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A bicicleta de um cicloturista


18 marchas para a travessia dos Andes (foto: Fabio Zander)

O colunista Fabio Zander escreve da Alemanha e conta desde o início como foi sua paixão pelo ciclismo e depois pelo cicloturismo em duas rodas. Conta sua opinião de como deve ser uma bicicleta para fazer o cicloturismo, com detalhes de câmbios e freios. Não perca!

A primeira década de minha vida foi marcada pelas viagens e mudanças entre Londrina, no Paraná, e São Paulo. O motivo das mudanças se deve ao emprego de engenheiro agrônomo do meu pai. Neste vai e vem entre as duas cidades, ela, a Motoca, também nos acompanhava.

Vivi bons anos em Londrina onde tive contato direto com o campo e sempre que tinha oportunidade acompanhava meu pai por enormes plantações, principalmente de soja, trigo e cafezais que iam até o horizonte.

Outra lembrança que tenho da minha infância é amarela, de guidão longo com manoplas brancas e fitas coloridas em suas pontas, um assento plástico duro de cor preta e três rodas emborrachadas, que era a alegria e o motivo de disputa entre minha irmã, minhas duas primas e eu. Era carinhosamente chamada por nós de Motoca e foi muito usada nas brincadeiras no quintal da casa de meus avós maternos No bairro da Granja Julieta em São Paulo.

Quando um de nós girava aqueles pequenos pedais na roda dianteira ninguém escapava de ser literalmente atropelado, nem mesmo Muki, um cão vira-lata quase sempre em apuros. Tinha direito a usar a Motoca aquele que tivesse a melhor situação financeira, isto é, folhas de uma planta quase extinta por nós nos jardins bem cuidados de minha avó. Algumas vezes Dona. Linda (minha avó) tomava alternativas mais drásticas substituindo as broncas e reclamações por medidas contra as nossas poupanças deixando nossos traseiros doloridos, por pouco tempo, e a brincadeira logo recomeçava. Creio que com toda certeza as medidas tomadas foram benéficas, pois até hoje a pobre planta sobrevive e enfeita os jardins da casa, provavelmente a espera de uma nova geração de bisnetos e um triciclo em disputa.

Assim, com cinco anos de idade e proprietário da Motoca, tive o meu primeiro contato com os pedais.

(Trecho retirado do livreto “Pedalada del Fuego”)

Alguns anos se passaram e meus pais substituíram a Motoca por uma bicicleta de quatro rodas. Sim, quatro rodas, uma pequena e linda bicicleta verde-abacate com um par de rodinhas fixas ao eixo da roda traseira que davam o equilíbrio necessário ao conjunto formado pela bicicleta e o desequilibrado, eu.

As rodinhas de apoio foram sendo eliminadas por etapas, primeiro o lado esquerdo, em seguida o direito até que finalmente chegou o dia, pedalar sem apoio nenhum na Praça Severo Gomes, próximo à casa de meus avós.

Com dicas e ajuda do meu pai, abraçando árvores e beijando gramados, aprendi a arte do equilíbrio sobre duas rodas e agora realmente pedalava de verdade, uma das sensações mais prazerosas de liberdade que dependia apenas de minhas próprias forças para vencer distâncias.

A mania, a partir de então, era encaixar tampas plásticas de margarina entre o quadro e a roda traseira, pois o contato da tampa com os aros emitia um ruído parecido com uma moto. Minha irmã Kátia, que usava uma minúscula bicicleta rosa (ainda com as rodinhas e a tal tampa de margarina) e eu com minha pequena e possante bicicleta verde-abacate, abafávamos, ou tínhamos esta sensação, imaginando ser a dupla de policiais de um famoso seriado da época, Chips e suas barulhentas motos.

Mais tarde ganhei uma bicicleta com suspensão traseira, uma Brandani. Imaginem a felicidade em ser o proprietário de uma verdadeira máquina de pedalar que causava curiosidade e inúmeros “test-drives” entre os amigos. Com essa bicicleta comecei a arriscar meus primeiros saltos e travessias de obstáculos.

Nos anos 80, vivi a febre das bicicletas para todo tipo de terreno, as mountain bikes que eram, e ainda hoje são, o sonho de consumo de qualquer garoto. Com 13 anos de idade, meus pais me presentearam com uma bicicleta de aro 26, na qual mais tarde foram instaladas seis marchas e assim, junto à leitura de revistas da época especializadas em ciclismo fui sonhando com viagens utilizando a bicicleta como meio de transporte.

“Em algumas viagens a bicicleta lembra um barco, cheio de sons e ruídos, como estais batendo em um mastro. O guidão é o que mais faz barulho, reclamando da pesada bolsa que carrega as duas máquinas fotográficas, os filmes e o meu lanche. Todos sons e ruídos são analisados e mapeados; sou capaz de reconhecer qualquer um e justificar o seu porquê.”

