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Belezinha disputa seu centésimo campeonato

Redação Webventure/ Montanhismo

Belê no pódio do Brasileiro 2004  no qual foi campeão pela terceira vez (foto: Nivea Berezoski)
Belê no pódio do Brasileiro 2004 no qual foi campeão pela terceira vez (foto: Nivea Berezoski)

A final do campeonato brasileiro 2005 de escalada esportiva, que acontece no próximo dia 19/11, em São Paulo, tem um gostinho especial, por dois motivos, para o atleta André Berezoski, o Belê.

Nela, o competidor paranaense (que vive em São Paulo há nove anos) completará seu centésimo campeonato, além de disputar o quarto título brasileiro. Dois feitos que nenhum outro escalador conseguiu na história dos campeonatos nacionais, iniciados em meados da década de 90.

Com 13 anos de carreira e 99 campeonatos, Belê (ou Belezinha, seus dois apelidos) já foi 35 vezes primeiro colocado, 18 vezes segundo, 16 vezes terceiro e, nos outros 30, ficou entre os dez primeiros colocados nas etapas nacionais.

Já nas competições internacionais, ele foi segundo lugar no Panamericano de 1998, na Colômbia. No ano seguinte, ficou em terceiro no mesmo Panamericano, realizado no Equador. No Sul-americano de Boulder, em 2002 no Chile, ficou em segundo lugar.

Além disso, em julho deste ano, Belê conseguiu ter a melhor colocação brasileira na história da participação do país em etapas mundiais: o 30º lugar na Copa do Mundo, que aconteceu na Suíça. Além do 70º lugar (de 117 competidores) no Campeonato Mundial, na Alemanha, e o 47º em Chamonix, França.

De todos os campeonatos, o atleta lembra com carinho da primeira vez que foi campeão brasileiro, em 2000: “fazia cinco anos que eu ficava sempre em segundo nas finais nacionais. Neste ano, havia uns 15 atletas com chances de pegar o primeiro lugar. Conquistei esse título em uma das paredes mais alucinantes já montadas para competição”, recorda Belê. Os outros dois títulos brasileiros vieram em 2002 e 2004.

Belê começou escalar aos 14 anos, ainda quando morava em Curitiba (PR). Nesta época participou dos seus primeiros campeonatos regionais, já conseguindo bons resultados, como um segundo lugar na categoria Intermediário, no brasileiro em Petrópolis (RJ). Aliás, foi neste campeonato que surgiram seus apelidos, quando o locutor, sem conseguir pronunciar o sobrenome ucraniano Berezoski, chamou-o de Belezinha, que depois virou Belê.

Em 1996 se mudou para São Paulo, onde trabalhou por três anos no ginásio 90 Graus, precursor das academias indoor no Brasil. Neste período, iniciou o trabalho de acompanhamento individual de escaladores, se profissionalizando mais tarde como personal trainer (ele tem registro no CREF (Conselho Regional de Educação Física).

Em 1999, Belê se transferiu para o ginásio Casa de Pedra, onde trabalha até hoje. A Casa de Pedra foi uma das principais responsáveis pela popularização da escalada esportiva em São Paulo. São duas unidades que reúnem praticantes regulares e iniciantes.

Belê é um dos poucos atletas que consegue se manter financeiramente da escalada esportiva. Mas esse sustento não vem da atividade como atleta, e sim de algumas ações que ele desenvolve paralelamente aos treinos diários.

Na Casa de Pedra, Belê é route-setter (a pessoa que monta as vias na parede) e personal trainer de escalada. Fora isso, ainda é dono da Belê Pad, empresa que produz crash pad (colchão especial para segurança durante a escalada de boulder) e da Belê Ressolas, onde, nos fundos da academia, ele mantém há oito anos uma oficina de troca e manutenção de solados das sapatilhas de escaladas. Belê é considerado um dos melhores ressoladores brasileiros.

Essas atividades não interferem na sua rotina de treinamento. A partir de 2001, Belê teve acompanhamento técnico da assessoria esportiva de Rômulo Bertuzzi, a Desempenho Esportivo. “Foi primordial inserir essa disciplina de treinos planificados. Desde então, sempre estou no pódio, no final das competições, e em evolução nos campeonatos sul-americanos e mundiais”.

Mesmo com dificuldades financeiras, Belê foi e fez bonito. Conseguiu a melhor colocação na história da participação brasileira em mundiais: 30º lugar na Copa do Mundo na Suíça (faltaram apenas quatro posições para ele passar à semifinal) e o 70º no Campeonato Mundial na Alemanha.

Abaixo, Belê conta detalhes do Campeonato Mundial, na Alemanha, que só acontece de dois em dois anos. O evento, que chega a reunir um público de 8 mil pessoas (contra a média de 150 pessoas dos campeonatos brasileiros), tem a participação dos melhores atletas do mundo. Leia depoimento na próxima página.

Depoimento de Belezinha*:

A infra-estrutura e organização desses campeonatos justificam os valores das taxas cobradas pelas instituições competentes. Além do site oferecer todas as informações possíveis que você precisa antes da prova, a prova em si é impressionante.

As agarras são sempre novas e inéditas – para que haja igualdade entre os todos atletas há gruas para que os route-setters montem as vias com comodidade e agilidade (a equipe de montadores é formada e credenciada pela UIAA e está presente em todas as etapas do circuito anual). Sempre acontece um briefing, seguido de um coquetel, com entrega de material, como crachá e camiseta.

