Foto: Pixabay

Fotógrafo brasileiro conta detalhes do acidente no Rally Dakar

Redação Webventure/ Offroad

Carro do piloto alemão ficou destruído (foto: Daniel Costa/ www.webventure.com.br)
Carro do piloto alemão ficou destruído (foto: Daniel Costa/ www.webventure.com.br)

O fotógrafo do Webventure Tom Papp, que há mais de 10 anos se especializou na cobertura de provas de aventura e off-road, passou, no último sábado (2), por uma experiência que ele espera não repetir. Ele foi vítima do primeiro acidente do Rally Dakar 2010. No hospital em Buenos Aires, por telefone, Tom contou com exclusividade os detalhes e tudo o que aconteceu naquele dia. Acompanhe:

Direto de Buenos Aires – Estávamos no carro em quatro fotógrafos: André Chaco, David Santos Jr., Marcelo Maragni e eu. Entramos na madrugada de sexta para sábado no trecho da especial entre El Colón e Córdoba, na Argentina, e paramos para dormir perto da cidade de Alpha Corral. A ideia inicial era trabalharmos nos primeiros 50 quilômetros, onde a prova passava por três rios secos, sendo que havia um com cerca de três quilômetros de extensão. Esses pontos eram abertos para o público e ali já estavam milhares de pessoas. Na Argentina existe uma cultura de rali, principalmente em Córdoba. As pessoas vão para os trechos da prova no dia anterior e todo mundo acampa esperando a competição do dia seguinte.

Nesses primeiros 50 km, como choveu muito, o rio estava alto e, às 2h da manhã, a organização cancelou o trecho. Ficamos sabendo somente às 4h da manhã e, quando entrávamos na especial no km 50, decidimos seguir para a frente até Alpa Corral, parar e descansar até às 6h.

Alpa Corral era um local designado para o público, mas, como o início da especial foi cortada, obviamente todas as pessoas se deslocaram para os próximos pontos, que lotaram, e foram se espalhando. Aquela curva do acidente não era divulgada como sendo “zona de público”, por isso estão dizendo o público estava em uma curva proibida. Só que vimos que realmente não tinha espaço para as pessoas ficarem e chegava cada vez mais gente.

Belo trabalho – A polícia faz um trabalho impressionante na trilha. Nessa curva tinham três policias organizando as pessoas. Eles colocaram todo mundo atrás da cerca e todos obedeceram, é muito tranquilo o relacionamento. Mas quando acabaram as motos, continuou chegando gente e o pessoal sentou na pista.

Conversei com os policiais que ali estavam e expliquei quando viessem os carros seria diferente e que tinha que tirar as pessoas da área de escape. O lado interno da curva é mais seguro, mas era um local com árvores, que não comportava muita gente. Do outro lado tinha mais espaço, então as pessoas foram novamente colocadas atrás da cerca, mais afastadas da pista. O tempo todo havia três policiais para organizar as pessoas.

Começaram a passar os carros. Fiquei fazendo meu trabalho, e procuro sempre explorar diferentes ângulos. Subi em uma árvore, fiz fotos atrás de uma delas, atrás da cerca, dentro da curva, usei o reflexo em uma poça d’água, etc. Minha mochila de equipamentos estava com o Deco Muniz e um grupo de brasileiros, que estavam no início da área de escape, atrás da cerca.

Depois de cerca de 70 carros, os veículos começaram a passar mais próximos uns dos outros, o que levantou muita poeira. Decidi mudar de local e fui pegar minha mochila com o Deco.

Entre a cerca e a pista havia uma faixa de grama com cerca de dois metros de largura e 50 cm mais alta do que a pista. Conforme as pessoas chegavam, se aglomeravam nesse gramado, e eles eram constantemente retirados pelos policiais.

Cheguei ao início da área de escape, peguei minha mochila, me despedi do Deco e ia caminhar para frente. Mas como havia muitas pessoas ali, ia ter que descer em direção à para a pista para passar por eles. Quando fui descer, vi que se aproximavam dois carros, então voltei para uma área mais segura, beirando a cerca. Os dois carros passaram, e veio um terceiro, na poeira dos outros dois, direto para cima de mim.

