O brasileiro começando a sua jornada (foto: Arthur Cardoso)
Só posso dizer que cada um deve acreditar em seus sonhos em primeiro lugar, pois somente assim se pode viver plenamente. Não importa qual seja o sonho, até mesmo dar a volta ao mundo de bicicleta é válido, o que importa é acreditar nele e realizá-lo Arthur Simões Cardoso, advogado, 24 anos, está realizando seu sonho de dar a volta ao mundo em uma bike pelo Projeto Pedal na Estrada.
Arthur idealizou o projeto, que é uma combinação entre sua paixão pelo ciclismo, a vontade de viajar e seu posicionamento crítico quanto a educação no Brasil. O advogado partiu no dia 3 de abril de 2006, de São Paulo, para percorrer 35 mil quilômetros por 28 países com o objetivo de contribuir para que os jovens se interessem mais pelos estudos.
Ele se prontificou a relatar aspectos sociais, culturais, ambientais e históricos de diversas regiões do mundo, a partir de textos, fotos e vídeos transmitidos tanto para alunos de instituições parceiras como para o público em geral. O aventureiro saiu daqui para olhar de perto locais estigmatizados, mas na verdade pouco conhecidos.
No entanto Arthur acredita que essa desmistificação não caiba a ele, mas sim a cada indivíduo. É difícil falar de estereótipos, já que cada pessoa tem um nível de informação distinto, assim eu me comprometo a mostrar a realidade do país e do local onde estou, ficando a critério de cada um quebrar os estigmas existentes em sua cabeça, disse Arthur em entrevista ao Webventure via e-mail.
No último mês de abril, o ciclista completou um ano de viagem e 15 mil quilômetros de estrada. Arthur tem relatado em seus Diários de Estrada, a partir das experiências pessoais, o cotidiano, a população, as relações pessoais, religiosas, políticas, entre tantas outras, nos países por onde já passou.
A quebra de estereótipos – Logo no Paraguai eu mostrei um país além de Ciudad del Este, que segue incógnito para muita gente. Entrei na região mais pobre da Argentina e mostrei um país bastante distante da carne suculenta dos pampas, das montanhas nevadas de Bariloche e das geleiras da Patagônia. Mostrei que o deserto chileno não se restringe ao Atacama, mas sim a todo o norte do país que não sabe o que é a cor verde. Mostrei uma Bolívia sofrida, de minas de prata e dinamites vendidas junto com chocolate na venda da esquina. Mostrei um Peru de contrastes, ao concentrar todas suas riquezas na capital Lima e esquecer do resto do país. Mostrei a lenta e pacata Nova Zelândia dos grandes índios maoris, dos temidos possums e dos amados kiwis. Na Austrália foi interessante mostrar as já conhecidas cidades da costa leste, como Sydney, Melbourne e Brisbane, em contraste com o vermelho do deserto, casa dos sofridos aborígines, que caminham para a extinção. A Indonésia não é Bali, não é apenas surfe e diversão, muito pelo contrário. Ser muçulmano não é sinônimo de ser terrorista.
Desde que partiu do Parque Ibirapuera, em São Paulo, um de seu relatos mais impressionantes durante toda a viagem foi o da Indonésia. Esse país, além de muito populoso, é muito atingido por desastres e catástrofes de todos os tipos, isso significa que há gente morrendo a toda hora, mas o mais difícil é que ninguém parece tomar nenhuma atitude. As pessoas choram, mas depois deixam tudo do jeito que estava, na mão de Alah, à espera de um milagre. E o milagre ainda não chegou, enfatizou.
Arthur contou que ao chegar ao país foi abordado por diversos locais, que segundo ele, vêem nos turistas a oportunidade de obter dinheiro fácil. Eu fui um verdadeiro pára-raio desses oportunistas, que se aproximam aproveitando-se do fato de falarem inglês (idioma que poucos falam na ilha de Java) e em pouco tempo querem te vender alguma inutilidade ou te convencer a fazer algum programa de índio, retratou.
