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Rafael Campos, da Quasar Lontra, conta como foi o Mundial de Corrida de Aventura

Redação Webventure/ Corrida de aventura

Quasar Lontra no mundial (foto: Arquivo Quasar Lontra)
Quasar Lontra no mundial (foto: Arquivo Quasar Lontra)

Poucas horas de sono, frio, muitos obstáculos e lugares desconhecidos. Foi assim que Rafael Campos, capitão da equipe Mitsubishi Francis Hrydratta Quasar Lontra, resumiu o Adventure Racing World Championship, mundial de corrida de aventura que aconteceu no fim de agosto na Suécia e Noruega.

Marina Verdini, José Luiz Reginato e Guilherme Pahl (da Oskalunga)formaram a equipe brasileira que conseguiu o melhor resultado na prova, o 21° lugar. Eles percorreram 800 quilômetros na região do Círculo Polar Ártico em 175h50min.

Enfrentaram desafios como: orientação, mountain bike, canoagem e rafting, técnicas verticais (ascensão e rapel), trekking (em mata boreal, glaciares, montanhas e pântanos), patins in line e kickbike (patinete).

Sol – A prova, que terminou em 23 de agosto, teve a luz solar como principal companheira dos aventureiros. Eram 20 horas por dia de claridade e apenas 4 horas de escuridão. Os competidores passaram pelos famosos fiordes no Mar do Norte e as cavernas formadas na Era Glaciar.

Sem equipes de apoio, eles tiveram que planejar cada detalhe do percurso para não faltarem suprimentos durante os gelados dias de prova. Momentos como um acidente com Marina no patinete e a logística do sono foram cruciais para o resultado da equipe, segundo Rafael.

Algumas coisas não saíram como o planejado, mas o atleta comemorou ter concluído. “Essa era uma prova atípica para nós pela distância. Nunca tínhamos feito uma distância tão grande quanto essa”, afirmou Rafael. Confira a entrevista completa com o atleta da Quasar Lontra.

Webventure – Como foi a logística das caixas, já que vocês não tinham pontos de apoio?
Rafael Campos –
Foi a primeira vez que a gente teve isso. Logo após o briefing, estavam todas as equipes bem preocupadas e demoraram a entender como seria feita a distribuição das caixas pelas áreas de transição. A gente precisou ter muito cuidado na parte de equipamentos e, principalmente, na parte de alimentação. Às vezes, chegávamos numa transição, pegávamos o alimento, mas não podíamos pegar tudo porque deveria ser utilizado novamente em uma, duas transições para frente.

Para nós, deu quase tudo certo, só dois probleminhas aconteceram, mas acredito ser normal e ter acontecido com outras equipes também. Um deles foi que em uma das caixas acabou toda a comida e tínhamos mais uma transição pela frente. No meio do caminho, encontramos um supermercado, paramos e compramos comida para essa pernada. Em outro momento, o mapa não estava dentro da caixa, eu o havia deixado em outra caixa. Fizemos uma etapa de bicicleta sem o mapa. A sorte é que a navegação era relativamente simples nesse trecho. Encontramos uma equipe e não desgrudamos mais dela no período em que a navegação era mais complicada.

Webventure – Como foi correr com a luz praticamente o dia inteiro? Chegou a atrapalhar?
Rafael –
Achava que iria atrapalhar mas, para mim, ajudou bastante. A gente tinha quatro horas de escuridão. Das 11 da noite às 3 da manhã era escuro, o restante ficava claro. E isso facilitava muito. Navegar ou fazer qualquer atividade durante o dia é muito mais fácil do que de noite. Éramos praticamente obrigados a dormir nesse período de escuridão que restava. Isso ajudou bastante.

Vocês dormiram todos os dias? Quantas horas de sono vocês tiveram no total?
Rafael –
Na primeira noite, tivemos dois períodos de sono de 40 minutos. Dormimos primeiro 40 minutos, achamos que era pouco e dormimos mais 40. Na segunda até a sexta noite, dormimos, em média, duas horas por noite. Somente na última noite não dormimos. Nós não poderíamos pois estávamos lutando contra o corte da prova. E todas as nossas dormidas foram no período de escuridão.

