Foto: Pixabay

A montanha mudou…

Redação Webventure/ Montanhismo

Na coluna deste mês, Helena Artmann explica o porquê das mudanças de graduação na escalada do Costão do Pão de Açúcar.

Não. Nenhuma montanha mudou de endereço. Ainda. Mas o Costão do Pão de Açúcar, uma das vias mais tradicionais do Brasil, que permite o acesso a este cartão-postal do Rio de Janeiro por uma trilha e um pequeno trecho de cerca de 20 metros de escalada, então graduada em primeiro grau, mudou radicalmente.

Um bloco de pedra de três toneladas estava por um fio, segundo alguns geólogos montanhistas que estiveram no local para fazer um laudo da situação, agravada por anos de freqüência indiscriminada de curiosos, montanhistas e, nos últimos anos, guias de ecoturismo e seus clientes.

A GeoRio foi procurada e não pôde investir em uma obra, caríssima, em um local que não oferecia riscos a moradores. Afinal, ninguém mora no pé da face sul do Pão de Açúcar. No entanto, sugeriu que o local fosse fechado. Sem poder de polícia, a Femerj (Federação de Esportes de Montanha do Estado do Rio de Janeiro) tentou de tudo, inclusive um acordo com o bondinho de que este seria pago na descida, nunca cumprido por parte deles.

A alteração – As pessoas ouviram histórias e fofocas por mais de um ano mas, ao voltarem no Costão e perceberem que nada havia sido feito, desconsideravam a importância do fato. E continuavam abraçando o bloco quase solto para ultrapassar a parte mais delicada de toda a subida, colocando suas vidas nas mãos do acaso…

Por sorte, a pedra não caiu com algum incauto preso a ela, mas foi derrubada facilmente com um pé de cabra, em uma manhã de dezembro, com a área isolada. A subida, antes um primeiro grau que podia ser feito sem cordas, está sendo graduada em terceiro grau e exige o uso de equipamentos de escalada. Os grampos de proteção já foram remanejados e, com a técnica e o equipamento adequado, a via não oferece perigo algum. Já para quem decide fazer sem nada… E, aqui, chego onde queria chegar.

Arriscar-se ou não? – Independe se você é um montanhista ou não, se você tem formação e preparo para ir à montanha, você é obrigado a tomar decisões vida afora… Seja no trânsito, na vida profissional, pessoal, etc. A montanha, como ótima metáfora para a vida, não é diferente. E, diante de uma via que você já conhecia e pode até não se lembrar direito mas a vê ou modificada ou com alguma dificuldade extra, cabe única e exclusivamente a você decidir se vai continuar e se arriscar ou voltar dali.

Mas e se você veio de tão longe para subir aquela montanha? Eu já fui até a Rússia e deixei os últimos 300 metros da montanha para uma segunda vez, concluída um mês depois, com mais preparo e mais segurança. A montanha continuará lá e você terá outra chance para tentar. Pense nisso. Agora, se um acidente acontecer, como o que aconteceu recentemente no Costão, talvez você não tenha essa segunda chance. Vale a pena mesmo assim? É tudo uma questão de julgamento e, entenda-se bem, de assumir os riscos ao qual você está se colocando. De uma forma bastante crua e direta: o problema deveria ser só seu.

Um preço muito caro – Mas não é… Pense um pouco mais sobre isso e veja o quanto custa um julgamento torto de sua parte, caso um acidente venha a acontecer com você. Os resgates têm um custo alto para o Estado. E quem paga estes custos? Eu, você, todos nós. Não é melhor se preparar adequadamente para enfrentar a montanha – e a vida? E, para terminar, uma historinha que vivi e que ilustra bem o pensamento de muitos que, infelizmente, vão para a montanha.

Era dezembro, eu não escalava há dois meses e decidimos passear no Costão, sabendo que eu só iria até a metade dele. Sou da diretoria da Femerj e não tinha cabimento subir um trecho condenado pela federação da qual faço parte. No meio do caminho, vejo uma menina e um amigo subindo e decido explicar um pouco mais o que vem acontecendo com aquele lugar. Devo ter falado uns 15 minutos ou mais. Expliquei, expliquei e ela disse que sabia, mas achava que não era tão sério assim, afinal, ninguém nunca tinha feito nada…

Depois de todo o blá, blá, blá, ela se despediu e continuou subindo. E eu perguntei a ela se, mesmo sabendo de tudo, continuaria. Ela respondeu: “Eu venho aqui há cinco anos e adoro este lugar! Além do mais, meu amigo veio da Bahia e tem de subir aqui…” Pois eu vou lá há pelo menos doze anos e, justamente por amar aquele lugar, deixei de ir.

Este texto foi escrito por: Helena Artmann

Last modified: fevereiro 18, 2004

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