Na área do isolamento, existem boas paredes para o aquecimento e alimentação adequada. Além disso, a equipe de seguradores é bem treinada, proporcionando excelentes “vôos” e “aterrisagens”.

A pontuação do atleta aparece num visor, depois de cada movimento realizado. Eles conseguem isso porque, após vias montadas e croqui em mãos, o técnico, com um aparelho de topografia, marca cada agarra da seqüência e insere a pontuação dela num programa de computador. Na hora que o atleta está escalando, uma câmera o acompanha e a pontuação e colocação geral são contabilizadas instantaneamente.

Telões imensos são instalados para o público, que chegou a 8 mil pessoas. Sempre antes da final, há shows de dança, tecidos acrobáticos, teatro e até pára-quedistas. No final, há queima de fogos e muita festa.

Apesar de usarmos uniforme brasileiro, não éramos uma seleção. Isso por que só é considerada uma seleção nacional a que tem atletas no ranking, um delegado da federação nacional do país, técnicos, fisioterapeuta, psicólogo e fotógrafo.

Existem hoje, pelo menos, oito seleções com essa estrutura. Os atletas são custeados pelas federações que, por sua vez, têm verba do governo de seus países. Elas são equipadas com macas para massagem, eletro-estimuladores, notebooks e outros itens de suporte.

Alguns países mantêm centros de treinamentos, onde os atletas treinam juntos (o que estimula ainda mais a competitividade e a evolução técnica). Há ainda excelentes escaladores que treinam por conta no intuito de serem incluídos na seleção um dia.

*Depoimento de Belezinha especialmente relatado à jornalista Marilin Novak.
Continua na próxima página.

Depoimento de Belezinha*:

Como imaginávamos, encontramos as temidas vias classificatórias, que sobem de grau a cada ano por causa do alto nível dos atletas de ponta e do surgimento de novos talentos, que têm dado muita dor de cabeça aos route-setters.

São vias que exigem uma tensão corporal total a todo instante. Vale lembrar que a leitura delas é muito difícil, principalmente por que as paredes são muito altas (a leitura é feita com binóculo). Há diversos movimentos aéreos, conjugado com movimentos delicados, agarras distantes e poucos apoios de pé.

Todas as vias das semifinais estavam mais difíceis que as das finais. Tanto que o desempate nas finais acontecia nas vias da semi ou até mesmo da classificatória. Vias que proporcionaram um show de escalada para o público.

Mitos – Para aqueles que são aficionados por escalada (como eu!) e passam horas na internet e revistas, vendo e lendo sobre os grandes nomes do cenário mundial, foi é a oportunidade de conhecer todos eles.

Todos os mitos estavam lá: são pessoas normais, mas que, quando vestem uma cadeirinha e entram na parede, fazem coisas absurdas. Quando não, ficam no isolamento, junto com todos, conversando, aquecendo. Nada de diferente de um campeonato aqui, a não ser na hora de escalar.

Eu ficava me perguntando “como conseguem estar preparados para fazer uma via de 8b+/8c à vista, passar por movimentos muito duros e mudar quase nada a expressão facial?”.

Conversando com alguns deles se entende o porquê. Os 15 primeiros colocados no ranking mundial são de fato atletas profissionais. Eles vivem para treinar, viajar e escalar. Alguns têm renda mensal de seis mil euros por mês.

Seguem treinos rigorosos, têm acompanhamento psicológico, nutricional, físico e técnico. São atletas centrados no que fazem. Em princípio, parece que muitos são antipáticos. Mas logo se entende que eles estão ali para ganhar e isso requer concentração. Além disso, há muita cobrança, por parte de patrocinadores, técnicos e do próprio público. Enfim, atletas realmente profissionais, em todos os sentidos.

*Depoimento de Belezinha especialmente relatado à jornalista Marilin Novak.

Enfrentar o crux da via (o lance mais difícil de todo o percurso) talvez não seja a tarefa mais árdua na carreira de um escalador brasileiro. “Muito mais difícil do que encarar um 10a na fase eliminatória de um mundial é conseguir participar de tais campeonatos”, desabafa Belê.

Foi a terceira vez que Belezinha participou de um mundial na Europa, em julho deste ano. Mas a prova começou muito antes do campeonato em si. “Ainda no Brasil, decidimos quais etapas participar e, depois, corremos atrás de apoio. E quando eu digo correr, significa correr muito, pois precisamos de autorizações, taxas e licenças que devem ser pagas ao UIAA (Federação Internacional de Montanhismo e Escalada) e ao ICC (Conselho Internacional para a Competição de Escalada)”.

Como as federações brasileiras ainda não têm recursos para cobrir as despesas dos atletas perante os órgãos internacionais que ainda se completa com passagem de avião, alimentação e estadia Belê teve que conciliar, antes da viagem, treino, trabalho e corrida atrás de patrocínio.

Uma parte das despesas veio de alguns apoios (Open Films Produtora de Vídeo, By Roupas Esportivas, Rômulo Bertuzzi Desempenho Esportivo e Casa de Pedra) e outra saiu do seu bolso e de auxílio de amigos. “Acabei viajando com as milhas cedidas, de última hora, pelo pai de um aluno meu, o Ruy Campos, pai do Pedro. Mais uma semana sem elas, e eu não iria”.

Este texto foi escrito por: Marilin Novak, especial para o Webventure

Last modified: novembro 9, 2005

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