias duplas começaram a nos passar.
O estresse começou a pegar e acabamos resolvendo parar uma praia antes do PC1 e carregar o bote na cabeça, já que éramos melhores de trekking que de remo. No final desse trecho, chegamos no PC1 em 20º (de 27 equipes), às 10h52, e iniciamos nossa corrida de recuperação. No trecho seguinte, iríamos prosseguir de bike, eram 8 km por estrada de asfalto beirando as praias até o PC2 e depois 17 km de estrada de terra batida, partindo do nível do mar até 600 m de altitude. Ou seja, subida forte até o PC3, o PC do 1º Corte.
Partimos de bike correndo muito pelo asfalto, recuperando as posições perdidas no remo. Fora o desafio de recuperar posições, ainda tínhamos o desafio de chegar até o PC3 antes das 13 horas, hora do 1º corte, e não queríamos ser cortados de categoria. Chegamos no PC2 às 11h14 e tínhamos uma subida de uns 17 km com 600m de diferença de altitude.
O sol queimava muito forte e a subida (depois de um trecho de remo) matava nossos ânimos, quando víamos que estávamos longe dos 600 m de altitute. Meu nariz começou a sangrar, e eu resolví prosseguir até o próximo Ponto de Hidratação onde éramos obrigados a parar por 5 minutos e tomar água gelada a vontade e Gatorade (1 por equipe), parei, deitei e a Cintia veio me jogar água gelada para a temperatura do meu corpo baixar, enquanto eu tomava água para me hidratar.
Desitir? Nunca. Se eu desistisse, minha equipe seria desclassificada e eu não queria ser o motivo da frustração deles, já que desde o princípio eles haviam me dito que estavam lá para vencer e eu resolví encarar o desafio. Lembro-me de que uma hora o Bruno veio me perguntar se eu queria parar, eu respondí para ele que só pararia se não tivesse mais jeito mesmo, dalí eu só desistiria se caísse duro.
Nessa hora, eu havia comentado com ele que estava sentindo frio, meus pelos estavam arrepiados, mesmo sabendo que estava fervendo. Acho que estava com princípio de insolação. Tomei um susto muito grande com essa história de ter febre e sangrar meu nariz, já que um final de semana antes eu tinha ido a Cunha e feito várias trilhas com muitas subidas fortes e muito sol e nada disso tinha me acontecido nesse sentido, ou seja, acho que estava chegando no meu limite mesmo.
Subimos e subimos, a Cintia já não agüentava mais empurrar nem a bike dela, nem eu a minha, e o Bruno foi levando a bike da Cintia e a dele. Nós arrastávamos com as bikes morro acima com o objetivo de não parar e chegar no PC3 antes das 13:00. Mais dois pontos de hidratação se seguiram até começarmos uma descida show de cascalho um pouco antes do PC3.
Quando eu ví a descida minhas energias voltaram, subí na ike e descí pedalando ao máximo feito louco deixando a Cíntia um pouco para trás, o Bruno e o Paulo já tínham seguido em frente enquanto eu acompanhava a Cíntia, mas na descida não teve jeito, não consegui conter minha vontade de adrenalizar um pouco.
Chegamos no PC3 às 12h52, ou seja, nosso primeiro desafio já estava vencido, não sofremos o corte, recuperamos 11 posições e estávamos super bem, tínhamos agora que recuperar as 9 posições que nos restavam. Continuamos na descida, seguimos mais para frente, uma curva para a esquerda um lago à direita, a única coisa que me veio à cabeça foi de passar reto na curva e me jogar dentro do lago de bike e tudo, infelizmente me lembrei das recomendações do Andrey e do Juninho (os mecânicos da BikeTech Jardins) de não molhar em hipótese alguma a suspensão HeadShock da Cannondale e de que eu estava correndo e não me divertindo e que precisava prosseguir inteiro.
Depois da curva, mais uma subida e depois da subida mais uma descida, mais uma vez deixei a Cíntia e saí pedalando forte, passei o Paulo, estava buscando o Bruno quando ouví um “Aiiii…”, era o Paulo saindo da trilha de terra batida e indo para a parte de pedras soltas, logo em seguida, olhei para a frente e vi o Bruno freiando com tudo, quase caindo, ouví um barulho muito familiar de alguém capotando e tb freiei a minha bike rapidamente. Larguei a bike no meio do mato e subimos correndo, o Bruno em direção do pai e eu em direção a um Bug que justo naquele momento estava descendo a estrada.
