Problemas com os pés podem resultar em desistência (foto: Arquivo/ Dr. Clemar Corrêa)
Rafael Campos é um dos principais atletas de corrida de aventura do Brasil. O capitão da equipe Quasar Lontra e vencedor da Between 2 Continents, corrida de aventura solo na Costa Rica em abril de 2006, passa a seguir algumas dicas de treinamento para o esporte
O corredor de aventura – Na minha opinião, o corredor de aventura precisa ser bastante versátil, rústico e bem determinado. Versátil porque tem que saber fazer tudo, ou se virar com tudo, como um pato. Não adianta ser uma águia que voa muito, mas não sabe nadar, o pato voa mais ou menos, nada mais ou menos e anda mais ou menos. O versátil tem que ser isso. Não adianta ser um ótimo corredor e não saber remar.
É normal surgirem dificuldades e novidades durante a prova. Ao invés de falar putz, caiu a ponte, o bom corredor de aventura pensa ótimo, vamos nadar.
O rústico é mais para uma prova longa, para a curta nem tanto. É para conseguir suportar os confrontos sem se acabar muito, tanto os físicos, de dores nas pernas, braços, músculo, arranhões, como da chuva, calor, frio. É preciso suportar isso sem se abalar muito.
Treino focado – O ideal é o pessoal procurar o ambiente mais próximo do que vai encontrar na prova. Compra um mapa e vai treinar com o mapa. Mesmo que já conheça o percurso, estude o mapa, tente ver o que está errado nele e tante treinar a navegação. É importante também procurar atividades mais técnicas, como uma descida em corredeira, por exemplo. Desce de uma a duas vezes, vai pedalar em local com single track, tente focar o treino, mesmo em grandes cidades. Não são todos os atletas que procuram isso. É difícil pegar um equipamento e fazer o percurso, antes é preciso ter um curso, um workshop para ser guiado.
Estratégia – Depende de uma série de fatores, o que torna a estratégia uma parte bem difícil. Algo que é preciso levar em conta é a velocidade da equipe. Por exemplo, em uma prova curta, procure chegar rápido no rapel, porque é uma modalidade que sempre afunila, embola. Corre-se o risco de ir até lá e ficar esperando se ele for muito no começo do percurso e não tiver muitas vias.
Descanso – O condicionamento físico dos membros da equipe é o que regula as paradas para descanso. Às vezes é melhor parar para descansar um pouco e continuar, já recuperado. Ainda mais quando se tem uma prova maior, com duas noites ou mais. Aí entram outros quesitos, não é preciso ser tão forte, ter muita explosão. Essas provas permitem que as equipes que não tenham atletas de ponta se dêem bem. Nesse tipo de prova também entra a questão do sono, onde e como a equipe irá dormir; alimentação também começa a contar, quando parar para comer. Às vezes a falta de alimentação faz muita diferença ao longo dos dias.
Navegação – Nem sempre o caminho mais curto é o melhor. O navegador precisa avaliar outras características do percurso, opções de rota, tipo do terreno e principalmente a topografia. Além de ver o caminho mais curto é legal verificar se é o que tem menos subida e se a navegação será complexa ou não. Às vezes um caminho é mais longo do que o outro, mas é um estradão grande, enquanto o mais curto tem trilhas com inúmeras complicações, onde a chance de errar uma delas é grande e, assim perde mais tempo. Para tomar a decisão, como eu me sinto seguro em navegar em trechos mais complexos, optaria por ir pelo que tem mais dificuldades.
Também depende da qualidade do mapa. Às vezes o mapa não está tão atualizado quanto a realidade. É preciso levar em consideração se o organizador tem histórico de fazer um mapa perfeito ou não.
Alimentação – Em provas curtas eu levo gel e banana, que eu gosto e é suficiente. Agora, em provas mais longas, não pode ser igual ao que os nutricionistas aprendem na faculdade. Tem nutricionista que não faz corrida de aventura e quando dizemos que comemos pizza, salame, coca cola, ele diz que está tudo errado e que não pode. Realmente o ideal é não poder, mas além da questão dos nutrientes, tem a questão psicológica também. E não dá para levar salada de frutas. A comida tem que ser fácil de comprar e de levar.