A maioria das equipes fez isso?
Rafael –
A maioria fez. Uma ou outra que não dormiu na primeira noite, dormiu no segundo dia, na cabana, em cama confortável e durante o dia.

E a parte da patinação, o treinamento que fizeram no Brasil ajudou?
Rafael –
Até quatro dias antes do nosso embarque só era permitido o patins, o kickbike ou patinete não. Nós até perguntamos durante nossa preparação se não poderia ser kickbike, porque a gente se sentia muito mais seguro em fazer kickbike ao invés de patins. A resposta foi não, teria que ser patins. Aí começamos a treinar patins, principalmente o Zé Luiz e eu que não sabíamos patinar. Estávamos em condições de ir para patinar. Mas comparado com conceitos internacionais, ainda era bem fraco no patins. O último informativo deles, três dias antes, dizia que poderia ser usado o patinete. Na noite anterior ao nosso embarque decidimos pegar os patinetes. Não havia treinado nada, mas era mais fácil e tinha mais segurança andar no patinete do que no patins. Levamos três patinetes e um patins e acabamos revezando durante a prova. Mas o nosso nível de patins/patinete, comparado com equipes americanas e européias, que estão acostumadas ou a praticar essa modalidade ou a competir com isso, era bem baixo.

Foi um dos maiores fatores de desvantagem ou teve outras coisas também?
Rafael –
Foi um dos fatores da desvantagem na etapa prévia. No segundo tempo que teve de patinete tivemos azar pois a Marina dormiu em cima do patinete, em uma descida, um downhill. Ela caiu e se ralou inteira. Veio equipe médica e ficamos 1h40 parados. Essa parada acabou influenciando na etapa seguinte, a gente acabou pegando um pedaço de escuridão na montanha e não poderia, era muito perigoso andar na noite. Mas não foi a única modalidade que “pegou” em relação a outras equipes. Eu diria que no trekking em glaciares, as outras equipes andaram bem mais rápido do que nós.

Houve alguma surpresa para você?
Rafael –
Houve trechos que eram muito técnicos, muito difíceis e perigosos. No começou fiquei receoso, “vou ter que caminhar por aqui mesmo, sem marcação da organização, sem auxilio de ninguém?” E realmente era isso. Um trecho que tinha escavadas, escaladas, que não tinha nenhum contato com a organização. Era bastante técnico e perigoso, cada equipe estava ali por si própria.

Como foi perna de canoagem de 90 quilômetros? Como foi a logística da comida e a resistência?
Rafael –
Ali nós decidimos por quebrar esses 90 quilômetros fazendo uma parada para dormir no meio. A gente saiu para remar já estava quase escurecendo, eram dez da noite. Fomos até o primeiro PC, remamos 20 quilômetros e decidimos tentar dormir. Tentar, porque era frio e com água gelada. Qualquer lugar que fossemos parar que não fosse abrigado, a gente não iria conseguir dormir, iria ter hipotermia. Mas, por sorte, achamos uma casinha que não havia ninguém. Tocamos, tocamos, mas ninguém atendeu. Tinha uma sauna que estava aberta e conseguimos dormir dentro dela, estava morna, seca e abrigada do vento. Isso foi importante. Quando acordamos e retomamos, demos uma recuperada. Foi fundamental. A segunda metade da remada foi um trecho de mar aberto que pegamos um vento contra muito forte. Se a gente não tivesse quebrado a remada no meio com uma dormida, talvez não conseguíssemos concluir bem.

