Atenah na formação atual com patrocínio da Clight e Salomon desde 2004 (foto: Tico Utiyama)
Meu nome é Silvia Guimarães, mais conhecida no meio do meu esporte como Shubi. Desde 2000, tornei-me atleta profissional, um dos meus sonhos desde criança, e ainda por cima num dos esportes mais completos que existem, a Corrida de Aventura.
Um esporte em equipe, que na maioria das vezes devem ser mistas, e em algumas vezes exigem um membro do sexo feminino. Aí já começam as diferenças encontradas entre os sexos. Como acreditam que as mulheres são mais fracas, exigem uma mulher por pensarem que ninguém seria louco de não colocar homem na equipe. Isso poderia até pesar contra o sexo feminino, mas no meu caso não é bem assim, eu adoro quando a exigência é essa, assim posso montar uma equipe totalmente feminina.
Competir em uma equipe totalmente feminina tem muitas vantagens, e algumas desvantagens também. Realmente, corrida de aventura é um esporte conceitualmente masculino, como a grande maioria dos esportes de aventura. Mas como eu disse antes, sendo um esporte dos mais completos, existe um equilíbrio, homens e mulheres competem juntos, na mesma categoria, de igual pra igual.
É um esporte de resistência, endurance e força mental e física. Neste último fator, a força física, é onde nós mulheres saímos perdendo; quando temos que carregar um barco, carregar uma mochila muito pesada, rebocar um companheiro de equipe (puxar por uma corda ou elástico) ou até remar muito, as mulheres são mais fracas, principalmente nos membros superiores.
Outro momento em que há muita desvantagem são as provas curtas, de até seis horas, um prova com muita explosão e velocidade, um outro momento em que as mulheres ficam pra trás.
Analisando as desvantagens, optamos sempre por provas mais longas, com no mínimo 24h de duração, onde a explosão e a força física não são mais os determinantes. Por quê?
Como eu disse antes, esse esporte exige estratégia, além de trabalho em equipe, habilidades, endurance e uma alta tolerância à dor, que nós sabemos que as mulheres dão um baile nos homens nesse quesito. Pelo fato da mulher não ter a mesma força, por nossa natureza acabamos usando mais o cérebro, pensando bem na estratégia, e sendo mais habilidosas nas partes técnicas das provas e perdendo pouco tempo nas transições (momento em que trocamos de modalidades e temos que arrumar uma nova mochila com comidas, equipamentos, etc.).
Por sermos mais sensíveis e delicadas, também levamos vantagem na hora de cuidar do próprio corpo, temos uma maior consciência corporal e percebemos melhor as nossas necessidades, desde tirar uma pedra do sapato até saber a hora em que precisamos parar e dormir para não afetar o rendimento.
Em provas tão longas, é essencial manter o corpo saudável até o fim, e os homens, por acharem que são fortes ou muitas vezes por orgulho, não reconhecem tais necessidades de se cuidar preventivamente.
O equilíbrio emocional está a favor da mulheres nas corridas de aventura. Na hora do erro, da frustração, das grandes dificuldades, dos imprevistos, somos mais equilibradas e objetivas. A determinação também é uma forte característica das mulheres, sendo visível o quanto é difícil ver mulheres desistindo das provas.
No ano passado participei de uma competição na Croácia, a corrida chamava-se Terra Incógnita, de 400 quilômetros em 4 dias. Eu competi com a minha equipe, e nessa ocasião, totalmente feminina, terminamos a prova em quatro lugar, entre 25 equipes e TODAS com três homens e uma mulher.
Essa foi uma competição que ficou nítido para mim as vantagens e desvantagens de correr com mulheres, o sexo frágil.
Quando a equipe apareceu pela primeira vez no briefing da prova (momento da entrega dos mapas e apresentação das equipes) , já deu pra perceber os olhos curiosos, comentários e muito interesse da mídia. Não foi a minha primeira vez competindo com uma equipe de mulheres, então já conhecia essa reação, e sabia também que muitos deveriam estar se perguntando se a nossa equipe terminaria a prova, atitude característica do machismo, não só dos homens, mas também de algumas mulheres.
Essa corrida teve muito remo, no mar e em rios, inclusive a largada, com 43 quilômetros remando no mar. Não foi fácil para nós, e terminamos essa primeira etapa em 13º lugar. Logo partimos para um trekking, noite adentro, e já recuperamos algumas posições, pulando para oitavo.
A prova continuou assim, variando entre trekking, remo e bike, nos trechos de água, sempre perdíamos algumas posições, principalmente por que houve vários momentos que tivemos de carregar os caiaques, por mais de um quilômetro, uma outra vez, tivemos que suspender estes caiaques até uma ponte, cruzar a ponte e colocá-los em cima de um elevador (de mineração).
