Chegada em Darwin não foi a esperada (foto: Matias Eli/ Arquivo pessoal)
Depois do meu passeio em Madang, sai às pressas do Royal Iate Club em Port Morsby! Tinha uma pressa inexplicável de seguir viajem rumo ao oeste, no caminho de casa. A verdade é que estou com muitas saudades das meninas e da Carol (minha esposa). Na pressa acabei não traçando minha rota para Darwin (Austrália) e deixei para fazer esse trabalho em alto mar. Na teoria fazia sentido, já que eu teria muito tempo para traçar a rota assim que saísse do porto.
Mas naquela tarde da minha partida, o vento estava roncando forte e o mar mostrou que também não estava para brincadeira. As ondas grandes de mais de três metros batiam no costado (casco do Bravo) que balançava sem parar de um lado para o outro. Era impossível ficar de pé sem segurar em algum lugar.
Desci para arrumar as coisas que caíram com o balanço do barco e também para fechar o barco, pois o spray das ondas certamente iria molhar tudo. Aquele movimento todo, aliado as quase duas semanas ancorado dentro da baia me fizeram sentir enjoado (tinha me desacostumado ao balanço do barco). Sai, tomei um pouco de ar e voltei para tentar arrumar as coisas e traçar minha rota. Consegui arrumar as coisas e coloquei tudo no seu devido lugar, mas não tive estômago para traçar minha rota.
Dificuldades – Caiu à noite e nada do tempo melhorar, o vento e o mar foram impiedosos com o Bravo e comigo. No dia seguinte a mesma coisa e eu com a pendência de traçar minha rota para Darwin com urgência, já que naquela noite eu me aproximaria do Estreito de Torres, que separa a Papua Nova Guiné do norte da Austrália. Para quem não conhece esse estreito é cheio de recifes. Por isso a rota deveria ser muito bem traçado para não acontecer o pior. Já era de noite quando eu finalmente consegui traçar uma rota aceitável, mas cheia de zig-zague.
Além disso, ali o trânsito de navios era intenso, tinha sempre pelo menos dois no meu radar. Foi então que percebi que a rota que os navios estavam fazendo era diferente da minha rota. Algo me dizia que a minha rota tinha muitas quebradas. O vento continuava soprando a 30 nós, as ondas estavam ainda mais implacáveis e o mar ficava mais raso à medida que me aproximava do Estreito de Torres.
Finalmente tomei coragem e peguei o livro que estão descritas as rotas do mundo inteiro, e depois da algumas quase gorfadas, consegui melhorar bastante a minha rota entrando pelo North East Channel, uma avenida sobre a água cuja entrada se chamada Bligh, em homenagem ao capitão do Bounty, que no século XVIII navegou por essas águas. Ele foi abandonado pela sua tripulação amotinado a deriva num pequeno bote no meio do Oceano Pacífico.
Mais um dia de navegação e o vento continuava forte (não parou de ventar um minuto desde que sai de Port Morsby). As ondas continuavam grandes, mas agora elas vinham pela popa e o movimento do barco era bem mais confortável, apesar de continuar mexendo bastante. Tanto que nem tentei pescar, pois não queria nem pensar em ter que limpar um peixe naquelas condições.
Às 2h15 da manhã eu acordei antes do despertador tocar, pois percebi que a retranca (peça de alumínio que fica na perpendicular do mastro) estava batendo de mais e acabaria arrebentando alguma coisa se eu não a amarrasse. O vento continuava soprando muito forte, chovia, e o mar de popa tinha ondas de mais de cinco metros. Coloquei a minha roupa de tempo (macacão e jaqueta) e fui para a proa.
O Bravo velejava a oito nós de velocidade com a vela Grande na segunda forra de rizo e a genoa com apenas 50% da sua área velica. Já estava fora do cockpit quando bateu uma saudade enorme das meninas e imediatamente me dei conta que estava sem cinto de segurança. Normalmente teria continuado meu trabalho, sem ter me incomodado em voltar e vestir o cinto, mas esta vez foi diferente. Eu fiquei com medo e voltei pra trás.
Risco – Já com cinto, fui para a amura de boreste para continuar o trabalho. Precisava passar um cabo pela retranca que estava parcialmente aberta sobre o mar. Para isso bastava eu me esticar um pouco, segurando na própria retranca com uma mão e passar o cabo com a outra. Bem simples. Mas sem que eu percebesse uma onda absurdamente grande bateu no costado do Bravo, do lado oposto da onde eu estava, fazendo com que o barco adernasse (movimento de pêndulo do barco) tanto que a borda de boreste, onde eu estava, ficou inteiramente dentro da água.
Eu estava me segurando apenas com uma mão, pois na outra tinha o cabo com o qual deveria amarrar a retranca. A água chegou no meu joelho e eu abracei tão forte contra a retranca que acabei machucando a orelha. Durante alguns segundos, que pareceram uma eternidade, eu fiquei agarrado na retranca com o mar correndo rápido a poucos metros da minha cara, olhava o mar como quem olha a morte passando logo ali!
Foi pavoroso! Muito pior do que ter batido no recife em Fiji. Quando o barco voltou ao normal, amarrei a retranca e só fui me lembrar que estava de cinto quando terminei. Quando voltei para a segurança do cockpit, tremia tanto que tive dificuldades em tirar a roupa.
Infelizmente para entrar em Darwin eu precisei navegar contra o vento que soprava acima dos 30 nós. A corrente também era muito forte e só dificultava mais as coisas. Conclusão: ao invés de chegar de manhã cheguei de noite à cidade de Darwin. Eu estava destruído, e o Bravo todo molhado e bagunçado. Só tive forças para fazer um miojo e dormir até o dia seguinte.
Este texto foi escrito por: Matias Eli, especial para o Webventure
Last modified: julho 9, 2010