Caminhão de André Azevedo Maykel Justo e Mira (foto: Maindru/ Divulgação)
Depois de ficar 11 horas no caminhão, a cabeça parece não agüentar mais estar ali. Sentia dores nas costas, no pescoço e nas pernas. Tudo se torna incômodo. Só que juntamos uma força sei lá de onde. Todos os dias passavam vários filmes na minha cabeça, sobre tudo o que já tinha acontecido no Dakar e eu ainda estava ali. Acabava por conseguir forças e terminar o dia. Foi assim que o navegador brasileiro Maykel Justo passou os 15 dias de competição do rali Dakar.
Estreante nesta edição, Justo é de São José dos Campos e tem 26 anos. Ele foi convidado no início do ano passado pelo piloto André Azevedo para fazer parte da equipe brasileira nos caminhões. Formado pelo raid do interior de São Paulo, Maykel passou a temporada 2005 se preparando para o maior salto de sua carreira, do raid para o Dakar.
O paranaense Eduardo Bampi, de 28 anos, foi outro brasileiro que estreou no Dakar deste ano, ao lado do piloto Klever Kolberg, e passou por uma situação parecida. Bampi compete desde os 11 anos de idade em provas de regularidade, não tem nenhum título e fez apenas três provas do Brasileiro de Cross-country antes do Dakar.
Mesmo assim, não se sentiu em desvantagem com os concorrentes ao encarar o desafio mais difícil de sua vida. A navegação foi um dos pontos chaves desse Dakar. Todos os navegadores estavam um pouco assustados por causa de mudanças no sistema de navegação. Só que para nós qualquer sistema já seria uma novidade. Acabamos nos adaptando bem. Nesse aspecto acho que foi uma vantagem, porque a novidade foi para todos, inclusive para os mais experientes. Isso acabou igualando um pouco o nível técnico dos navegadores, contou.
Nem tudo igual – Duas histórias parecidas, com finais diferentes. Maykel teve a glória de subir a rampa em Dakar e lavar a alma das preocupações do percurso, Bampi ficou em Nouakchott, na nona etapa da prova, por problemas mecânicos na Pajero da dupla.
Mas ambos tiveram apoio de seus respectivos pilotos. O André [Azevedo] dava muita força para mim. Estava preparado para a navegação, mas isso não é só o que importa. O nosso psicológico mexe muito. Tem dia em que se está mal, dias melhores, e o André conversava sempre comigo. Tem muitos fatores que podem mudar o rumo da etapa, contou Justo.
O Klever [Kolberg] me ajudou muito com toda a experiência dele. Tentou me passar o máximo dessa experiência para me deixar tranqüilo. Dizia que era uma prova normal como qualquer rali que a gente faz. Ele me ajudou em todas as partes, disse Bampi.
Maykel Justo veio da categoria que é considerada a base do off-road e segundo ele isso foi fundamental para o bom desempenho na sua estréia ao lado do piloto André Azevedo e do mecânico Mira Martinec, o navegador terminou o Dakar na quarta colocação geral.
Depois do deserto tiveram duas especiais de navegação complicada. Tinham várias entradas na seqüência, mal dava para ver. E foi justamente onde nos demos melhor, mesmo com o caminhão quebrado, fizemos o mesmo tempo do primeiro colocado. Até o russo que liderava a prova nos seguiu por mais de cem quilômetros depois de se perder. Ele tinha caminhão para nos ultrapassar, mas preferiu seguir para não se perder de novo. Eu que estava puxando o comboio, é mole!, brincou o navegador.
Bampi também afirma que utilizou a experiência de navegação no Brasil. Usamos bastante da parte de navegação em planilha, de toda a experiência do Mitsubishi Cup e das três provas que eu fiz com o Klever no ano passado. Sem contar que temos noção de orientação, às vezes se saímos um pouco da rota, tínhamos a noção do que estava acontecendo. Se perdíamos um waypoint ou outro, já sabíamos onde estávamos. Esse tipo de noção não tem escola, é só treinando, disse.
No deserto – Antes disso, a navegação foi no deserto, apenas com o auxílio da bússola e de poucas coordenadas. Sabíamos mais ou menos para onde tinha que ir. O ideal era fazer uma linha reta para o próximo ponto, só que nunca vai dar pra andar em linha reta porque temos que desviar das dunas, dos perigos. Era aí que começava nosso dilema, contou Justo. Calculávamos quantos quilômetros íamos para a direita, para depois andar o mesmo para a esquerda, era meio na raça, não tinha nada preciso, lembrou.
Além disso tinham os waypoints escondidos, que a organização conferia depois se tínhamos passado. Fomos uma das poucas equipes que não perdeu nenhum durante toda a prova. O Klever também, o Bampi fez um bom trabalho, pena que eles quebraram, disse Maykel.
Bampi também sente o fato de não terminar o primeiro Dakar da carreira. Ficou a decepção de quebrar. Infelizmente a equipe não sou só eu e o Klever, mas também a máquina, ela nos deixou na mão e fomos obrigados a deixar a prova, disse. Ele sente de não ter acompanhado mais a equipe de apoio, que pela primeira vez prestava serviços para os brasileiros.