E esse resultado, o 21º lugar, era o que vocês esperavam?
Rafael –
Não. Na verdade eu queria melhorar a colocação que obtivemos no mundial do Canadá, a 13º colocação. Mas, ao mesmo tempo, essa era uma prova atípica para nós pela distância. Nunca tínhamos feito uma distância tão grande quanto essa e também não saberíamos como seria a equipe, nunca havíamos corrido com essa formação. O próprio Guilherme não é membro da nossa equipe mas o convidamos para participar. Então a gente iria tentar uma colocação melhor mas sem grandes expectativas, pela região, pelo frio, pelo tipo de solo e, depois que começou a prova, pela dificuldade que ela tinha e pelo nível das equipes. Decidimos que se a gente conseguisse terminar aquela prova já seria uma grande corrida. Imaginamos que muitas equipes acabariam sendo cortadas e desistindo. E isso que foi acontecendo. No segundo dia de prova, a equipe sueca, uma das favoritas, desistiu. No quinto dia, os neozelandeses também acabaram desistindo. Foi ai que reforçamos a idéia de que vamos tentar acabar, no nosso ritmo, sem correr grandes riscos. Concluir já vai ser uma grande conquista.

Vocês ficavam sabendo nos PCs das desistências?
Rafael –
Sim. Às vezes um dia depois, mas a gente ficava sabendo.

O que você reparou no nível internacional? As equipes lá de fora estão melhorando em corridas de aventura?
Rafael –
As equipes que participam do mundial, todas sem exceção, são muito fortes, muito experientes. É diferente do Primal Quest, por exemplo, onde existem também as equipes muito fortes e muito experientes, mas existem uma porção de equipes que vão só para treinar ou conhecer lugares, sem grandes expectativas. Das 80 equipes, tinham 20 que eram muito fortes. No mundial não. Vão bem menos equipes. Foram 33 que largaram, e todas muito fortes. A formação delas é de atletas que têm muita experiência, que já correm há bastante tempo em seus respectivos países e que são bastante técnicos, sabem fazer todas as modalidades muito bem. Uma prova desse formato como foi, nessas condições, se fosse realizada no Brasil, nesse tamanho, não acredito que não haveria mais que duas, três equipes que terminassem.

Você teve contato, com o pessoal da Cosa Nostra-Caverá?
Rafael –
Sim. Eles contaram que no segundo dia estavam ficando muito para trás. Tinham três cortes ao longo da prova. Eles tinham passado pelo primeiro, mas a organização da prova tinha falado que eles estavam muito para trás com relação às demais equipes. Então sugeriram que eles deixassem de fazer uma etapa do trekking para tentarem se manter no bolo. Eles fizeram isso, mas na etapa seguinte tiveram problemas com o caiaque, isso jogou eles novamente para trás, deixando-os desestimulados. Como iam ficar lá atrás no ranking, acabaram desistindo.

E com a Silvia Guimarães, a “Shubi”, você chegou a falar?
Rafael –
Falei. A Shubi estava esperando a gente na chegada. Na largada a gente brincou um com outro: “quem chegar primeiro tira a foto do outro no final”. Ela estava lá, de banho tomado, já tinha dormido uma noite, estava super bem. Ela disse que o ritmo da equipe dela mantinham nas modalidades não era tão forte, era igual ao nosso ou mais fraco. Mas ela disse que todos eram eficientes na navegação, todos navegavam. Eles perdiam pouco tempo nas transições e dormiam pouco. Foram começar a dormir em mais da metade da prova, foi quando caíram um pouquinho na colocação.

Chegaram a liderar e em boa parte da prova andaram em terceiro lugar, mas estavam dormindo muito pouco. Começaram a dormir um pouco mais para agüentar e foram perdendo colocação. Mas nas paradas para dormir, eles não perdiam tempo. Eles chegavam, dormiam, iam embora. Não ficavam enrolando. Foi uma coisa que eu senti que a gente fez muito, fomos pouco eficientes em nossas paradas. Dormíamos duas horas, mas ficávamos parados no local três horas e meia. Essa uma hora e meia era para se preparar para dormir ou preparar equipamento para sair.

Qual vai ser a próxima competição da Quasar Lontra?
Rafael –
A gente participa da última etapa do Circuito Brasil Wild, estamos empatados, então temos que vencer para ganhar o circuito, e o grande objetivo é o Ecomotion Pro, onde devemos nos encontrar com uma porção de equipes que estavam na Suécia, mas estando em casa o ambiente muda. Nós vamos com força total, com vontade de vencer. É um ambiente quente, de Mata Atlântica, que talvez seja mais favorável a nós.

Este texto foi escrito por: Redação Webventure

Last modified: setembro 6, 2006

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