Fantozzi pegou três caronas para tentar completar o Dakar (foto: David Santos Jr)
Ao todo, foram 9.046 quilômetros de percurso, divididos em 14 etapas passando por cidades da Argentina e do Chile. Como em 2009, a edição deste ano do Rally Dakar contou com surpresas, disputas acirradas, acidentes e muita torcida para os 25 brasileiros que largaram na competição, recorde da prova. Os desafios que os competidores encontraram foram tão difíceis quanto os da edição passada, por exemplo, a passagem pela Cordilheira dos Andes e pelo Deserto do Atacama.
Dos 373 veículos que largaram em Buenos Aires no dia 2 de janeiro, apenas 186 veículos completaram a prova e, ao todo, foram 170 abandonos desde o primeiro dia de disputas (63 motos, 11 quadris, 74 carros e 22 caminhões). A terceira etapa foi a mais dura com os pilotos, registrando 68 abandonos.
Para quem esperava as mesmas paisagens e mesmos terrenos, se enganou. Muitas dunas, leitos de rios secos, pedras e salares fizeram parte do trajeto dos competidores. As duas primeiras etapas, entre Buenos Aires, Córdoba e La Rioja, foram comparadas pelos pilotos com etapas do WRC (mundial de rali de velocidade), tudo para prepará-los para o terceiros dia de prova.
A etapa mais curta do Dakar, com 441 quilômetros, entre La Rioja e Fiambalá tirou 68 veículos da competição: 25 motos, 3 quadriciclos, 38 carros e 2 caminhões. O motivo? As dunas próximas à divisa com o Chile. Este foi definido como a etapa mais dura, a que filtraria os pilotos. Além dos desafios do terreno, os competidores deveriam passar por way points durante a etapa, os quais muitos competidores não conseguiram. Para a competidora Christina Meier, das motos, a etapa durou 29h37min16 e ela completou o Dakar.
Após passar frio e muito calor no mesmo dia, entre Fiambalá e Copiapó, ao cruzar da Argentina para o Chile nas Cordilheiras dos Andes, os competidores passaram por Antofagasta e Iquique. No retorno para a Argentina, a sétima etapa ficou marcada pela variação de terrenos, como dunas, um salar de 3quilômetros, muitas pedras. Foi a especial mais cansativa, na opinião dos competidores, que logo no dia seguinte tiveram folga.
Pós-folga – Apesar do descanso, muitas equipes e alguns competidores passaram o dia trabalhando em seus veículos para retomar a competição. Entre Antofagasta e Copiapó, os pilotos saíram do Deserto do Atacama, passando por La Serena, a capital Santiago e a última cidade do Chile, San Juan, com vista para o Aconcágua, o maior pico da América do Sul.
De volta ao terreno argentino, no caminho de San Rafael os pilotos puderam passar por sítios arqueológicos, e terrenos acidentados, no dia mais longo do Dakar, com 476 quilômetros de especial e deslocamentos que, somados, deram 796 quilômetros. A penúltima etapa, entre San Rafael e Santa Rosa, a disputa foi marcada nas areias cinzas das dunas de Nihuil e logo em seguida, puderam abusar da velocidade.
Apesar de chegar ao fim, entre Santa Rosa e Buenos Aires, a organização alertou os pilotos por ser uma especial rápida, mas que era necessária estar concentrado em todos os detalhes para não colocar tudo a perder.
A 32ª edição do Dakar não passou ilesa em relação à morte e acidentes. Mais uma vítima fatal foi registrada na prova no primeiro dia de disputas. A espectadora Natalia Sonia Gallardo, de 28 anos, acompanhava o Dakar quando o carro de Mirco Schultis saiu da rota e a atingiu. Natalia sofreu duas paradas cardíacas e morreu a caminho do hospital.
No mesmo acidente, o fotógrafo do Webventure Tom Papp, também foi atingido e sofreu algumas escoriações; foi atendido prontamente e já está de volta ao Brasil. Com a morte da argentina, o Dakar registrou sua 59ª morte na prova.
Um grave acidente marcou o sexto dia de disputas do Dakar. O piloto italiano de moto Luca Manca sofreu uma queda na cidade de Maria Elena, no Chile, ocasionando um traumatismo craniano, fraturas no rosto e contusão cerebral. No hospital, Manca ficou em coma induzido e correu risco de vida. No dia 14 de janeiro, o italiano saiu do coma e respirava sem ajuda de aparelhos. Os testes apresentaram uma boa melhora no quadro clínico do piloto, que já recebe seus familiares.
David Casteau, sério candidato ao título do Dakar, também sofreu uma queda durante a especial do quinto dia de prova, entre Copiapó e Antofagasta. O francês sofreu uma queda no quilômetro 395 e sofreu uma lesão na perna. Outro incidente aconteceu com um helicóptero que transportava jornalistas que cobriam a prova.
