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Trio realiza passeio ciclistico off-road a Santiago de Compostela

Redação Webventure/ Biking

Trio na Cruz de Ferro (foto: Arquivo Pessoal)
Trio na Cruz de Ferro (foto: Arquivo Pessoal)

Aventura, misticismo, esporte, cultura, história e muitas lições de vida. Foi por este universo que pedalamos de 9 a 24 de julho, pelo Caminho de Santiago, na Expedição “Nos pedais de Santiago 2009”, da França ao noroeste da Espanha. Durante 16 dias, eu e os atletas Jaime Vilaseca e Pedro Arraes peregrinamos na missão de viver na pele o que é fazer o Caminho de Santiago, documentar e fotografar esta aventura para tentar entender e revelar por que as rotas que levam a Santiago de Compostela continuam, até hoje, a atrair milhares de pessoas de todo o mundo até a cidade que abriga os restos mortais do apóstolo Tiago Maior um dos homens de confiança de Jesus Cristo.

O resultado desta jornada foi incrível para os três integrantes da equipe, não só nos quesitos profissionais e esportivos, mas também no âmbito pessoal. O contato diário com peregrinos e a exposição física a situações extremas nos deram grandes lições de vida. Valores como respeito, solidariedade e fraternidade foram alguns dos mais explorados, tornando a experiência da peregrinação muito mais especial.

Para quem busca aliar a prática do ciclismo mais especificamente do mountain bike – com turismo, fazer o Caminho de Santiago pode ser uma opção muito atrativa. Além dos desafios que as etapas diárias oferecem, a relação com peregrinos de toda parte do mundo, o esforço físico e o contato com a história local fazem você imergir num mundo muito interessante e de grande aprendizado. Mas o peregrino-ciclista deve estar preparado para os “perrengues” que surgem ao longo do trajeto, como pedalar longas distâncias por vários dias seguidos, enfrentar o calor, o frio, a sede, fome, a chuva, os ventos e também a falta de conforto dos albergues públicos.

Para quem quiser moleza como a maioria dos ciclistas do Caminho, diga-se de passagem -, basta ir pelas estradas (as “carreteras”), que não oferecem tantas dificuldades, tampouco vistas tão deslumbrantes. A outra opção foi a que nós escolhemos: seguir pelas trilhas, que são as mesmas pelas quais os peregrinos que vão a pé caminham.

Caminhos – Existem diversas rotas que levam a Santiago, tais como os caminhos Português, Aragonês, do Norte, entre outros, mas nós escolhemos o mais tradicional deles, conhecido como Caminho Francês. Partimos da pequena cidade francesa de Saint Jean Pied de Port no pé dos Pirineus – no dia 09 de julho e, após percorrermos 820 km em 16 dias de pedal, chegamos à cidade de Santiago de Compostela no dia 24 de julho, véspera do Dia de Santiago. Para esta data, o governo espanhol organizou uma linda festa em homenagem ao seu principal símbolo religioso que incluiu show de luzes e fogos, além de uma série de apresentações musicais gratuitas.

Durante a expedição, mantivemos três plataformas digitais atualizadas com notícias, relatos e fotos da nossa trajetória: um blog no site do jornal O Globo (www.oglobo.com.be/pedaisdesantiago) que ainda está no ar para consulta -, um hotsite no portal Wap nos celulares da TIM e uma página no Twitter (www.twitter.com/pedaissantiago).

Para mim, especificamente, a expedição demandou um grande esforço físico e dedicação, não só durante a viagem, mas durante os meses intensos que antecederam nossa partida, pois tive que entrar em forma para enfrentar o Caminho e sofrer o mínimo possível. Não é preciso ser atleta para fazer o Caminho de Santiago de bike, mas fazê-lo sem preparo físico e sem ter hábito de pedalar não é nada recomendável.

Acostumado com todo tipo de aventura, Jaime Vilaseca considerou a experiência no Caminho uma das melhores de sua vida. “Hoje sinto que o caminho realmente faz parte da minha vida. Em alguns momentos me paro pensando nas pessoas que conheci, nos momentos que vivenciei e sem dúvida fico emocionado. A vontade que tenho é começar tudo novamente”, disse.

