Matias enfrenta uma das partes mais difíceis da viagem (foto: Matias Eli/ Arquivo pessoal)
Saí de Saint Pierre sabendo que a travessia iria ser dura, afinal de contas La Reunion – Durban e Durban – La Reunion eram segundo todos os livros e pelo aviso de outros navegadores mais experientes, as duas pernas mais difíceis que eu iria encontrar na minha volta ao mundo. E eu optei por fazer as duas travessias numa pernada só evitando assim a região, que fica ao sul de Madagascar, conhecida pelo mal tempo.
A primeira parte da minha estratégia foi seguir rumo ao sul de La Reunion passando bem longe do extremo sul de Madagascar, onde a plataforma continental avança mais de 100 milhas sobre o Oceano Índico. A pouca profundidade e o encontro das correntes transforma este trecho num caldeirão de água em ebulição fazendo o mar crescer de forma desencontrada com ondas grandes, que vem de todas as direções e ventos fortes de sudeste, nordeste e principalmente de noroeste.
No primeiro dia um ótimo vento me afastou rapidamente de La Reunion. O barco navegou a nove nós com todas as velas em cima, caiu a noite e o vento se manteve constante com um mar calmo. No final da tarde recebi a visita de uma baleia (que devia ser do tamanho do Bravo) e que cruzou o meu rumo subindo para respirar e dar uma olhada na superfície antes de seguir o seu caminho. Fui deslizando pela noite estrelada, chegou a madrugada e o vento se despediu me forçando a ligar o motor. Estava com o tanque cheio de combustível e ainda tinha mais de 200 litros armazenados em bujões fortemente amarrados no convés, portanto, pude me dar o luxo de não ficar boiando a espera do vento voltar. Segui a motor no meu caminho para o sul.
Ajustes – Depois do café da manhã, a primeira atividade do dia era subir no mastro para trocar um cabo que havia se cortado durante o primeiro dia. Subir no mastro sem ninguém para ajudar na segurança e com o barco em movimento é um desafio e tanto. Para isso conto com alguns equipamentos de trabalho em altura, um gri-gri e um acender, mas estes equipamentos não foram desenhados para serem utilizados sobre o constante movimento das ondas e o pêndulo que aumenta a cada metro que subimos.
Ainda não estou muito familiarizado com o equipamento, no dia subi até a metade do mastro e já não tinha forças para continuar. Não consegui substituir o cabo e ainda por cima fui obrigado a deixar o acender lá em cima, pois não conseguia solta-lo. Apesar da frustração de não ter conseguido fazer o serviço, fiquei muito aliviado de poder estar novamente no convés.
Descansei por algumas horas e voltei a tentar. Desta vez subi no braço, sem acender, apenas com o gri-gri, que é um sistema anti-quedas. Deu certo, em 10 minutos resolvi todos os problemas, subi no mastro, troquei o cabo, soltei o acender que havia ficado preso e voltei para a segurança do convés. Missão cumprida! E moral lá em cima! Já no final do segundo dia entrou um vento fraco e a noite pude levantar as velas e desligar o motor, mas durante a manobra da subida da vela mestra um cabo de aço (stay volante) soltou do mastro. Tive que subir de novo no dia seguinte.
O vento e o mar aumentaram durante a noite e a tarefa de subir no mastro ficou bem mais difícil. Ficar batendo feito um sino a 15 metros de altura não e nada agradável, mas quem faz uma faz duas e consegui solucionar o problema. Voltei com vários roxos pelo corpo e os músculos tremendo pelo esforço, fui direto para a geladeira e abri uma cerveja! Só tomando uma!
Terceiro dia de viagem e o vento continuou aumentando, 20, 30, 40, 50 nós de vento. Fui reduzindo o tamanho das minhas velas para manter o barco equilibrado. Estava no paralelo 29 a Sudeste de Madagascar e o mar virou um inferno! Ondas grandes de mais de seis metros quebravam pela popa empurrando o barco para frente e para baixo na descida da onda, mas o pior é que de vez em quando uma onda perdida vinha de outra direção quebrando no costado e empurrando o Bravo, não mais para frente, mas para o lado.
Imaginem vocês que o Bravo tem mais de 13 metros de comprimento, pesa 16 toneladas e tem um mastro de 22 metros de altura. Dentro da cabine, o barco é uma casa com panelas, gavetas, FACAS, fogão e tantas outras coisas que juntas somam quase duas toneladas de tranqueiras armazenadas e instaladas para suportar os movimentos normais de um barco. Mas o que aconteceu naquela noite do terceiro dia não foi normal.
Apesar do mal tempo, eu estava tentando dormir dentro da cabine, afinal de contas navego sozinho e preciso descansar de vez em quando. O barco era conduzido pelo leme de vento, mantendo um rumo constante em relação a direção do vento e das ondas. Por volta das 3h da manhã, eu acordei com uma chuva de coisas (algumas muito pesadas) vindo em minha direção. Uma das gavetas da mesa de navegação quase me acertou e durante alguns longos segundos, eu poderia ter ficado de pé na parede lateral do barco.
Problemas à vista – Foi quando um barulho ensurdecedor, como se fosse alguma coisa explodindo chegou aos meus ouvidos. Pensei que fosse o mastro caindo e fui verificar o que estava acontecendo do lado de fora, fazia muito frio, e o vento era tanto que era impossível olhar contra a ventania, pois a água do mar machucava nos olhos. Nunca havia visto ondas tão grandes, os toldos haviam sido arrancados, o gerador eólico (aquele cata-vento que fica na popa) tinha duas das três pás arrancadas, os tanques de combustível foram varridos do convés e se perderam no mar, mas apesar de tudo o mastro estava de pé.
Voltei para o interior do barco achando que o pior tinha passado, mas aí a situação desceu mais alguns degraus na escala desespero, as madeiras do assoalho (chão do barco) estavam flutuando e a bomba de água trabalhava sem parar. Imediatamente lembrei do episódio ocorrido em Fiji (exatamente um ano atrás) quando o Bravo bateu num recife e por pouco não afundou. Peguei uma lanterna e fui fazer uma inspeção no casco à procura do furo por onde a água poderia estar entrando, aquela sopa de coisas flutuando já cobria os meus pés e dificultava muito a inspeção.
Não conseguia encontrar nenhuma avaria no casco, o Bravo deve ter inclinado uns 80 graus e as cruzetas do mastro provavelmente entraram no mar, fazendo com que muita água entrasse pela gaiuta, mas a quantidade de água que tinha dentro do barco era demasiada, além do mais o barulho da explosão ainda não tinha explicação, alguma coisa tinha acontecido. Será que tinha batido num container ou numa baleia? Será que estava afundando?
Final da primeira parte. No próximo relato conto como terminou!
Este texto foi escrito por: Matias Eli, especial para o Webventure
Last modified: dezembro 17, 2010