Sofremos muito nesse momento, tivemos que trabalhar em equipe, as quatro carregando um caiaque, em sintonia, e depois carregávamos o outro, tiramos forças do além e mesmo assim fomos ultrapassadas por uma equipe de tchecos.
Com 65% da prova de canoagem, tivemos que escolher uma boa estratégia. No primeiro trecho de mountain bike, que também foi durante à noite, focamos em não parar, e passamos mais algumas equipes. Em todos os trechos de trekking optamos por correr sempre que possível, planos e descidas, assim ganhamos o tempo perdido nas etapas de água. Quando uma estava cansada, outra rebocava, ou carregava o peso da mochila, sempre sem parar.
Quando percebíamos que o ritmo da equipe ia cair, fazíamos uma rápida parada para uma soneca de 20 minutos, sempre debaixo do sol, recarregando as energias, pois a noite era muito fria, principalmente para nós brasileiras.
Essa foi uma estratégia essencial para o nosso bom resultado, as outras equipes achavam que nós estávamos mortas, mas as nossas dormidas davam uma boa recuperada e assim podíamos acelerar o ritmo de novo.
Uma atitude que me marcou muito foi o quanto nós cuidamos umas das outras. Em um momento em que passamos por uma cidadezinha, eu cuidava do pé machucado da Mati e a Cris fazia sanduíches para todas nós a Nora cuidava dos mapas. Vocês imaginam um homem cuidando das bolhas do pé de seu companheiro?
Um outro momento marcante foi quando chegamos no topo de uma montanha, o ponto mais alto da prova e a Cris carinhosamente nos presenteou com sanduíches de queijo que ela havia preparado e carregado para nós. A orientação foi outro ponto forte, sempre muita atenção nos mapas, todas a par do que estava por vir e nos momentos mais difíceis, eu dividia a navegação com a Nora.
Fizemos toda a prova focadas e unidas, com os mesmos objetivos e sem perder tempo com discórdias, e isso foi a chave do nosso sucesso, chegamos em quarto lugar, na frente de muito homem forte e equipes boas.
Defendo as vantagens de correr com mulheres, mas não posso deixar de mencionar o quanto é bom correr em uma equipe com bons atletas homens. Tive uma ótima experiência quando corri com uma equipe francesa, não carreguei mochila a prova inteira e eles me rebocavam em todos os trecho mais difíceis, eram atletas experientes e sabiam trabalhar em equipe. Essa eficiência toda gerou a vitória nessa prova.
Outras vezes competi com homens, na maioria das vezes saí decepcionada, porque eles têm dificuldade de reconhecer fraquezas, pedir ajuda e ajudar, olham para nós com se fossemos outro homem, e não somos. Vamos pro mato e fazemos força, mas continuamos mulheres, que gostam de respeito e atenção.
É claro que para obter bons resultados, a experiência conta muito. E as oportunidades são essenciais para se ter bastante experiência. Infelizmente este esporte ainda é muito segmentado, as provas exigem uma disponibilidade de tempo dos competidores muito grande (3 a 7 dias por prova) e os gastos com equipamentos, inscrições, transporte e alojamento são elevados.
São poucas as equipes que conseguem um bom patrocínio, conseqüentemente, participar de competições.
Não é nada fácil conseguir patrocínio, mas eu tive muita sorte…, ou sabedoria. Pelo fato de sermos uma equipe diferenciada, na maioria das vezes totalmente feminina e em algumas ocasiões com um homem, gera muita mídia espontânea. Ponto a favor para os patrocinadores.
Desde o começo da equipe em 2000, conseguimos bons patrocínios, o suficiente para estarmos competindo nas principais provas. Nunca ganhei dinheiro com corrida de aventura e teve um ano (2003) que não tivemos nenhum patrocínio e acabei gastando dinheiro, mas ganhei muita experiência, não só no esporte, mas na vida!
Vivi grandes experiências pelo mundo afora, competimos em locais inóspitos de países exóticos, nos rios do Vietnã, nas selvas de Fiji, nos mares da Croácia e nas montanhas do Quirguistão e da Nova Zelândia. Sempre com muito contato com as populações locais trocando mímicas, sentimentos e experiências inesquecíveis, quando essas pessoas simples têm o prazer de ajudar, oferecer o pouco que tem e cuidar, dessas atletas cansadas e felizes por estarem ali!
*Silvia Guimarães, a Shubi, é pedagoga e corredora de aventura desde 1998 e capitã da equipe Clight Salomon Atenah. Participou de diversas corridas internacionais, tais como Eco-Challenge, Raid Gauloises, X-Adventure Raid Series USA, Desafio dos Vulcões, e nacionais como Expedição Mata Atlântica, Ecomotion, Brasil Wild, Adventure Camp.
Este texto foi escrito por: Silvia Guimarães, especial para o Webventure
Last modified: junho 15, 2005