Nas fotos que foram divulgadas na internet, dá para ver que dou dois passos para a esquerda e ele passa ao meu lado (assista ao vídeo). Só que o pneu dos carros de rali são mais largos que a carroceria e como subiu o barranco, veio com a roda alta e me atingiu na panturrilha e na coxa, o que gerou duas grande queimaduras nessas partes.

Devo ter me curvado e o para-brisa veio na minha testa. Os equipamentos voaram e eu fui arremessado por cima da cerca. Ralei as pernas e caí no campo. Falaram que quebrei o para-brisa com a testa, o que realmente pode ter acontecido, pois estou com um grande corte no supercílio. A câmera deve ter batido no meu peito no impacto com o carro.

Depois que passou por mim, o carro pegou um rapaz, um homem que estava com uma criança no colo e sua esposa. O rapaz e a mulher ficaram presos embaixo do veículo e o homem com a criança sofreu ferimentos leves.

Início do atendimento – O Deco ficou ao meu lado o tempo todo. Veio um médico civil, Dr. Fernandez, que fez o primeiro atendimento e depois até foi me visitar no hospital. O carro dos bombeiros estava próximo e chegou rápido. Os helicópteros vieram na sequência e chegaram oito minutos depois.

A médica dos bombeiros colocou soro no meu braço, imobilizou minha perna esquerda e colocou o colar cervical. Me colocaram em uma maca rígida, onde fui transportado para o helicóptero.

O Deco pegou meus documentos e entrou no helicóptero, pois iria comigo. Colocaram outro ferido ao meu lado e o Deco passou para outro helicóptero. Mas, depois de cerca de cinco minutos, avisaram que tinha outra pessoa em estado mais grave e que eu iria de ambulância. Me tiraram e me colocaram embaixo de uma árvore. Só que o helicóptero em que o Deco estava já havia levantado voo e foi para Córdoba, sem saber que eu estava indo de ambulância para outro local.

Fui colocado em uma ambulância e o Ramirez – um argentino que tinha conhecido de manhã, tomamos mate juntos e conversamos bastante – se ofereceu para me acompanhar e entrou na ambulância também.

Foram 60 quilômetros de terra até uma cidade chamada Chichena, onde um médico me examinou e decidiram me levar para Rio Cuarto, já que naquele hospital não havia aparelho de raio-X. O médico entrou na ambulância e foram mais 50 quilômetros, desta vez por aslfato.

Chegando lá, fui muito bem atendido no hospital público da cidade, com direito a tudo: radiografia, tomografia, limpeza, remédios, etc. Fiquei no hospital por dois dias até ser transferido para Buenos Aires, à espera do voo para o Brasil.

Atendimento de primeira – Fui muito bem assistido pelos médicos e pela organização da prova. Saindo de Rio Cuarto, fui em uma ambulância para Córdoba (220 km) e depois em avião executivo até Buenos Aires, onde estou na Clínica Suíço-Argentina, um hospital de alto padrão na capital. Agora aguardo um voo executivo para o Brasil, onde uma ambulância também estará me aguardando para me levar até um hospital em São Paulo.

Falando como fotógrafo, sei que o trabalho que fazemos implica em riscos, não especificamente o fato de estar na beira da estrada, mas o fato de acompanhar o rali, estar em um carro, grandes deslocamentos. É um risco que assumimos. Faz parte de nosso trabalho minimizar esses riscos ao máximo, desde a preparação do carro até os lugares onde podemos trabalhar.

Em locais onde há muito público e pouco espaço, é mais difícil trabalhar, e acabamos nos preocupando com as pessoas, não é nosso trabalho, mas não tem jeito. No momento que estava fazendo uma mudança de local, me dei mal, estava no lugar errado, na hora errada.

As pessoas do público que assistem ao rali se auto-monitoram o tempo todo, mas sempre chegava mais gente. É muita gente, milhares de pessoas na beira da estrada inteira. O trabalho da policia é gigante no Dakar da Argentina.

Pessoalmente estava muito motivado para esse rali, muito focado no trabalho. Infelizmente voltei mais cedo mas, como dizem os argentinos, Lo sacaste barato.

Este texto foi escrito por: Tom Papp, especial para o Webventure

Last modified: janeiro 5, 2010

[fbcomments]
Redação Webventure
Redação Webventure