Parei o Bug pedindo por ajuda, desceu um rapaz muito prestativo e nos disse que era assistente de enfermeiro. Isso foi um alívio para mim, pois estávamos entrando em pânico, pois nenhum de nós sabia primeiros socorros e o Paulo estava sangrando demais, ele havia cortado a nuca e feito várias escoriações menores em volta da cabeça toda. Um pouco mais tarde notamos que ele havia quebrado a clavícula tb.
Nesse meio tempo, enquanto o rapaz fazia os primeiro socorros, o Bruno subiu com o motorista do Bug em direção ao PC para pedir ajuda, eu saí procurando as malas de todos e a Cintia ficou ajudando o rapaz.
Em menos de um minuto já chegou o Tonhão com um Jipe, deixando água e mais kits de primeiros socorros, e logo em seguida a Ranger da Defesa Civil e a Hi Lux da Organização, o Paulo seguiu de Ranger par ao hospital de São Sebastião, eu, o Bruno e a Cintia seguimos de Hi Lux de volta ao PC3. Assim terminava nossa corrida.
Enquanto estávamos sendo atendidos, algumas equipes passaram, inclusive a Dani, e eu tive oportunidade de prosseguir a corrida junto com outras equipes. Mas acho que esse não é o espírito de equipe que eu estava buscando, e por isso resolví deixar de prosseguir e parar junto com o restante da Equipe. Não me considero fracassado, afinal, o espírito de equipe e a solidariedade venceram a vontade de terminar e o objetivo de completar a prova. E isso me mostra que apesar do clima de competição, nossa amizade foi muito maior que qualquer outro tipo de ganância.
Depois que voltamos ao Shopping Mares, resolvemos ir até o PC5 onde as equipes fariam o Rapel básico descendo uma cachoeira de 44m, afinal eu tinha que pegar meu equipamento, e ainda estava com pique de corrida, ficando meio transtornado em ficar parado.
Seguimos até o rapel, eu, a Cintia e o Jorge (Pé na Trilha). Na trilha encontramos uma cobra verde, continuei subindo depois de uma leve parada na base da cachoeira, pois o Renato disse que o meu equipamento estava no topo da cachoeira e que se eu quisesse pegar teria que ir até lá. Aproveitei, descí a cachoeira de rapel e voltamos para a trilha, no meio do trekking cruzamos um pedaço onde havia um “enxame” de formigas migrando, e como eu estava de papete elas entraram dentro da minha papete e começaram a me picar. Por um instante eu achei que tivesse pisado num formigueiro mas logo me dei conta de que o formigueiro inteiro estava passando por cima de mim e saí pulando e correndo num desespero sem tamanho, para que as formigas desgrudassem do meu pé. Felizmente não foram muitas picadas e por isso meu pé não inchou muito. Mas foram o suficiente para me dar um susto considerável…
Mais uma vez voltamos ao Shopping para ver a chegada da galera que estava completando a prova e esperar a devolução das bikes. Fomos tomar banho num hotel próximo à chegada e pegamos o caminho de volta para SP. Levando na bagagem as amizades maravilhosas que fizemos nesse final de semana e toda a experiência que passamos, o aprendizado e a certeza de que só se compreende o que é uma corrida de aventura depois de participar de uma.
O sentimento de responsabilidade perante a equipe, a vontade de vencer, a solidariedade, o estresse físico e mental, o desafio do limite, tudo isso, combinado junto, faz com que a Corrida de Aventura seja um mix de sentimentos indescritíveis.
Ao meu ver, todos os competidores de corridas de aventura, completando ou não as provas, são verdadeiros heróis.
EMA 2003, lá vou eu!
Agradeço a todos que participaram deste final de semana maravilhoso, por tudo que aprendí e por tudo que me proporcionaram. Zolino e Staff Adventure Camp, pela excelente organização do evento e preocupação com os competidores. Equipe Biosfera (Paulo, Bruno e Cintia), por tudo que me ensinaram e passaram junto comigo. Dani e Equipe Borrachudos, pela companhia, paciência e amizade, antes, durante e depois do treinamento e na competição. Todos os outros participantes da Adventure Camp – Ilha Bela, pelos ótimos momentos deste final de semana e dos próximos que virão.
Este texto foi escrito por: Edson Ishida
Last modified: novembro 26, 2002