Veículos com tração nas quatro rodas e mais eficiência em deslocamentos, foram pesquisados por europeus desde o final do século XIX. As “rodovias” daquela época não eram como as conhecemos hoje, e os automóveis e pequenos caminhões tinham que ser capazes de malabarismos dignos de uma prova de jipes, para chegarem em seus destinos.
A necessidade de sair dessas estradas e circular por regiões ainda mais difíceis, incentivava o desafio de encontrar soluções técnicas. Na França, surgiu em 1898 a marca Latil, que foi uma das primeiras a adotar a tração total.
Um século de existência
Somente na primeira década do século XX é que surge o primeiro veículo comercial com tração 4×4, um caminhão desengonçado que pesava 5.800Kg e era movido por um motor a gasolina de 40CV. Apesar do aparente primitivismo dos primeiros modelos, eles contavam com recursos mecânicos que até hoje são luxo de poucos modelos, ou apenas de protótipos, como direção nas quatro rodas com o uso de duas caixas de direção, diferencial central, blocantes de diferenciais e ainda guincho mecânico em alguns modelos.
A pesquisa levou outros países a criarem seus próprios modelos, como os Estados Unidos através da Marmon-Herrington, da Jeffery e posteriormente pela FWD – Four Wheel Drive, que vendeu mais de 15.000 unidades de pequenos caminhões 4×4 na Primeira Guerra Mundial. A Alemanha também fabricou modelos desenvolvidos por Daimler-Benz, e a Áustria utilizou um caminhão 4×4 projetado por Porsche.
Pois é, a tração 4×4 já está com seu primeiro século de existência.
Os estudos para implementar a tração nas quatro rodas seguia basicamente os interesses logísticos às aplicações militares. Não se pensava exatamente nos benefícios que o recurso podia trazer para o uso diário de pessoas comuns.
Curiosamente somente após a Segunda Guerra Mundial é que se passou a dar importância para seu uso civil. Na década de trinta, o exército americano deu início ao projeto de um caminhão de ¼ de tonelada, que se tornaria uma lenda. Em 1940 foi lançado o primeiro protótipo, que mais tarde seria o inspirador dos modernos 4×4, o velho e confiável Jeep.
A idéia é da Bantam
Nesta época aconteceu algo que até hoje não está bem esclarecido, pois a primeira fábrica a apostar no novo equipamento foi a extinta Bantam, que montou o primeiro protótipo do caminhão de ¼ de tonelada, seguindo o projeto original dos militares.
Após a primeira fase de desenvolvimento do projeto a fábrica perdeu o posto para Willys OverLand e para a Ford, que levaram todo o mérito da criação do Jeep. Que estranhos poderes fizeram isso acontecer, ninguém sabe ao certo, mas a Bantam merece o reconhecimento por ter vencido o desafio de montar com muita dificuldade o primeiro Jeep da história. O que passou passou, e hoje a maioria das pessoas conhece o Jeep como sendo criação apenas da Willys OverLand, o que não parece ser, pelo que sabemos, verdade absoluta.
Coisas da guerra
Na Segunda Guerra, o Jeep se tornou um herói dos combatentes, pela versatilidade e até pela simpatia que despertava entre os soldados. Naquela época o modelo não tinha chave de ignição, e era fácil emprestar um Jeep para um passeio rápido pelo território reconquistado, ou para ir até a cidade francesa mais próxima, com seus bares e charmosos cabarés.
O responsável pelo Jeep só tinha uma alternativa para evitar o furto, que era remover o cachimbo do distribuidor. Porém, o que parecia ser uma solução eficaz contra os furtos relâmpagos, era contornado por cachimbos reserva que alguns recrutas carregavam no bolso da farda, e dessa maneira ficava fácil colocar outra peça no lugar e dar um sumiço temporário no Jeep. Coisas da guerra!
A Alemanha pesquisava incansavelmente novas alternativas de locomoção 4×4, e curiosamente até nosso conhecido Fusca ganhou tração integral. Fizeram alguns protótipos mas a idéia não progrediu. Aliás, méritos ao super Fusca, que desde seu surgimento demonstra grandes aptidões para trafegar por terrenos acidentados, apesar da versão civil ser apenas 4×2. Ele foi e ainda é um dos veículos preferidos por quem não tem um 4×4, para deslocamentos fora de estrada em chácaras pelo interior do país.
Continuando nossa história sobre a origem da tração 4×4, vamos até o final da Segunda Grande Guerra. Neste momento o excedente gigantesco de veículos 4×4 dos aliados foi gradativamente sendo vendido a exércitos aliados de outros países e posteriormente repassados ao uso civil, espalhando desta forma a robustez e o novo conceito de veículo utilitário com tração nas quatro rodas.
