Reparos foram feitos no Bravo (foto: Matias Eli/ Arquivo pessoal)
Antes da partida do reino de Tonga, o Márcio e eu costuramos a vela mestra para nossa última travessia até Fiji, onde esperávamos chegar quatro dias depois. Um dia antes de chegar no nosso destino final, na marina Vuda Point em Viti Levu, resolvemos fazer uma escala num atol com um conjunto de ilhas desertas. Paramos numa ilha totalmente desabitada e com uma praia de areia branca cheia de coqueiros carregados e um monte de lixo espalhado. Eram garrafas pet e todo tipo de embalagem plástica que se possa imaginar. Obviamente, o lixo não era originário daquela ilha, pois ali não havia absolutamente nada, apenas coqueiros e uma vegetação muito fechada, nem uma casa ou qualquer outro tipo de construção. Os detritos deviam ter chegado ali com a maré, o que é uma pena, pois a praia era uma das mais bonitas que já vi.
Pescamos um lindo dourado pouco antes de chegar na ilha, o que nos garantiu um belo sashimi acompanhado de tartar de dourado e arroz. Muito bom poder comer um peixe fresco depois de tantas milhas sem sorte com a pescaria. Comemos, fomos para a praia, catamos cocos, mergulhamos e fomos descansar. À meia-noite levantamos a âncora e rumamos para Fridgess Point, onde o Adriano esperava poder encontrar umas ondas que ele havia surfado a mais de 10 anos atrás. As ondas não estavam lá e o local me pareceu um pouco perigoso, devido à abundância de corais na região e o forte vento que soprava. Fomos embora sem nem jogar a âncora.
O vento de popa continuou soprando cada vez mais forte e no través de Fiji, já superava os 35 nós. Com a ajuda apenas da genoa, vela da frente, surfávamos as ondas numa velejada espetacular e chegamos a bater o recorde de velocidade do Bravo ultrapassando os 13 nós. O dia estava ensolarado e estávamos nos aproximando rapidamente do nosso destino final. Para melhorar mais ainda um dia que tinha tudo para coroar o final da viagem pegamos, mais um peixe, uma cavala, que, com a velocidade do barco vinha “quicando” na água.
Na chegada – Entramos no canal que dá entrada ao Lagoon de Fiji e o vento deu uma diminuída. Subimos a mestra e fomos orçando contra o vento até o local onde ficava a marina. Ao chegar à frente da marina baixamos as velas, ligamos o motor e fomos nos aproximando bem lentamente. Víamos os mastros dos veleiros parados no interior da marina e as pessoas comemorando no bar que ficava a poucos metros da onde estávamos. Com o Adriano, discutíamos se iríamos comer um X-salada no bar ou um sashimi no barco. Não conseguíamos visualizar a entrada da marina que tampouco estava marcada na carta náutica. Tentamos diversos contatos pelo rádio VHF, mas, aparentemente, estavam todos comemorando no bar e não obtivemos resposta, portanto fomos nos aproximando mais e mais para tentar enxergar as bóias de marcação. Quando o eco registrou seis metros, engatei uma ré, pois não queria me aproximar mais, com medo de algum re-ci… bum …fe. Sim, batemos num recife. A ré já não funcionava e o motor parou. O barco sacudia de uma forma muito desagradável, ele subia e descia aos trancos com se estivesse cavalgando aquele maldito recife e a trilha sonora era apavorante: crack! crack! crack! crack!
O Márcio põe a cabeça para fora da cabine e fala: “tem uma luz vermelha acendendo!” Desço e vou direto para o rádio: “mayday! mayday! this is sailing boat Bravo calling in front of Vuda Point marina, we hit a reef and are making water!, mas todos estavam no bar, ninguém respondeu. A luz vermelha era a bomba de porão que naquela noite, quase perfeita, não pararia mais de funcionar.
Creck! Creck! E os paineiros (piso do barco) começam a flutuar. Creck! Creck! Começamos a tirar água com balde e com bomba manual. Creck! Creck! E chegam dois franceses com um botinho para tentar nos ajudar, chega também uma lancha que tenta nos desencalhar, mas não consegue. Creck! Creck! A água já atinge a cintura dentro da cabine e, ao ritmo do creck! creck!, abandonamos o Bravo no meio da noite depois de tentar, sem sucesso, tirar mais água do que entrava.
Eu mergulho e, com a ajuda de uma lanterna, percebo que, aparentemente, o casco não tinha nenhuma avaria. Pelo menos a boreste (lado direito), não dava para ver o lado de bombordo (lado esquerdo) nem a rabeta (onde sai o hélice), pois o barco estava apoiado nos recifes. Naquela mesma noite, fizemos uma reunião o Márcio, Adriano, o JP (dono da marina), o Stephan, o Hugo (que são os dois franceses que foram nos ajudar) e eu. Traçamos o plano de ação para o dia seguinte e fomos dormir (no meu caso, tentar dormir). Às 3 da manhã peguei o bote e fui até o barco. Ele estava no mesmo lugar e a linha d’água estava quase um metro mais alta. Dentro do barco, tudo flutuava: colchonetes, madeiras, roupas e a comida. A água chegava no peito de quem entrasse no barco.