Doente na Indonésia – Para Simões esta situação já estragaria sua estadia no país, mas o pior ainda estava por vir. O ciclista contraiu Disinteria Amebiana, que é uma inflamação no cólon do intestino, tendo como principal sintoma a diarréia acompanhada de dores, podendo haver febre e delírio. A principal forma de transmissão é a ingestão de alimentos ou água contaminada com fezes humanas com os cistos do protozoário chamado de Entamoeba.
Fiquei muito feliz quando eu soube que esta doença é transmitida quando alguém come algum alimento infectado por fezes humanas. Pelo visto haviam usado a mão esquerda para cozinhar em algum dos restaurantes onde eu havia comido, brincou em seu diário do dia 03/03, diretamente da capital Jakarta.
Cada novo fato evidenciava o descaso e despreparo do governo local. Quando, ao caminhar pelo centro da cidade, eu vi o corpo morto de um garoto, nos braços de sua mãe que chorava e pedia ajuda, sem encontrar eco nas milhares de pessoas que passavam pelo centro da capital, eu percebi que havia atingido o meu limite e era hora de deixar o país antes que fosse tarde.
Dentre seus principais desafios, Arthur também destacou uma madrugada no Deserto do Atacama, no Chile, quando o frio tornou-se seu pior inimigo. Numa noite a 4.700 metros de altitude, passando um frio congelante, viver passou a ser uma decisão. Eu decidi viver e consegui chegar até a cidade de San Pedro de Atacama com 40 graus de febre, indo direto para o hospital. Sobrevivi para contar esta história.
No Peru, o ciclista contraiu uma bactéria que causou um buraco em seu estômago e só foi ser curada na Nova Zelândia, local onde perdeu seu cartão de crédito e teve que passar três semanas sem dinheiro algum.
Quando estabeleceu contato com o Webventure, no dia 06/05, Arthur Simões Cardoso estava na cidade de Chumphon, no leste da Tailândia, aproximadamente 500 quilômetros de Bangkok, onde pretendia chegar nos próximos dias. Minha programação é, além de pedalar uma média de 100 quilômetros por dia, me instalar na capital do país e entrar com o complicado pedido de visto para Mianmar (Birmânia), a qual vive uma ditadura e se encontra fechada a mais de 50 anos, contou. Enquanto tiver que esperar pelo visto, o ciclista ainda irá visitar as cidades de Chiang Mai, Kanchanaburi, além de uma breve pedalada por Camboja e Laos.
Para o aventureiro, o tempo e a distância percorrida até o momento contribuiu para o condicionamento de seu corpo, e para que aprendesse que cada região exige uma estratégia diferenciada. Agora, por exemplo, estou pedalando sob um sol de 40ºC, o que faz com que eu reveja o estilo de pedalada que estou adotando, tome muito cuidado com a hidratação e perda de sais durante o caminho.
Anteriormente, Arthur também já teve que se adaptar a altitude e o frio das montanhas na América do sul, a pedalada contra ao vento na Nova Zelândia e Austrália, assim como a chuva da Indonésia. Cada país guarda uma surpresa e ao corpo compete apenas se adaptar o mais rápido possível, disse.
A volta para casa – Antes de partir para sua longa jornada, Arthur declarou que a previsão de volta para casa era o final de 2008. Mas muita coisa já aconteceu desde que eu saí do Brasil e até agora três países foram adicionados ao roteiro, sendo que num deles eu perdi quase um mês parado esperando um novo cartão de crédito.
Mesmo assim o ciclista acredita não estar muito fora de sua programação inicial e que ainda é possível cumprir o prazo. No entanto busco não me prender demais ao roteiro, pois a magia da viagem se encontra no inesperado.
Perguntado se a reação de seu público tem sido positiva, o ciclista afirmou que a resposta tem sido incrível. Segundo ele, alunos, professores e todas as pessoas que acompanham de perto sua viagem o apóiam muito. Elas fazem perguntas inteligentes e ajudam nas horas mais difíceis.
Para obter mais informações sobre o projeto Pedal na Estrada, o roteiro da viagem e os relatos de Arthur acesse o site www.pedalnaestrada.com.br.
Este texto foi escrito por: Roberta Spiandorim
Last modified: maio 10, 2007