O mais importante de tudo é conhecer a sua bicicleta. Conhecer seus limites, suas manhas e assim estar preparado para a viagem que você se propõe a realizar.

Pequenas viagens para testes dos equipamentos e uso no dia a dia são essenciais para a eventual troca de peças ou mudança de algum item.

Muitas pessoas entram em contato comigo perguntando como deve ser uma bicicleta para cicloturismo, tentarei esclarecer alguns pontos para vocês.

Em primeiro lugar segue uma importante dica, a de fazer um curso de mecânica em alguma bicicletaria de confiança. No meu caso, passei dois dias na oficina de um amigo, aprendendo a regular raios, rodas, câmbios, freios entre outras importantes dicas e manhas. A dica serve tanto para aqueles que irão comprar uma bicicleta já montada de marca, tipo Caloi, Specialized, ou para aqueles que a montarão.

No Brasil, pela condição das estradas, recomendo utilizar as bicicletas tipo “mountain bike”, é possível utilizar estradeiras tipo “speed” que são mais recomendadas para estradas asfaltadas. A vantagem da “mountain bike” é que ela aceita praticamente qualquer tipo de estrada e terreno.

Quadro de aço/cromo molibdênio ou alumínio?

Há vantagens e desvantagens, sem contar a diferença de peso. Você deve analisar a região que irá percorrer de bicicleta e a infra-estrutura que ela oferece, por exemplo, no caso de um quadro trincado, a solda para aço é facilmente encontrada em praticamente qualquer oficina.

Câmbio de 18, 21, 24 ou 27 marchas?

Na minha opinião o câmbio deve ser da marca Shimano, pela confiabilidade e durabilidade. Já quanto ao número de velocidades use aquela em que você já está acostumado.

Uso de suspensão, este item pesado necessita atenção e uma boa fase de testes para agüentar uma eventual pedreira pelo caminho, sem contar a adaptação especial para a instalação do bagageiro dianteiro.

O bagageiro traseiro pode ser facilmente encontrado em grandes bicicletarias do Brasil, feitos em aço ou alumínio. Já o bagageiro dianteiro é difícil de ser encontrado, só mesmo no exterior, o negócio é comprar um bagageiro traseiro de aço e fazer as modificações necessárias junto a uma serralheria.

Freios tipo V-Brake ou a disco?

Ambos tem boa frenagem, a disco um pouco melhor.

Também existem vantagens e desvantagens. Eu particularmente gosto dos freios a disco (mecânicos, a cabo), pois não acumulam lama no quadro prendendo a roda, além da vantagem de poder pedalar por mais alguns quilômetros, mesmo com a roda torta necessitando de uma regulagem no fim do dia.

O selim deve ser confortável para longo tempo de pedal. A escolha é pessoal.

Blocagem rápida no selim e nas rodas facilita, por exemplo, na hora do remendo ou troca de pneu.

Cubos e o movimento central selados, evitando o acúmulo de sujeira e manutenção durante a viagem.

Os principais acessórios para a bicicleta são: o ciclocomputador(ôdometro), alforjes dianteiro e traseiro, bolsa do guidão, porta caramanholas, ferramentas básicas e faróis.

Enfim, monte ou compre sua bicicleta e se acostume com ela, em várias viagens que realizei, como a minha primeira travessia da Cordilheira dos Andes, utilizei uma bicicleta de 18 marchas. Eu já pedalava com esta bicicleta a pelo menos dois anos e a conhecia de ponta a ponta, além de ter feito algumas mudanças e adaptações.

Abaixo segue uma lista dos principais componentes na minha atual bicicleta Caloi (Elite Pro 24, ano 2005):

  • Quadro de alumínio 6061 T6 (tamanho 18 polegadas)
  • Câmbio dianteiro e traseiro Shimano Acera (8 velocidades)
  • Cubo dianteiro e traseiro Shimano Deore
  • Movimento central Shimano blindado
  • Rodas X-treme Sari 17 de alumínio com parede dupla e 36 furos
  • Aros de aço inox
  • Alavanca freios Shimano Acera
  • Alavanca câmbios Shimano Acera Rapid Fire
  • Canote do selim em alumínio
  • Selim Selle Royal (uma verdadeira poltrona)
  • Pneu dianteiro e traseiro 26 polegadas x 1,90
  • Corrente Shimano
  • Freios V-brake Shimano Acera
  • Pedal de alumínio
  • Suporte do guidão de alumínio (MTB curvo), tipo Aheadset
  • Suspensão Pro Shock System modelo Ultra ER

    Este texto foi escrito por: Fabio Zander