Segundo ele, os principais desafios foram o acumulo do cansaço, o calor e peso da bike. As dicas que ele destaca é que o peregrino se esforce para levar somente o necessário, leve uma boa bike com um banco confortável, equipamentos especiais de ciclismo e treine bastante.

Parte física – Para o atleta e empresário Pedro Arraes, o Caminho também proporcionou uma ótima experiência. “Tiveram trechos bastante técnicos de bike, single tracks alucinantes e a parte física que foi bastante exigida em determinados pontos do caminho. Na parte psicológica e pessoal, por você passar horas todos os dias em cima de uma bicicleta, você tem muito tempo para refletir e pensar em coisas da sua vida. Isso é uma coisa que eu fazia muito pouco antes do caminho, refletir, e agora antes de tomar atitudes e decisões sempre perco um bom tempo refletindo. Isso ajuda muito no nosso dia-a-dia”, revelou Arraes, que recomenda que o ciclista que pensa em fazer o caminho faça um bom planejamento prévio.

“Planeje bem sua viagem, não só a parte de logística e paradas, mas também, pelo menos um dia de folga para resolver algum imprevisto. Faça uma checagem em todo seu equipamento, leve apenas o básico e não economize na bike”, sugere o atleta.

Rafael Duarte: Jornalista e fotógrafo, percorreu mais de 170 cidades de 18 países em diversas expedições e mochilões pelas Américas e Europa. É também compositor, músico profissional e praticante de diversas modalidades esportivas.

Jaime Vilaseca: Atleta, corredor de aventura, empresário e profissional de marketing com participação em algumas das mais importantes corridas de aventura do Brasil. É gerente de gestão e planejamento da Vilaseca Galeria e Assessoria de Arte e produz eventos culturais.

Pedro Arraes: Atleta e empresário especialista em navegação e orientação de corridas de aventura. Competidor profissional de mountain bike, também é guia turístico registrado pela Embratur. Atua no ramo de bicicletas e acessórios de ciclismo e aventura.

O dia-a-dia de quem está no Caminho de Santiago é intenso, em todos os sentidos, mas muito prazeroso ao mesmo tempo. Quem vai a pé, costuma deixar os albergues bem cedo, antes das 6h e percorrem de 25 km a 35 km por dia. Já quem vai de bike, sai um pouco mais tarde, entre 7h e 8h, e pedala o dobro disso, de acordo com o planejamento de cada um. No nosso caso, pedalamos 50 km/dia em média.

O planejamento das etapas foi feito ainda no Brasil, levando em consideração as altimetrias e a estrutura das cidades. Naturalmente, este planejamento teve que ser adaptado em virtude dos imprevistos normais da viagem.

Quando se chega a um albergue, a primeira coisa é reservar sua cama estendendo seu saco de dormir sobre ela. Uma vez feito isso, é hora de tomar banho. Em seguida, lavar as roupas usadas naquele dia, pois estas serão usadas em dois dias novamente e assim sucessivamente, revezando as duas mudas de uniforme de pedal que o peregrino deve levar. Depois já dá para sair para comer alguma coisa.

Geralmente, o ideal é o “menu do peregrino”, encontrado na maioria dos restaurantes e bares. Consiste em um combinado que inclui uma entrada, um prato principal, pães, água, vinho e até sobremesa. Tudo isso por um preço acessível, de sete a 11 euros.

Turistas – Depois do jantar, costumávamos dar uma volta na cidade em que estávamos para conhecer um pouco e visitar os pontos de interesse. Mas é preciso ter atenção ao relógio. Os albergues de peregrinos costumam fechar suas portas entre 21h e 22h e apagar as luzes entre 22h e 23h. Os mais rigorosos chegam a desligar os registros de luz e máquinas de bebidas e snacks para evitar que a circulação de pessoas atrapalhe o sono dos peregrinos.