Brasileiros – Mais um fotógrafo brasileiro foi vitima de um incidente. Donizetti Castilho foi atingido por um veículo, dos também brasileiros Maurício Neves/ Clécio Maestrellli. O fotógrafo caiu na areia e não sofreu nenhuma lesão.
No dia seguinte do incidente, na estréia de Maurício Neves no Dakar a bordo da Touareg da Volkswagen, o piloto capotou na especial em uma reta com um pouco de poeira. O carro decolou e deu cerca de 5 voltas de frente até parar. O resgate chegou 25 minutos depois e o piloto teve quatro costelas quebradas e perfurou o pulmão. Clécio, seu navegador, nada sofreu.
Em 2010, Cyril Despres garantiu seu terceiro título no Rally Dakar com três vitórias nas especiais entre Argentina e Chile. Desde o terceiro dia, o piloto se manteve na primeira colocação da prova e, com a saída de David Casteau na quinta etapa e a penalização de seis horas dada a Marc Coma, Despres viu sua vantagem aumentar para os adversários.
Sua pior colocação durante a prova foi o 9° lugar no décimo primeiro dia de competição. Mesmo com os maus resultados, o piloto conseguiu se manter durante a prova e garantir 1h02min52 de vantagem para Pal Anders Ullevalseter.
Todas as vitórias foram legais, mas essa, em particular, foi linda. É uma vitória do trabalho duro, da competência e de um time incrível. Há muitas emoções envolvidas e desde 2007 tive anos difíceis, lesões, treinos, momentos difíceis. Ainda sou um humano, passei 15 dias montado em uma moto e estou exausto e a pouca força que tive ficou nas lágrimas. Uma coisa está clara: eu não tive medo de perder, só quis ganhar. E essa vontade de vencer era mais forte que o medo de perder. Foi um Dakar difícil e estou muito contente por ter ganhado, contou o piloto logo na chegada.
Quadris – Os argentinos podem ter orgulho de seus pilotos no Dakar e a única vitória da competição de um argentino foi de Marcos Patronelli, nos quadriciclos. Com 64h17min44, o piloto só perdeu posições na classificação geral no segundo dia de prova, logo reassumindo a ponta até o final da prova.
Seu irmão mais velho Alejandro garantiu a segunda posição geral na prova, ao ficar a 2h22min59 do vencedor. Outro feito inédito: não só os dois irmãos garantiram o pódio, mas os dois primeiros argentinos a serem os melhores no Dakar.
Uma coisa é certa: eu nunca teria imaginado isso, nem mesmo em meus sonhos. É incrível que dois irmãos terminassem em primeiro e segundo! Este Dakar foi muito difícil. Eu não posso dizer mais do que isso, só que eu devo agradecer a minha equipe. Também estou feliz pelo meu irmão: é seu primeiro Dakar e ele termina em segundo. Quem não ficaria orgulhoso? Estou emocionado e acho que o fato de que dois irmãos terminar em primeiro e segundo está apenas fazendo história. Nós vamos comemorar isso!, afirmou Marcos.
A disputa mais acirrada do Dakar ficou por conta dos carros. A equipe Volkswagen mostrou superioridade na competição e levou as três primeiras colocações na prova, liderada por Carlos Sainz/ Lucas Cruz. A dupla venceu apenas duas especiais, mas se manteve entre os primeiros colocados todos os dias, pulando para a ponta da classificação geral no quinto dia de disputas.
Mas a vida do El Matador não foi fácil. Ele viu sua liderança ser ameaçada nos últimos dias por seu companheiro de equipe, Nasser Al-Attiyah/ Timo Gottschalk, que foram os vencedores da última etapa, entre Santa Rosa e Buenos Aires (e vencer também mais três etapas). A diferença entre eles foi de apenas 2min12.
Um dia muito, muito importante para mim. Estou muito feliz e aliviado, não tivemos nenhum problema com o carro, andamos muito rápido, mas estávamos ligados também. Foi uma luta diária com o meu companheiro de equipe e sabia que seria assim! Lutei tanto, não poderia permitir qualquer erro, contou Sainz.
Mas a disputa interna transpareceu na pista no penúltimo dia de prova, que Carlos Sainz reclamou bastante de Nasser. O piloto do Qatar, por sua vez, não conseguiu diminuir a diferença e comemorou o segundo lugar. Estou muito feliz, o segundo lugar é um bom resultado para mim. Nunca estive tão na frente na classificação. Fizemos um ótimo Dakar, sem erros, sem problemas no carro. Estou feliz por Carlos, ele fez seu trabalho. Ano que vem, eu vou vencer; mas vou cumprimentar Sainz, pois ele é parte da equipe, declarou Al-Attiyah.
