Atravessando o Wansee (foto: Fabio Zander)
Em sua coluna dedicada ao monumento histórico que é hoje o Muro de Berlim, Fabio Zander conta da pedalada no entorno do muro, de 170 quilômetros, que fez na companhia de sua namorada Daniela, também brasileira. Ambos estão há um ano morando em Berlim. Confira a aventura.
Aqui em Berlim, moro em um apartamento que fica a uns 400 metros de uma ponte chamada Bösebrücke, na rua Bornholmer, que se localiza na zona norte da cidade. Ela entrou para a história no dia nove de novembro de 1989 com a queda do Muro, pois pela ponte se liberava pela primeira vez, depois de 28 anos, o trânsito de carros e pessoas entre a Berlim Ocidental e a Oriental (DDR).
O Muro de Berlim foi um símbolo vivo da divisão da Alemanha em duas, a Republica Federal Alemã (RFA) e a Republica Democráfica Alemã (RDA/DDR). Este muro, além de dividir a cidade de Berlim ao meio, simbolizava a divisão do mundo em dois blocos: Ocidental, que era constituído pelos países capitalistas encabeçados pelos Estados Unidos; e Oriental, constituído pelos países socialistas simpatizantes do regime soviético. Triste resultado, famílias e amigos separados da noite para o dia.
Construído na madrugada de 13 de Agosto de 1961, tem alguns dos seguintes números:
O Muro de Berlim caiu no dia 9 de novembro de 1989, iniciando a reunificação das duas Alemanhas, que formaram finalmente a República Federativa Alemã, acabando também com a divisão do mundo em dois blocos. Todos apontam esse momento como o fim da Guerra Fria.
Podemos dizer que até hoje o processo de reunificação ainda acontece, mesmo após 16 anos. Até hoje existem muitas diferenças entre as duas Berlins, ligadas à parte financeira, à reconstrução da cidade e algumas dessas diferenças, infelizmente, geram preconceitos entre ocidentais e orientais.
Atualmente, manter trechos do Muro de Berlim gera polêmica entre os alemães, pois alguns não querem as lembranças dos tempos difíceis, já outros pedem a conservação destes poucos trechos para que nunca se esqueça dos erros do passado.
O Muro hoje tem poucos trechos conservados em seu entorno, a maioria está concentrado no centro de Berlim. Por exemplo, das trezentas e duas torres de observação e controle que existiam, apenas cinco sobreviveram e apenas uma é aberta ao público.
Na minha opinião é importante manter estes registros históricos nessa cidade que sofreu tanto com a II Guerra Mundial e com o Muro. Como já mencionei em outra coluna, Berlim é história pura e é hoje a terceira cidade européia mais visitada por turistas, depois de Londres e Paris.
Bom, mas não é apenas de história que essa coluna se trata. Decidimos pedalar os 170 quilômetros de todo o entorno do Muro de Berlim, saindo aqui de casa e é sobre essa volta que escrevo.
Para percorrer todo entorno do Muro pesquisamos alguns livros e guias e o melhor que encontramos foi na loja da ADFC, a espécie de associação da bicicleta aqui na Alemanha. O guia chamado Berliner Mauer-Radweg de Michael Cramer, contém, além do roteiro completo, a história do Muro e muitas informações adicionais.
A maior parte da pedalada é percorrendo o antigo caminho (asfaltado) por onde passavam as patrulhas russas. O primeiro trecho sai aqui de casa em direção ao centro da cidade. Dividimos a volta do Muro em três dias.
Iniciamos a pedalada na ponte Bösebrücke, na antiga passagem de fronteira Bornholmer, em direção ao Centro de Documentação do Muro de Berlim (Berliner Mauer Dokumentationszentrum), que tem um rico acervo e o melhor trecho do Muro conservado.
Existem poucos trechos mantidos do Muro pela cidade e o local por onde ele passou é marcado com uma faixa de paralelepípedos e em outros lugares, prédios e casas já invadiram o antigo traçado.
Cultura sobre duas rodas – No Potsdamer Platz, onde fica o moderno complexo chamado Sony Center, ainda foram mantidos poucos metros do Muro, em frente a estação de metrô. Parada obrigatória para os muitos turistas que visitam a capital alemã. Lá existem placas informativas com antigas fotos que descrevem um pouco da história do Muro.