Acho que a inexperiência da equipe comprometeu um pouco. Talvez não cobramos muito deles. O carro dormiu bem em Nouakchott e acordou com problemas. Não tem muitas justificativas. Entregamos um carro inteiro e pegamos um carro com problemas. Com certeza foi algum erro durante o apoio. No dia seguinte, pegamos o carro e fomos para a largada, que era perto. Não pudemos testar o carro antes de largar. Com certeza tem parte deles no erro, que mexeram no carro e não testaram. Isso é básico, reclamou o navegador.
Assim que soube que ia participar do Dakar, Justo começou a preparação técnica, física e psicológica para participar do maior rali do mundo. Fazia duas horas de academia todos os dias, e estudava planilhas de outras edições do Dakar, que o André trouxe para mim, contou.
A maratona já começou nessa época. Eu estudava as planilhas, ligava para ele quando tinha dúvidas, a gente sentava junto e ele me explicava. Passava como queria que eu falasse as informações para ele, contou.
Além da preparação técnica, psicológico contou muito, segundo Justo. Tinha dia em que não sabíamos como iríamos largar. O caminhão não estava bom, nós estávamos cansados. Mas são 15 dias de prova, não tem nada definido. Hoje se está mal, o cara que está na frente vai mal amaná. Não tem como definir o resultado, resumiu o navegador.
Tensão O clima dentro do caminhão era tranqüilo, a equipe é bem unida, não teve nenhuma discussão. O André sempre apoiava em tudo o que acontecia. Quem mais ficava nervoso lá era o tcheco, que cuidava da parte mecânica. Ele se preocupava com buracos, com uma depressão, pedras. Ele que orientava a gente dos perigos, lembrou.
Erros sempre têm. Não adianta falar que não erramos, porque todo mundo errou um pouco. Isso é normal. Mas nenhum erro nos tirou da prova, foram coisas pequenas, bobas. Uma pedra que vimos, poderíamos até ter desviado, e furou o pneu. Coisas desse tipo afirmou Justo.
Segundo ele, as duas mortes de crianças moradoras das vilas locais são difíceis de serem evitadas. O limite de 50km/h é seguro nas vilas. O problema é que quando acabava a zona de radar as crianças continuam andando fora dos vilarejos acompanhando em lugares perigosos, como curvas. É nessa hora que pode acontecer algum acidente, disse. Nas vilas todo mundo respeita o limite, mas não dá para nós andarmos a 50km/h depois que acaba a zona de radar. Queira ou não aquilo é uma competição e todos estão lá para ganhar, concluiu.
Klever Kolberg e Eduardo Bampi voltaram na última sexta-feira para o Brasil. Preferiram não ficar para a comemoração dos companheiros em Dakar. O navegador é engenheiro mecânico e trabalha com desenvolvimento de produtos de peças plásticas. Engenheiros têm facilidade com navegação, é assim com quem não se assusta com números, disse.
Bampi começou no off-road como Zequinha (acompanhante que fica no banco de trás) da equipe formada por sua família nas provas paranaenses de regularidade. Em 2003 foi vice-campeão do Mitsubishi Cup, prova monomarca de velocidade. No ano seguinte liderou o campeonato inteiro e na última etapa perdeu o título na última volta. Ficou atrás apenas do atual campeão do Rally dos Sertões, Edu Piano, e do campeão brasileiro Guilherme Spinelli.
Paralelo ao desafio do Dakar, Bampi enfrentou de frente a fama de Klever Kolberg de piloto exigente com os companheiros. Mas segundo ele, isso não foi um problema durante a prova. O Klever é muito quieto e eu sou mais expansivo. Senti essa diferença, mas na parte profissional ele não foi ríspido em nenhum momento. Dividíamos as tarefas, cada um fazia a sua. Acho que formamos uma boa equipe. Ficamos chateados na hora que tivemos que desistir, mas é aquele chateado de baixar a cabeça, não de ficar nervoso, afirmou o navegador.
Emoções No período de duas etapas, o jovem navegador passou pelo melhor e pelo pior momento do Dakar. Na especial que chegava em Nouakchott, tínhamos percorrido 200 quilômetros e atolado quatro vezes. Já estava exausto e ainda tinham 300 quilômetros pela frente. No final do dia vimos que tínhamos ganhado várias posições, porque as dificuldades são para todos. Ficamos muito animados, lembrou. Na manhã seguinte eles deixaram a prova.
Assim como o piloto de moto Jean Azevedo, Bampi reclamou da planilha do Dakar. Existem algumas referências que poderiam estar na planilha e a graduação do perigo poderia ser diferente em alguns pontos. Por exemplo: havia um lugar que cruzava o asfalto com graduação dois vai até três. Seis carros capotaram lá, incluindo o ex-campeão Hiroshi Masuoka. Sorte que quando chegamos já estava melhor sinalizado, com um pessoal avisando num barranco, contou.
Mesmo com os sustos, Bampi disse não ter sentido medo na estréia no maior rali do mundo. Não tive medo, pois sabia que é muito seguro. Mas a velocidade do Dakar é impressionante. Andávamos quilômetros, cerca de meia hora, com o carro na velocidade máxima, pé embaixo o tempo todo, finalizou.
Este texto foi escrito por: Daniel Costa
Last modified: janeiro 20, 2006