Novo conceito
A história conta que a utilização para lazer dos jipes e caminhões 4×4 em geral, teve início entre as décadas de cinqüenta e sessenta. Mas existem registros de que já na Segunda Guerra a admiração que o jipe proporcionava seduziu outro mito, o controvertido Tenente-General George S. Patton, que tinha uma unidade GPW 1944 toda modificada para atender as suas exigências particulares, como pára-lamas extendidos, teto elevado, buzina a ar e faróis auxiliares.
Hoje este primeiro jipe descansa no Museu da Intendência em Fort Lee, Virginia/USA. Sem querer ele lançou moda!
Deste tempo pioneiro da tração 4×4 podemos destacar alguns modelos, que foram desenvolvidos a partir da plataforma dos valentes Bantam/Willys/Ford, como o Land Rover, a Patrol da Nissan, o Jeep propriamente dito, que ainda é fabricado sob licença pela Mitsubishi e pela indiana Mahindra e várias outras marcas ao redor do mundo. Confira alguns exemplos:
JEEP – Considerado como um herói de aço da Segunda Guerra Mundial, nasceu no exército americano, teve o protótipo fabricado a duras penas pela Bantam, e após a sua aprovação teve o contrato de fabricação em larga escala dado à Willys Overland e pouco depois também à Ford. Atualmente a marca Jeep pertence à empresa americana Chrysler.
LAND ROVER – Marca que nasceu da necessidade inglesa de um produto similar ao americano, foi concebido a partir dos conceitos mecânicos do jipe e hoje tem personalidade própria. É o único 4×4 com carroceria feita em alumínio, solução encontrada pelos idealizadores em função da falta de aço no mercado inglês na década de 40.
UNIMOG – Marca alemã que surgiu em 1948 para ajudar a reconstruir a Alemanha do pós-guerra. Seu primeiro objetivo foi auxiliar o homem nas lidas do campo, e por isso foi projetado para ser um “puro sangue” nas atividades fora de estrada. Hoje é fabricado de acordo com as necessidades do cliente, e infinitas são as versões possíveis para esse versátil utilitário, que é utilizado por empresas, exércitos e expedicionários.
Seu nome é a junção em alemão das palavras “UNIversales Motor Gerät”, ou Plataforma Universal de Força, o que mostra a finalidade para que foi concebido, trabalho pesado em qualquer situação. No mês passado foi lançada a nova linha 2000, que é robusta como os primeiros modelos, mas com o design do novo milênio.
TOYOTA – Marca que já comemorou 45 anos de Brasil, iniciou a fabricação de seus primeiros 4×4 em finais da década de 40, no Japão, após a captura de alguns jipes americanos. Iniciaram as atividades no Brasil fabricando dos valentes Bandeirante, derivado do consagrado Land Cruiser.
NISSAN – Desenvolveu seus primeiros modelos por volta de 1950 e criou nesta época o Patrol, super 4×4 que hoje é sinônimo de durabilidade e tecnologia. Veículo repleto de recursos para enfrentar os piores terrenos do planeta, tem um espaço interno invejável e é considerado o rei do deserto, pelos aperfeiçoamentos que o tornam especial para enfrentar os desertos da Ásia, África e Oriente Médio.
MITSUBISHI – Respeitada no mundo todo, seus modelos conquistaram também os brasileiros adeptos do fora de estrada, entretanto o que poucos sabem é que a Mitsubishi fabrica no Japão, sob licença, um jipe praticamente igual aos modelos CJ 3B da década de 50, só que equipado com motor diesel. Qual seria a aceitação dos brasileiros se esses modelos fossem comercializados por aqui?!
Pau-pra-toda-obra
Não foi somente para deslocamentos em áreas difíceis que esses veículos foram utilizados. Suas características de robustez mecânica e força foram muito exploradas nas mais diversas finalidades, e até a década de 70 no Brasil era comum acoplar a esses utilitários equipamentos como arados, bombas dágua, perfuradoras, escavadeiras, semeadoras, equipamentos de combate a incêndio, e toda uma variedade de implementos que os tornavam verdadeiros pau-pra-toda-obra.
Os tempos mudaram e a tecnologia se encarregou de equipar os modernos 4×4 com: tração integral permanente, direção hidráulica, freios ABS, Air Bags, motores turbinados, ar condicionado, vidros elétricos e até computador de bordo.
A idéia de se ter um veículo em condições de alcançar qualquer lugar ainda é a tônica. Mas hoje em dia o conforto não poderia ser apenas recurso exclusivo dos carros de luxo. Temos também uma crescente procura por modelos 4×4 para uso apenas urbano, ou para viagens realizadas basicamente em rodovias asfaltadas, forçando desta forma os fabricantes a oferecerem mais conforto e beleza, o que muitas vezes os obriga a sacrificar algumas aptidões típicas de um veículo fora de estrada.
Este texto foi escrito por: João Roberto Gaiotto, especial para o Webventure
Last modified: abril 4, 2000