Karol Meyer escreve sobre o apneísta e amigo Loic Leferme

O francês Loic Leferme (foto: Apneamania.com)

Um dos maiores apneístas do mundo, 36 anos de idade e cinco recordes mundiais, foi especialista na modalidade No Limits, onde a descida é feita com máquina e subida com balão, similar à praticada no filme Imensidão Azul e na qual os atletas atingem as maiores profundidades no mergulho somente com o ar dos pulmões. O atleta Loïc Leferme, nasceu em 28 agosto de 1970, em Malo-les-Bains, dentro de uma familia de nadadores (seus pais eram professores e treinadores franceses de natação). No ano de 1991, cursou a Faculdade de Esportes de Nice, onde conheceu Claude Chapuis e Olivier Heleu, quando então começou sua aventura no mundo azul.

Quando cheguei na França, em 1999, Loïc acabara de realizar seu primeiro recorde mundial. A França foi minha escola, lá eu estava para dar meus primeiros passos no mundo sub. Loïc juntamente com Claude e Olivier foram meus professores. Graças à essa talentosa equipe, a melhor do mundo de todos os tempos, eu evolui na apnéia e consegui quatro recordes mundiais, além de inúmeros amigos e lembranças inesquecíveis. Guardo com muito carinho várias mensagens dentro de um livro do filme Imensidão Azul, dentre elas a de Loic que dizia: “Minha querida brasileira, pense em nós quando estiveres de volta ao seu lar e jamais se esqueça de mergulhar com prazer.” Loic Leferme

Eu estava em treinamento num Blue Hole nas Bahamas e também sendo juíza de um recorde mundial, quando recebi a chocante notícia. Ainda é difícil de acreditar. Muito mais porque em 2002 eu já havia perdido outra grande amiga, mergulhadora francesa, Audrey Mestre, vítima de outro acidente, na mesma disciplina e a coincidência maior, o acidente ocorreu à mesma profundidade de Audrey, -171m. A imagem que me veio à cabeça foi a mesma que me ocorreu quando do acidente de Audrey… ele lá no fundo, sabendo que não teria recursos para subir, os últimos segundos, a luta pela vida, no escuro, no frio, sob pressão, muito triste.

Uma nova tragédia nesta modalidade que vem gerando vítimas a cada ano. Rezei por ele dentro da água, olhando para o fundo do blue hole, conectados pela imensidão do azul, onde o encontrei pela primeira vez em Nice. Loïc Leferme era o sucessor de Jacques Mayol, possuia uma bradicardia advinda do treinamento, do reflexo de imersão e da extrema pressão hidrostática que suportava durante os mergulhos em No Limits, que faziam com que suas pulsações cardíacas caíssem de 70 para 20 por minuto. Era adepto do yoga, alongamentos e de um grande treinamento psicológico para aceitar a profundidade.

Vida de recordes – Na vida fora da água, era dono de um extremo humor, levando alegria por onde passava. Nos eventos ele sempre levava sua gaita, mostrando todo o seu talento como músico. Além da habilidade no mergulho, na música, ele também era um exímio alpinista. Casado (Valerie Leferme) e pai de duas lindas crianças, Inês e Noe, que o acompanhavam em suas aventuras sempre que possível.

“Como a escalada, o mergulho livre é vertical, descemos e subimos, subimos e descemos. Estar perto da natureza e alcançar seu limite natural é um caminho para você se sentir bem..” (Loic Leferme) Entre os treinamentos no mergulho livre e escaladas nas montanhas do sul da França, Loic também desenvolvia cursos em Nice, foi capitão da equipe francesa campeã mundial e ensinava mergulhadores de todo o mundo.Os treinos estavam sendo realizados duas vezes por semana, de forma correta e respeitando o organismo, a evolução era garantida.

Loic já estava atingindo a mesma profundidade de seu recorde anterior, 171m, e estava muito próximo de bater novamente o recorde mundial pela Aida Internacional, na marca dos 183m detido pelo austríaco Herbert Nitsch.O campeão faleceu no dia 11 de abril, no final da manhã, no Porto de Nice em Villefranche-sur-Mer após um acidente de mergulho durante treinamento para novo recorde mundial previsto para o verão, quando, no retorno, os problemas surgiram.”O sistema de contra-peso bloqueou a subida aos -80m por algo, que não sabemos o que era”, segundo Cédric Palerm, Instrutor de Apneia do CIPA(Centre Internacional de Mergulho em Apnéia) que se encontrava no barco no momento do acidente.

Por algum motivo, ainda não detalhado, que está sendo objeto de investigação pela polícia francesa, todo o equipamento travou no fundo do mar. Ao chegar aos 171m e começar a subida para a superfície, o sistema sofreu um bloqueio na corda, no meio do caminho, à aproximadamente -80m, talvez a corrente tenha provocado isto. Acionado o segundo sistema de resgate, Loic foi resgatado aos -20m já com parada cardíaca. Rapidamente iniciou-se massagem cardíaca. Foi levado ao porto e socorrido pelos bombeiros e médicos que tentaram por mais de 30minutos reanimá-lo sem sucesso. Loic sempre primou pelo trabalho em equipe, pelo treinamento e evolução gradativa, pela segurança. Este foi o primeiro acidente ocorrido, porém de forma fatal, levou nosso eterno campeão. O mar nos deu um grande campeão e agora o tomou de volta…

Ele retornou para o mundo azul e de silêncio que tanto amava.

Recordes