Menos de um quilômetro se chega na passagem fronteiriça entre norte-americanos e russos, o famoso Checkpoint Charlie, que na Guerra Fria se tornou um ponto bastante tenso do Muro. Em outubro de 1961, por exemplo, uma exibição ignorante de forças, tanques russos e norte-americanos se posicionam frente a frente, mirando-se. Sem pior conseqüência, era o medo de uma guerra nuclear.
Aqui no Checkpoint Charlie também existe um museu com muitos registros sobre as fugas e as tentativas que resultaram em prisão ou mortes, além de outras informações.
Depois do Checkpoint Charlie o Muro dá início a um trecho de muitos ziguezagues pelas ruas da cidade. Ainda não descobrimos o critério que foi utilizado para definir o traçado do Muro que em alguns trechos, cortam cemitérios ao meio.
Chegamos agora na maior galeria de arte ao ar livre do mundo, o East Side Gallery. Artistas de todo o mundo foram convidados, a partir de setembro de 1990, a pintar suas obras no trecho de 1,3 quilômetros do Muro ao lado do rio Spree. Triste foi constatar a má conservação destas pinturas e as muitas pichações de turistas.
Seguimos pedalando por inúmeras quebradas que o traçado faz até chegar no trecho em que o Muro segue como limite do perímetro urbano de Berlim, na zona sul da cidade. Aqui o trajeto do Muro é bem definido por uma grande área descampada, a direita fica a cidade, a antiga parte Ocidental, e a esquerda, do lado oriental (russo), existem grandes campos e plantações.
Em fim, saímos do burburinho de Berlim e entramos no campo.
O traçado do Muro é identificado por placas e pelo caminho das patrulhas de vigia, por onde pedalamos a maior parte do tempo, não se vê nem restos do Muro.
Tudo foi arrancado, o que gera atualmente aquela polêmica discussão de lembrar ou não da divisão de Berlim.
O Muro sumiu! O guia que usamos é uma das fontes que nos mantém no traçado original.
Muitas pessoas que cruzamos pelo caminho, muitas delas alemãs, não sabem com convicção por onde seguia o traçado do Muro ou algumas delas nem mesmo sabiam que ele passava por ali.
O trecho é bonito de se pedalar, com muita natureza e travessia de alguns bosques até alcançarmos a represa chamada Wannsee, que é formada pelo rio Havel.
O Wannsee fica próximo a Potsdam e antes de terminarmos o segundo dia de pedalada, passamos pelo único resquício de Muro, aproximadamente 5 metros.
No terceiro e último dia atravessamos de balsa o Wannsee com destino a pequena cidade de Kladow. Neste trecho o Muro percorre o meio da represa formado pelo rio Havel e segue por terra a partir de Kladow para o norte de Berlim.
Pessoalmente acho o roteiro de hoje o mais bonito, aquele que tem mais contato com a natureza, atravessando bosques e regiões alagadiças. Fico imaginando as patrulhas feitas no meio destas florestas, atualmente algumas clareiras acusam o traçado do Muro.
Hoje, mais um pedaço de 5 metros de Muro e a quinta e última torre de observação e controle, bem conservada, uma sobrevivente das 302 que existiam.
Chegando na parte mais ao norte do Muro, percorremos uma região alagadiça, atravessando diversas pontes de madeira em direção a zona urbana de Berlim, voltando ao traçado ziguezague pelas ruas com destino final em casa, sem antes passar novamente pela ponte Bösebrücke.
Guia brasileiro no Muro – Aproveitamos para subir na ponte e dela avistar grande parte do centro de Berlim. Preciso confessar que já pedalei o entorno do Muro mais de uma vez, além de repetir alguns trechos pela cidade com as visitas que recebemos em casa.
Sempre me prontifico para ser o guia e assim refazer trechos do muro, pois em todas essas saídas acrescento mais histórias, curiosidades e informações interessantes a respeito.
A quem se interessar em trocar informações ou estiver pensando em um dia pedalar o entorno do Muro de Berlim, me dê um toque: aqui tem um guia à disposição.
Este texto foi escrito por: Fabio Zander
Last modified: setembro 5, 2006