Quem pretende percorrer os 820 km do “caminho francês” de mountain bike em 16 dias é preciso estar bem preparado fisicamente. Em primeiro lugar, o ciclista deve procurar um médico para um check up para que ele avalie sua aptidão para tal desafio. Nosso preparador físico, Vinicius Zimbrão, explica como se deve proceder desta fase.“O primeiro passo é saber em que patamar físico cada integrante se encontra no momento. O segundo é saber qual é o objetivo da equipe e, o terceiro, saber quanto tempo se tem para o período de preparação”.

Com uma boa alimentação rica em carboidratos, proteínas e vitaminas, os treinamentos devem visar o fortalecimento da musculatura, dos ligamentos, dos tendões e articulações, principalmente das pernas, membros que serão mais exigidos durante o roteiro. Nossos treinos consistiram em musculação, aulas de spinning e treinos outdoor com a bike usada na peregrinação (Caloi Elite 2.7).

Como equipar sua bike – O tipo da bicileta é moutain bike, por se tratar de uma bicicleta que resiste mais às irregularidades do terreno, aguenta maior carga e é mais confortável do que as bicicletas de speed (velocidade). Entre os componentes essenciais estão suspensão dianteira, um selim confortável, pneus biscoito e quadro de alumínio ou carbono.

Os acessórios indispensáveis são bagageiro traseiro, alforjes (malas laterais), câmaras sobressalentes, bomba de ar, uma bolsa de guidão, luz de sinalização traseira, suportes de garrafas, bolsa de selim e ciclocomputador. Uma dica importante é colocar um líquido autoselante nos pneus para evitar furos. Sem esquecer também bermuda de ciclismo, luvas reforçadas e com acolchoamento, óculos de sol, tênis de solado duro e camisas especiais que sequem rápido e deixem seu corpo respirar.

Caso já tenha uma bike antiga, instale uma suspensão, verifique o estado dos pneus, câmaras e freios, coloque blocagem (alavanca de fechamento rápido onde não é necessária a utilização de ferramentas) nas rodas e no selim e, antes da viagem, faça uma revisão em uma loja especializada para identificar peças com defeito ou desgastadas para que sejam trocadas e você não fique na mão.

Esta uma das grandes dificuldades da fase preparatória final antes do embarque. É preciso estar bem equipado sim, mas como cada grama que pesar na bicicleta influencia diretamente no seu esforço e desempenho, é preciso pensar bem e manter a idéia fixa de levar o mínimo possível. Abaixo, segue nossa lista original. No fim das contas a gente teria levado menos coisa. Mas isso também faz parte do aprendizado. Portanto, se você for fazer o caminho de bike, atenção a esta lista:

Vestuário: 3 pares de meia, 3 cuecas, 1 par de tênis, 1 par de sandálias, 2 bermudas (01 é o suficiente), 1 casaco, 2 calças-bermuda (1 é o suficiente. Se optar por levar esta, pode até deixar de levar uma simples), 2 sungas, 2 camisetas dry fit, 1 camiseta de algodão (não é necessário);

Equipamentos de Ciclismo: Bicicleta tipo mountain bike, grade traseira, descanso (opcional), garrafas plásticas de água (2 de 750 ml), suportes para garrafas de água, bomba de ar, câmaras de ar, alforjes laterais, bolsa frontal, ciclocomputador, chave de pedal, tranca (1 é o suficiente caso vá em grupo de até três), luz de sinalização, lanterna de cabeça, luva de ciclismo, capacete, anorak, 2 camisas ciclismo, 2 shorts de ciclismo, extensor;

Acessórios: Vieira, guia do peregrino, canivete suíço, pochete interna (que fica embaixo da roupa, para dinheiro e documentos), alfinetes (para pendurar roupas), caneca plástica, talheres de viagem, cadeado de senha para mala, toalha de esportes, sacos estanque (para colocar manter todos seus objetos secos), óculos escuros (se for de bicicleta, usar tipo de ciclismo), saco de dormir, isolante térmico (não usamos), sacos plásticos, travesseiro inflável (opcional), MP3 player + carregador, câmera fotográfica + carregador, pen drive, 2 extensores pra usar de varal, boné (quase não foi usado, já que no Caminho estávamos de capacete), cartões de memória, adaptador de tomada, caderno de notas, canetas;