Coca-cola, refrigerante em si, dá uma acordada. Eu não tomo refrigerante nas refeições, mas sou o próprio exemplo de que dá uma sensação gostosa. Tem algumas coisas que afetam o psicológico. O ideal é comer muito, mas a dificuldade está em conseguir comer muito, o gasto calórico nosso é de seis a oito mil e quinhentas calorias por dia, conforme a intensidade dos exercícios. Tentar comer isso em Energy bar é difícil, e não deve. É preciso colocar o máximo para dentro de alimentos ricos em carboidratos. O que falta é um pouco de educação alimentar para os atletas, é importante a pessoa conversar bastante com o nutricionista para ele orientar no que comer, para quando for ao supermercado, saber o que é importante.
Eu tive a sorte de minha mãe ter feito pós-graduação em nutrição, quando era pequeno tinha uma certa educação alimentar. Fui fazer curso de fisiologia, sobre suprimentos. Quando vou fazer compras para prova gosto de ler o rótulo de cada produto e saber se é importante, se não é só isopor e não vai servir para nada.
Sono – Uma das coisas que o Instituto do Sono me ensinou foi dormir frações de 20 minutos. É uma coisa difícil, porque o tempo de latência de cada um é diferente. O tempo de latência é a diferença entre a hora em que você encostou a cabeça e o tempo em que começou a dormir. A minha, por exemplo é de dois a três minutos. Às vezes precisa de 22 minutos, meia hora, até pegar no sono.
Dormir na primeira noite da prova depende muito da modalidade e do que vamos ter pela frente. Já houve casos em que fomos a primeira equipe que dormiu na primeira noite. Era um local difícil de dormir, mas a gente aproveitou que a maré estava baixa, não dava para remar, só íamos perder tempo. E saímos do remo na décima colocação. A equipe ficou meio desanimada, mas estávamos a 50 minutos atrás do líder, e nós tivemos 40 minutos de sono. Então fomos buscar, em questão de umas quatro, cinco horas a gente assumiu a liderança e não largamos mais. Na terceira noite nós dormimos dez minutos apenas, mas porque a gente tinha esse crédito do começo.
Eu particularmente prefiro pegar uma perna longa de bike e no meio do trecho parar para dormir. Um tempo atrás eu preferia dormir na área de transição. Dá pra descansar mais, não corre o risco de perder a hora, e quando acorda se alimenta bem na seqüência, isso é bom. Hoje em dia eu durmo no meio (do nada). Prefiro pegar um trecho de bike de 100 km, rodar 40 km, descansar a cabeça, descansar as pernas e aí seguir em frente. Particularmente acho melhor.
Primeiros socorros – Acho que o mais importante é ter conhecimento sobre suporte básico de vida: saber fazer massagem cardíaca, respiração, conhecimento de hidratação, hipotermia, hipertermia, pequenos ferimentos, cortes, escoriações, choques e aplicação de remédios.
Pés – Os pés são sempre importantes em uma Corrida de Aventura, porque é algo que se machucar, é fim de prova. Acontece mais em trekkings e provas longas. Hoje em dia temos acesso à tecnologia e muito mais informação sobre os pés em Corrida de Aventura. Peguei umas dicas ainda quanto estava no quartel: tentar manter seco, limpo e passar pomadas. Tem muita gente que protege com vaselina.
Antes de largar eu passo pomada. E na área de transição procuro secar o pé. É preciso também tomar cuidado com meia e tênis. Meia é importante. Tem gente que usa duas, eu prefiro usar uma. Hoje tem muita tecnologia de meia de tecido. Uso meia média, que seja possível respirar. Grossa só em provas frias. Não pode ser furada, se tiver costura vai dar problema, não pode ter nenhum ponto de atrito na meia.
Andar ou correr? – Depende do seu modo de condicionamento, e de cada prova. Se for curta, infelizmente é tudo correndo, já se for uma expedição de quatro, cinco dias, a gente vai avaliar o peso da mochila, o calor, a distância da perna, para estabelecer um ritmo e terminar bem. O ideal é tentar manter uma velocidade constante, não adianta ter explosão e não conseguir terminar.
E a preparação é muito importante, tem que treinar nas condições de terreno da prova, se você colocar um triatleta para correr na terra ele não rende o mesmo que rende no asfalto, eu corro muito em grama, em terreno acidentado e também faço trabalho e amortecimento da região do tornozelo, dos músculos do equilíbrio. Se não fizer fortalecimento aparece o problema no dia a dia. Consigo pisar com firmeza mesmo no escuro, para evitar a torção, também treino correr de mochila, para sentir se incomoda, para arrumar postura.
Este texto foi escrito por: Rafael Campos, especial para o Webventure
Last modified: novembro 1, 2006