Ser mulher é a certeza de que o mundo ao seu redor nunca será fácil. Ser mulher em um ambiente criado e dominado por homens reforça a certeza de que vai ser mais difícil ainda. Dentro dessas bolhas masculinas, respiros femininos despontam e tornam-se inspirações. No Rally Dakar 2018 entre 545 participantes, a presença feminina foi de apenas 13 inscritas, dos pilotos de motocicletas apenas 10% eram mulheres. Laia Sanz foi a primeira colocada na categoria feminina e a corredora que foi mais longe na 40º edição. Mas a espanhola não fez história só no ano de 2018, ela vem colecionando conquistas há anos e abrindo espaço para outras mulheres pilotos.
A competidora espanhola nascida em Corbera de Llobregat, município da província de Barcelona, em 11 de dezembro de 1985, aprendeu a andar de bicicleta com dois anos de idade e a paixão por motocicletas foi à primeira vista. Enquanto amava andar com seu pai, tentava copiar seus passos com a bicicleta correndo em volta de casa. Com 4 anos subia na Montesa Cota 25 do seu irmão, Joan, escondido. Esse sangue apaixonado que corre por suas veias colocou ela nas competições ainda criança.
Em 1992, ficou em último lugar no Campeonato Júnior Catalão, que estava acontecendo na sua cidade. Sem desistir, voltou no ano seguinte ao campeonato, em uma época que ainda não existiam categorias exclusivamente femininas.
Sua trajetória de vitórias começou aos 12 anos em 1997. Desde então ela acumula troféus e títulos pelo mundo. Nessa época, conquistou o primeiro troféu em um campeonato masculino com uma 80cc e participou de uma competição feminina internacional com outras 50 garotas. No ano seguinte, participa do Primeira edição do Campeonato Europeu de Prova Feminina (não oficial) sendo as mais jovem da competição e conquistando a vitória, além de ficar na 9ª posição no Campeonato Espanhol sendo, como de costume, a única competidora feminina.
A virada do século trouxe a estreia internacional da piloto no Women’s World Trial Championship onde ganha o primeiro título mundial, e o segundo lugar no Women’s Trial European Championship. Por provar nesses anos seu talento, entra para a equipe espanhola do Women Trial Des Nations, ficando no topo do pódio aos 14 anos. Além das conquistas entre mulheres, um dos títulos que Laia mais se orgulha é o Campeonato Espanhol de Cadetes, no qual era a única garota e a vencedora.
Por 7 anos consecutivos (2000-2006) foi campeã do Women’s World Trial Championship, e com a exceção de 2007, em que ficou em segundo, se manteve campeã invicta até 2013. Nesses 14 anos, correu para a Beta, Montesa e Gas Gas. Permaneceu por 10 anos em 1º lugar na Women’s Trial European Championship. No ano de 2003, recebeu o título de mais importante esportista catalã, juntamente com Gemma Mengual.
Após uma consolidada carreira em competições de Trail, em 2010 teve a chance de começar a treinar Enduro. Ficou em terceiro lugar no Campeonato Feminino Mundial de Enduro no seu primeiro ano na modalidade. Neste mesmo ano alcançou o 1º lugar em todas as competições de trail que participou. No ano de 2011, não competiu no Campeonato Espanhol de Prova Feminina, mas alcançou o 1º lugar na classe feminina no Rally Dakar, ficando em 39º geral.
Desde então sua jornada no trial foi sendo substituída pelo foco no enduro. Em três anos, substituiu as vitórias no trial pelas de enduro. Desde 2012 vence o Campeonato Mundial Feminino de Enduro para as equipes Gas Gas, Montesa e KTM. Nesse mesmo ano, termina em 39º lugar no Rally Dakar novamente, mesmo sofrendo um acidente onde lesionou a mão e resultou em problemas com seu tanque de gasolina. No intervalo de um ano, entre 2013 e 2014, subiu 77 posições na classificação geral de Dakar. Em 2015, sua maior vitória na modalidade, 9º lugar geral na América do Sul numa Honda. Nos seus anos em Dakar, tornou-se a piloto feminino que mais completou o trajeto da prova que é uma das mais difíceis do mundo, sete vezes em sete anos de competição.
Às vésperas do seu oitavo rally, a espanhola contou como se prepara para um Rally Dakar. Ela cita como objetivo principal preparar a resistência para esse tipo de prova. Para recriar o ambiente do desafio, os Pirineos, cordilheira no sudoeste da Europa, se tornaram palco de treinamento em sessões de esqui, trabalhando resistência nas alturas (preparo importante para pessoas altas como Laia); física, pois exercita o corpo todo assim como exigido para pilotar motocicletas; e mentalmente, aperfeiçoando a navegação e a solidão.
Combinado com a preparação nas montanhas, Laia faz treinos intensos e rápidos na academia. Com duração de 60 a 70 minutos e sem muita recuperação entre exercícios para trabalhar todas as áreas do corpo. O ritmo do corpo em uma motocicleta exige preparo de braços, abdômen, pernas e costas. A competidora costuma praticar, o que ela mesma chama de El Espantapájaros . “Consiste em fazer pequenos saltos enquanto levanta um peso na frente e para cima. É um trabalho muito intenso“, conta para em entrevista para a Redbull. E claro, as corridas diárias de uma ou duas horas em bicicletas e motocicletas.
A reeducação alimentar da atleta foi um dos focos no seu oitavo rally. A espanhola comenta que na primeira vez em que competiu, perdeu 6 ou 7kg pois sofria com a adaptação dos horários de treino e ritmo biológico. Hoje, anos mais tarde, a moça se esforça para se adaptar à rotina diferente e a fazer pequenos lanches durante o dia: seja num dia de treino, seja num dia no rally.
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O ano mal começou e Laia já conquistou mais vitórias na quadragésima edição do Rally Dakar 2018 ficando em 12º lugar na colocação geral de motocicletas e o 1º lugar feminino, além de ser a oitava vez que finaliza o rali. Para a publicação Catalão chamada “Sport”, a corredora conta que conseguiu um contrato de mais dois anos com a KTM, garantindo competir o Dakar de moto pelo período. “Agora vejo que é mais real a hipótese de fazer o Dakar com um automóvel. Espero que quando chegar esse momento seja ao volante de uma máquina competitiva. Motivação não me falta”(tradução MotorSport) disse Laia à revista, confirmando os boatos da imprensa de querer competir de automóvel em breve.
Seja de moto ou carro, a trajetória de Laia é inspiradora para todas que desejam começar em um ambiente majoritariamente masculino. “As vezes é difícil, mas para mim é algo normal, porque piloto motocicletas desde os 4 anos e quando era jovem, eu sempre a única”, comenta em entrevista exclusiva para a RedBull. Apaixonada pelo esporte, sua persistência foi um passo para torná-lo mais igualitário. Se hoje ela não é uma das únicas, espera-se que no futuro tenham muitas mais competindo lado a lado.
Last modified: março 1, 2018