Às 5h30 e com a maré baixa, já estávamos todos de pé. Fomos para o barco e começamos a trabalhar. Dentro do barco devia ter ao redor de 1,5 metros de água e tive que mergulhar, dentro da cabine, para constatar que o estrago não havia sido no casco, mas apenas na vedação da rabeta do motor que havia sido destruída. Essa era uma ótima notícia, pois, neste caso poderia ser trocada a rabeta, que é uma peça que faz parte do motor, muito melhor do que um buraco no casco, o que poderia ter afetado a estrutura do barco.
Com o Márcio, tampamos o buraco por onde estava entrando água com a ajuda de pedaços de madeira e toalhas. Enquanto isso, o Adriano coordenava a ação do lado de fora onde, o pessoal dava partida numa bomba d’água bem grande que devolvia a água para o mar. Rapidamente, a água foi esgotada, o Bravo ficou mais leve e foi facilmente rebocado até a marina que estava a poucos metros ali. O pessoal da marina já havia preparado o travel lift para tirar o barco da água, de onde saímos ao redor das 9 horas.
Sorte – Uma vez fora d’água, pude perceber com grande alegria que o casco estava intacto, e que aquele barulho horrendo era causado pela rabeta que empurrava o motor que acabou se soltando do “berço” e que, por sua vez, fica preso ao casco. O motor foi deslocado para cima e para o lado, mas nada sofreu. Entretanto, como ficou submergido na água salgada, precisou ser imediatamente removido com a ajuda de um guindaste. Uma vez fora do barco, o motor foi limpo com água doce e os mecânicos da Yannmar, fabricantes do motor do Bravo, fizeram o motor rodar com óleo e água doce e constataram que estava em perfeitas condições. Ainda bem, pois um motor novo custa uma nota preta.
No casco havia apenas alguns arranhões e algumas batidas na quilha e no leme, mas nada muito importante. O grande problema foi que a água estragou todos os equipamentos eletrônicos do barco: VHF, Chart Ploter, instrumentos de navegação, rádio SSB, foi tudo pro saco (assim como a rabeta) e é bem provável que eu tenha que trocar toda a fiação, pois esta deve ter sofrido um bocado ao entrar em contato com a água do mar.
Em apenas quatro dias, conseguimos limpar todo o barco, tiramos todas as madeiras de dentro, lavamos tudo com água doce (havia cup noodles por toda parte) tiramos todas as bombas e todos os instrumentos. Todos os colchonetes, almofadas e roupas foram entregues para a lavanderia, que teve que ir buscar tudo de caminhão, pois não cabia num carro normal.
A poucos metros da marina tem uma oficina enorme de barcos de um Sul-Africano que é provavelmente a melhor e mais completa oficina para reparos em todo o Pacífico (exceto NZ e Austrália). Além de representante da Yannmar, eles também fazem a parte elétrica, fibra e pintura, marcenaria e tudo mais que uma embarcação precisa.
Quando cheguei em Fiji encontrei meus amigos do Salaway, que me contaram que, na Polinésia, ficaram amigos de um cara que estava velejando num barco de madeira. O barco dele estava cheio de “gusanos” uma praga que afeta os barcos feitos de madeira, apodrecendo o caso. Após sair da Polinésia, ele pegou uma tempestade e o barco acabou afundando. Ele e o cachorro se salvaram numa balsa salva-vidas que ficou à deriva por vários dias antes de encalhar nas ilhas Cook.
Já em São Paulo (cheguei no dia 5/11), recebi um e-mail dos meus amigos canadenses do Coolabah (aqueles que haviam se demorado muito para chegar em Galápagos e que têm dois filhos adolescentes). Eu fiquei muito amigo da família durante minha estada na Polinésia e o John me ajudou muitíssimo nos reparos da pane elétrica que tive em Bora Bora. No e-mail, eles me contaram que haviam acabado de afundar o barco a 300 milhas de Fiji. Bateram num “objeto submerso” que deve ter sido um container, e o barco foi a pique. Eles tiveram que entrar na balsa salva vidas e foram resgatados por outro barco amigo nosso, o “Intrepid”, que estava a poucas milhas de distância e efetuou o resgate.
Afinal como dizia aquele australiano bêbado no bar ao meu lado em Fiji: “you were very lucky on your bad luck”.
Este texto foi escrito por: Matias Eli, especial para o Webventure
Last modified: abril 30, 2010