Matias retornou ao Bravo no início de abril (foto: Matias Eli/ Arquivo pessoal)
O dia sete de abril foi quase tão sofrido como o dia 26 de outubro, quando o Bravo quase afundou após bater em alguns recifes a poucos metros do destino final. Isso porque, no dia sete de abril me despedi da Carol, e das minhas filhas Marina e Sofia para pegar um voo para Auckland, na Nova Zelândia, e retornar para a viagem.
Minha passagem por São Paulo foi intensa, mas tive tempo de matar as saudades e pensar bastante sobre a viagem e sobre como seria minha vida quando estiver de volta em terra firme. Lembro que no dia seguinte que cheguei a São Paulo, fui numa loja comprar um novo MacBook, e demorei duas horas para voltar para casa.
Fiquei preso no trânsito, ao meu lado as sirenes ao invés do barulho do mar, os faróis dos carros e os semáforos e nada de horizonte. Também fiquei com a sensação que os motoqueiros tomaram o lugar dos golfinhos e dos peixes voadores e eu fui ficando aflito ali. Foi um hard landing, mas hoje depois de cinco meses estava novamente adaptado a cidade de pedra e a sua poluição viciante. A vida no mar é ótima, mas também pode ser muito difícil. Em terra firme a história não é diferente, tenho conhecido culturas muito diferentes da nossa, pessoas vivendo as casas flutuantes ou dormindo em esteiras estendidas no chão, comendo comidas tão apimentadas que nós, que não estamos acostumados, chegamos a cuspir fogo pela boca. O fato é que o ser humano pode se adaptar a tudo nesta vida.
Eu sei que posso, mas a questão é: será que eu quero me acostumar novamente a realidade da vida em São Paulo? O que será que mudou depois de meia volta ao mundo? E quando tudo acabar? Será que quando tudo acabar vou acordar como quem acorda de um sonho bom e retomar a minha vida do mesmo ponto onde a deixei há dois anos?
Difícil prever o futuro. Quase tão difícil quanto acertar a previsão do tempo, mas uma coisa eu sei: que posso escolher, que também sou responsável pelas minhas escolhas e que estas escolhas tem um efeito em cascata, afetando a vida de outras pessoas, especialmente das minhas filhas e da Carol.
Segunda parte da viagem – Mas chega de pensar no retorno, agora e hora de mudar o foco e pensar novamente na viajem, no barco e nas travessias. Muitas coisas me preocupam nesta próxima etapa: a passagem pelo Estreito de Torres, os piratas nos mares de Banda e de Java, a imprevisibilidade do Oceano Índico e a temida costa leste africana. Isso sem falar da travessia do Oceano Atlântico.
Pois é, está na hora de dormir e voltar a sonhar. Mas antes de continuar o sonho, tive que passar pelo pesadelo da reconstrução do Bravo que ficou cinco meses no seco (fora da água). Com isso, o motor teve que ser retirado e lavado com água doce, assim como tudo o que tinha dentro do barco, de copos a pisos. Bombas de água, componentes elétricos, geladeira, fogão, tudo teve que ser testado e em muitos substituído.
Cheguei a Fiji, local onde o Bravo me esperava, no último voo Auckland – Nandi, cheio de caixas e de medo de ser parado pela alfândega. Estava contente por finalmente ter chegado ao Bravo e constatar que o casco (que havia sido pintado) havia ficado ótimo!
O motor estava no lugar, assim como a rabeta nova. Mas no interior estava uma grande caixa, ferramentas, várias baterias, rolos de fios elétricos, velas e todo tipo de tralha espalhada pelo caminho. Parecia uma casa em reforma, suja e desarrumada, mas cheia de promessas.
Com ajuda de uma lanterna emprestada, pois ainda não tinha energia a bordo, consegui escalar montanhas de coisas que deveriam ser instaladas ou utilizadas no Bravo. No meio daquela confusão havia um único lugar vazio, o meu camarote, mas antes de dormir eu precisava de uma cerveja. O resto dessa história conto no próximo capítulo!
Este texto foi escrito por: Matias Eli, especial para o Webventure
Last modified: maio 7, 2010