Caminhões – Nove vitórias em quatorze etapas, seis títulos em 32 edições de Dakar, primeiro lugar absoluto, de ponta a ponta na classificação geral e 56 vitórias em especiais do Dakar, um recorde. Os números são impressionantes e pertencem ao trio Vladimir Chagin/ Sergey Savostin/ Eduard Nikolaev, campeões do Dakar de 2010.
O trio russo não viu seu título ser ameaçado, e a diferença para o segundo colocado, o companheiro de equipe Firdaus Kabirov foi de 1h13min08. Este foi o responsável por vencer quatro etapas no Dakar, e tirar a invencibilidade de Chagin.
Foi a nona vitória da nossa equipe e não há muitas equipas com esse recorde. Este é o resultado de vários anos de trabalho. O ano passado foi bom com a vitória Firdaus; este ano é um sucesso ainda maior. Nossa equipe é muito forte e acho que ele quer a vitória mais do que as outras equipes, disse o piloto do caminhão vencedor.
O Brasil contou com 14 veículos no Dakar, um recorde na competição que novamente aconteceu na América do Sul, o que facilita a ida dos competidores. Mas somente três motos e dois carros completaram os quatorze dias de competição.
Os pilotos tinham tudo para fazer o melhor desempenho no Dakar, mas imprevistos, problemas e desclassificações os tiraram da prova. No segundo dia de prova, os competidores conseguiram mostrar que vieram para deixar seus lugares marcados na história do Dakar, com duas terceiras posições, de Maurício Neves e André Azevedo.
Mas no dia seguinte, dos 14 carros, 5 estavam fora da disputa do Dakar e mais o piloto de moto Bernardo Bonjean. Por não terminar a especial e não garantir o número de way points que a organização determinou, os competidores foram desclassificados da prova.
A sexta etapa também ficou marcada por abandonos nacionais, Tiago Fantozzi, nas motos, André Azevedo, único representante nos caminhões e o acidente de Maurício Neves/ Clécio Maestrelli.
A bonança – Após todos os abandonos, cinco veículos brasileiros seguiram até o final da prova, subindo e descendo na classificação. Rodolpho Mattheis, Carlos Ambrósio, Vicente Neto, Guilherme Spinelli/ Filipe Palmeiro e Jean Azevedo/ Emerson Cavassin completara o Dakar com louvores e superando os problemas que tiveram ao longo dos dias.
O Rally Dakar, em 14 dias, revela muitas curiosidades, cenas engraçadas, incidentes, brigas. Tudo o que a intensa convivência e exigência de equipamentos em duas semanas ou mais podem ocasionar. Por exemplo, antes mesmo da largada da prova, na apresentação dos veículos em Buenos Aires, uma moto pega fogo. O piloto argentino Javier Pizzolito viu sua moto queimar e ver o sonho de disputar o Dakar ficar nas ruas argentinas.
O cansaço e a falta de concentração também pode ser o motivo de tantos acidentes e erros. O piloto Philip Noone, na décima etapa do Dakar, cometeu um erro de navegação no quilômetro 80. Após 13 quilômetros retomou a navegação correta, mas não se atentou a um pequeno detalhe: estava na contramão. Quando notou o erro, estava novamente no início da especial, por volta do quilômetro 12. O competidor teve que, praticamente, fazer todo o percurso do dia.
A dedicação e um bom equipamento podem render ao Dakar feitos incríveis, e Vladimir Chagin, campeão nos caminhões, conseguiu um desempenho invejável. Em sua categoria, o piloto venceu nove especiais e foi líder isolado, de ponta a ponta. Se o russo competisse entre os carros, com o resultado geral seria o 13º colocado; nos quadris, seria campeão com vantagem de mais de 9 horas para o campeão da categoria, Marcos Patronelli.
Ciladas? – Tiago Fantozzi ia muito bem no Dakar, mas na sétima etapa o piloto teve uma quebra em sua moto e teve que abandonar a prova. Sua determinação o fez sair a pé para buscar material para consertar sua moto e tentar voltar à disputa.
E nisso a epopéia de Fantozzi iniciou. Deixou a moto na especial, voltou com uma carona para o acampamento. Uma não, tres caronas. No meio do deserto percebi que era mais próximo caminhar até uma estrada, que estava a cinco quilômetros, do que voltar pelo caminho que fiz. Consegui uma carona com um caminhoneiro chileno, uma figura que me deu carona até o abastecimento. Lá consegui um lugar no helicóptero do exército chileno, que me levou até o acampamento. De lá fui com o carro de apoio de volta ao abastecimento, para arrumar a moto. Mas tudo isso foi em vão, porque fui desclassificado, contou o piloto.
Ainda entre os brasileiros, Julio Bonache e Lourival Roldan estavam entre os brasileiros que foram desclassificados no terceiro dia de prova. A frustração foi tanta que Bonache não poupou no desabafo e colocou boa parte da culpa da desclassificação na má interpretação do regulamento por parte de Lourival.
Este texto foi escrito por: Redação Webventure
Last modified: janeiro 17, 2010