Documentos: Seguro de viagem, passaportes, passagem, carteira de motorista, credencial do peregrino, cartões do banco, euros ( No caso dos documentos, além de tirar cópias de tudo para deixar dentro do alforje, fica a dica: digitalize tudo e envie para seu próprio e-mail, caso perca originais e cópias);
Artigos de Higiene: Sabonete, protetor solar (esportes), protetor solar labial, esparadrapo, remédios (antialérgico, analgésico, etc…), escova de dente, pasta de dente, cortador de unha, tampão de ouvido (fundamental para melhores noites de sono), lenços de papel, pacote de lenços umedecidos (não precisamos usar, mas seria para casos de necessidades fisiológicas emergenciais em áreas remotas), polvilho anticéptico, sabão de coco, desodorante, creme para assaduras, pomada para dores musculares.

Para quem faz o Caminho Francês, partindo de Saint Jean Pied de Port, o recomendável é que se chegue lá da própria Espanha, pegando um ônibus ou táxi da cidade de Pamplona somente para cruzar os Pirineus. Empresas como TAP e Iberia fazem o trajeto via Lisboa ou Madri.

Há quem prefira ir por Paris pela Air France e depois até de trem ou ônibus. Mas isso dependerá dos objetivos de cada um e dos preços das passagens aéreas no período da compra. Nós voamos de TAP até Pamplona, com conexão em Lisboa. Porém, como colocaram a gente em um vôo pequeno de outra empresa aérea no trecho de Lisboa a Pamplona, nossas bicicletas não couberam no bagageiro da aeronave e acabaram ficando para trás chegando na tarde do dia seguinte em um vôo da Iberia.

Nós informamos à companhia que estávamos levando as bicicletas daqui, mas, mesmo assim, tivemos este transtorno. Há quem prefira comprar bicicletas e equipamentos em Pamplona ou na própria cidade de Saint Jean Pied de Port.

Onde ficar – Com mais de mil anos de tradição, o Caminho de Santiago conta hoje com uma grande infra-estrutura hoteleira por suas diversas rotas. Geralmente, quem faz o Caminho prefere gastar pouco com hospedagem e interagir com outros peregrinos, por isso, costumam dar prioridade a “Albergues de Peregrinos” ou aos “municipais” e “paroquiais”.

Muitos destes são gratuitos ou cobram um preço simbólico que vai de dois a sete euros. Contam, geralmente, com uma caixinha para doações, onde cada um deixa a quantia que quiser. Alguns destes possuem uma estrutura muito boa, como o de Santo Domingo de La Calzada, que recebeu do governo um investimento de dois milhões de euros. Porém, há opções horríveis de estruturas velhas e razoavelmente sujas, tais como vimos em Portomarín.

O esquema é bem simples. Como a prioridade nos albergues é sempre para quem vai a pé (eles costumas fazer o check in de ciclistas somente após as 17h), o jeito é chegar na cidade e seguir as setas que direcionam aos albergues para ver se há vagas. Nestes lugares, a única opção são dormitórios que abrigam de 6 a 100 pessoas. Caso queira ter uma noite bem dormida e tomar um banho um pouco melhor, vale a pena optar, de vez em quando, por uma albergue privado ou um hotel de duas estrelas.

Para informações sobre o Caminho de Santiago e para obter a credencial do peregrino no Rio de Janeiro, o viajante deve procurar a Associação Brasileira dos Amigos do Caminho de Santiago Rio de Janeiro (AACS Rio de Janeiro). Eles fazem reuniões semanais na Casa de Espanha e fornecem um apoio muito importante aos peregrinos. Site: www.caminhodesantiago.org.br.

Os registros fotográficos serão expostos na Galeria Vilaseca Leblon, no Rio de Janeiro, sob curadoria de Jaime Vilaseca. A mostra abrirá nos próximos meses em data a ser confirmada. Informações em www.vilaseca.com.br.

Este texto foi escrito por: Rafael Duarte, especial para o Webventure

Last modified: setembro 9, 2009

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