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Escalada em free solo da face nordeste do vulcão Cotopaxi

Redação Webventure/ Montanhismo

Fábio Machado na face nordeste do Cotopaxi (foto: Marco León)
Fábio Machado na face nordeste do Cotopaxi (foto: Marco León)

Montanhista desde o final dos anos 80, Fábio Machado tem escalado algumas das principais montanhas andinas nos últimos anos. No texto abaixo ele relata uma escalada sem o uso de cordas no vulcão mais alto do mundo ainda em atividade.

Cortado pelos Andes, o Equador é um dos países com maior concentração de vulcões da América Latina e há algum tempo tem oferecido a aventureiros de todas as partes do planeta uma extraordinária variedade de montanhas, além da cultura a se explorar. Abaixo está o relato da escalada que realizei em free solo da face nordeste do vulcão Cotopaxi, na linha do glaciar, em 25/03/2007.

O dia perfeito… – Após cinco meses da segunda escalada do vulcão Cotopaxi – 5.897m – o mais alto do mundo ainda ativo, lá estávamos outra vez…

No entanto, outro propósito nos colocara ali. Fazer a escalada da face nordeste exatamente na linha do glaciar, buscando sempre as paredes mais empinadas, sempre havia sido um grande desejo desde minha primeira ascensão pela Rota Normal em 2004.

Famosa por seus pontos de exposição em gelo de má qualidade, grandes formações de cornijas, rimalhas e avalanches repentinas, essa linha muito pouco visitada que se estende dos 4.800m até aproximadamente 5.450m de altitude, juntando-se com uma rota alternativa usada na descida do cume, sempre foi muito respeitada mesmo pelos montanhistas locais.

Combinamos de nos encontrar na entrada da estrada de acesso ao Parque Cotopaxi às 5h e, ao chegar, por volta das 05h10min, lá estava o Chimbo Rojo, apelido dado ao Toyota vermelho ano 77, com um montanhista equatoriano à minha espera. Era Marco León, hoje um grande amigo. Montanhista que conheci em minha primeira escalada do Cotopaxi e que, desde então, sempre escalamos juntos quando estou no Equador.

Desde esse ponto, há poucos minutos estaríamos comprando os permissos de ingresso ao parque e rumaríamos por mais 40 minutos até o local onde deixaríamos o carro.

Quando saí de Latacunga, cidade localizada a 80 km de Quito, estava preocupado com o clima, pois havia começado a chover e, no percurso de aproximação, já na estrada de terra, as gotas começaram a engordar e aumentar em volume.

Àquela altura, se a chuva aumentasse e não parasse, nossa empreitada estaria comprometida, obrigando-nos a dar meia volta. Porém, insistentes e loucos para estar no pé da parede o mais rápido possível, seguimos rumo ao nosso objetivo mesmo sabendo do risco.

Vinte minutos depois, após atingirmos os 3.900m e ultrapassarmos uma camada de neblina, o melhor naquele momento aconteceu. O céu se abriu num azul magnífico nas grandes janelas formadas pelas nuvens e já podíamos ver boa parte da perfeita geometria em forma de cone do vulcão Cotopaxi.

Após deixarmos o carro no limite da aproximação, iniciamos nossa caminhada a pé, munidos de nossa parafernália ao refúgio, onde usaríamos como base.

Na subida encontramos dois grupos descendo e, mais tarde no refúgio, ficamos sabendo que eram os únicos a tentar a escalada frustrada de cume devido ao mau tempo na noite anterior.

No Cotopaxi existem duas rotas principais para ascensão, a Rota Normal, que fica na face norte do vulcão, e a Direta da face Oeste. Como há necessidade de montar acampamento em barracas pela rota Direta da face Oeste, além da longa aproximação, a mais utilizada e conveniente para os gringos que ali se aventuram é a norte, já que conta com o conforto do refúgio.

Chegamos no refúgio às 07h30min, rapidamente separamos o material necessário, tomamos algo quente para aquecer o esqueleto e rumamos em direção ao glaciar. Percebemos então que a temperatura começara a baixar, o que nos favorecia, já que estaríamos cortando o glaciar, nos transpondo em paredes e cruzando gretas.

Chegamos então na base do glaciar e, armados de piquetas e crampões, iniciamos a escalada já de cara em parede empinada e de gelo duro.

As afiadas pontas dos crampões mal cravavam no gelo de espessura fina, duro e cristalino, sendo necessário muita cautela na troca de movimentos, pois placas se soltavam com facilidade.

Estávamos num ambiente hostil, com suas assustadoras, porém magníficas gretas que escondiam em suas entranhas formações esplendidas em gelo mescladas a um atraente azul profundo.

Mas a escalada em gelo, principalmente em alta montanha, não é fácil. Os riscos são potenciais, já que dependendo da avaliação do estado do gelo ou rota a ser traçada, a situação pode fugir do seu controle. Aliados a isso, a grande exposição às avalanches e quedas de rochas nos fazia ficar tensos freqüentemente e, aí é que vem o autocontrole emocional dos riscos com os “jogos da mente”, como: Vamos cara, você pode!; Aquilo pode cair, saia rápido daí!; Será que essa placa vai me agüentar?; Mais alguns movimentos e estarei no platô.; O que estou fazendo aqui?

Acredito que muitos montanhistas já passaram por isso algumas vezes e um filmezinho sempre acaba passando na cabeça quando se ouve relatos ou na leitura de algo parecido. Essas e outras perguntas freqüentes são normais e fazem parte no amadurecimento nesse mundo.

Mas precisávamos de qualquer maneira arranjar forças, pois além dos riscos, sejam objetivos ou subjetivos, teríamos de driblar o desconforto do grande desgaste físico causado pela escassez de oxigênio. Devido à altitude, na prática de escaladas em alta montanha deve-se levar em conta que a aclimatação necessária é tão importante quanto a habilidade técnica.

E aí não tem jeito, embora estar bem fisicamente, o que considero básico, não signifique muito caso seu organismo não se adapte ao ambiente, fará obviamente muita diferença caso ele tenha uma boa resposta, dando-lhe agilidade nos momentos em que precisar e conseqüentemente minimizará riscos.

Mas os deuses estavam ao nosso lado e, entre as incertezas, desgastes, riscos, desconforto da altitude e avaliações constantes, sabíamos que após horas de pressão e adrena, em pouco tempo desde o ponto em que já estávamos, teríamos cumprido nosso propósito de chegar onde havíamos predeterminado e iniciar o mais breve e de forma segura nossa descida ao mundo real.

Sabíamos que mais uma página na história de nossas vidas seria virada, deixada para trás, contada aos familiares, amigos, esquecida ou, unicamente reservada em nosso “EU”, simplesmente, porque tivemos mais uma vez um dia perfeito. THANKS GOD!!!

Este texto foi escrito por: Fábio Machado

Last modified: setembro 18, 2007

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