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A história do montanhismo no Brasil

As primeiras ascensões às nossas culminâncias certamente ocorreram durante o período das explorações territoriais empreendidas pelos bandeirantes, cujo começo se deu no século 17. Entretanto, foi somente no século 19 que se iniciaram os primeiros registros de subidas em montanhas. Tais empreendimentos eram motivados por interesses vários, entre eles o pioneirismo, a pesquisa e os levantamentos topográficos. Na primeira metade do século 19 já se registravam subidas à Pedra da Gávea e às elevações da Serra da Carioca e Maciço da Tijuca, realizadas principalmente por ruralistas do ciclo do café.

A seguir, mas ainda de maneira incipiente, ocorreram ascensões importantes, como a de parte das Agulhas Negras em 1856, por José Franklin Massena, e a do Pão de Açúcar em 1817, esta última, ao que se sabe, feita por cidadãos estrangeiros, que utilizaram a via atualmente conhecida como Costão. Conta-se inclusive que a presença de uma bandeira de outro país tremulando no cume do penhasco teria ferido os brios dos alunos da antiga Escola Militar da Praia Vermelha, que, em sinal de protesto, repetiram a façanha, hasteando no local o pavilhão nacional.

Em agosto de 1879, um grupo de paranaenses realizou uma das escaladas pioneiras em nosso país, fruta da atração que tinham pelos prazeres da aventura e belezas naturais da região onde moravam. O responsável pela excursão chamava-se Joaquim Olímpio de Miranda, que, liderando o grupo, ascendeu ao pico mais elevado do conjunto da Serra do Marumbi. Formaram, com certeza, a primeira equipe de montanhistas do Brasil, com uma escalada bem planejada e em moldes esportivos. Como justa homenagem, o pico foi chamado Monte Olimpo, denominação derivada do nome do líder da equipe. Passado um ano, outra ascensão foi realizada nessa mesma montanha, tendo Olímpio novamente conduzido a escalada.

Antes do término do século, as Agulhas Negras (2.787 metros) – que ainda eram consideradas como o ponto de maior altitude do Brasil – continuavam sendo palco de algumas investidas. A mais significativa ocorreu em abril de 1898, e teve como protagonistas os cidadãos Horácio de Carvalho e José Frederico Borba. Mas, segundo se deduz dos registros da crônica jornalística, essas primeiras escaladas às Agulhas não chegaram a atingir o bloco de maior elevação do conjunto. O topo propriamente dito – local onde hoje existe uma urna com o livro de cume – só foi alcançado alguns anos mais tarde.

A conquista do Dedo de Deus – O verdadeiro desafio que se apresentava na virada do século só foi vencido no início da sua segunda década: o Pico do Dedo de Deus (1.675 metros), situado na Serra dos Órgãos, próximo a Teresópolis. Há muito considerado como inatingível, pois derrotara várias levas de veteranos montanhistas estrangeiros, acabou sendo conquistado por alguns teresopolitanos que, embora aficcionados das atividades ligadas à natureza, não tinham grande experiência em escalada. Eram eles: o ferreiro José Teixeira Guimarães, o caçador Raul Carneiro e os irmãos Acácio, Alexandre e Américo Oliveira. Contaram também com a preciosa colaboração do menino João Rodrigues de Lima, que percorria diariamente a longa subida até a base da escalada, levando comida para o grupo.

1º Clube no Brasil – Em 1° de novembro de 1919, fundava-se na cidade do Rio de Janeiro o primeiro clube de montanhismo do nosso país: o Centro Excursionista Brasileiro, fruto da iniciativa de uns poucos pioneiros. Como montanha-símbolo do CEB, foi escolhido o Pico do Dedo de Deus, que desde então figura no centro do seu emblema. Logo nos primeiros anos de existência, o clube já realizava inúmeras excursões, difundindo a nova atividade e congregando um crescente número de adeptos. Importantes conquistas foram feitas por seus associados, não só no município do Rio de Janeiro, mas também nas serras de Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo, até então pouco freqüentadas. Foi o CEB que iniciou, em 1926, a primeira publicação destinada à divulgação do excursionismo – o Excursionista – depois transformada em boletim interno.

Na década de 30, o CEB conquistava montanhas como a Pedra de São João, Pico da Glória, Escalavrado, Dois Irmãos de Jacarepaguá, Nariz do Frade, Pico do Papagaio da Ilha Grande, Garrafão, Dedo de Nossa Senhora, Morro da Pipoca, Pico Menor de Friburgo, Cabeça de Peixe, Segundo e Terceiro Dedinhos, etc., além de realizar a primeira Travessia Petrópolis x Teresópolis.

Nos anos 40, vencia o Morro dos Cabritos (Vale dos Frades), Coroa do Frade, Agulha do Diabo, Pico Grande de Magé, Três Marias, Nariz da Freira, Pico do Eco, Agulha das Duas Vertentes, Castelos do Tinguá, Pico do Diabo (Tinguá), Agulha do Itacolomi, Frade de Angra dos Reis, Corcovado de Friburgo, Bico Menor do Vale da Sebastiana, etc., bem como hoje a tradicional Face Leste do Dedo de Deus. Em 1944, criava a primeira Escola de Guias do Brasil.

As primeiras décadas – Certamente pelos sucessos do CEB, outros clubes passaram a se formar a partir dos anos 30, contribuindo para aumentar o número de montanhas e vias conquistadas, com um simultâneo aprimoramento das técnicas empregadas. Picos como o Itabira e a Pedra da Freira, ambos no Espírito Santo, o Pico Maior de Friburgo e a Chaminé Rio de Janeiro, esta situada na vertente sul do Corcovado – todos conquistados pelo Centro Excursionista Rio de Janeiro (CERJ) na segunda metade da década de 40 – são belos exemplos de um período notabilizado pelas grandes ascensões do escalador Sílvio Mendes.

Em 1949, o Clube Excursionista Carioca (CEC), alcançava o Pico do Frade de Macaé e, no ano seguinte, a Pedra do Peito de Pomba, no mesmo município. Na década de 50, o montanhismo brasileiro começou a ganhar projeção no exterior. O CEC empreendeu algumas expedições no continente sul-americano, trazendo as conquistas do Pico La Torre (Bolívia), Cerro São Paulo e Pico Brasil (ambos nos Andes Argentinos), além de uma ascensão ao Aconcágua; em 1957, duas montanhistas do CERJ conquistaram o Pico do Rio de Janeiro, também situado nos Andes Argentinos.

Ainda neste período, o CEB ampliava suas vitórias, atuando nos mais diferente locais: Cabeça de Cão (Serra dos Órgãos), Pico das Três Orelhas (Mangaratiba), Pedra do Picu (Itamonte) , Pico da Torre ou do Cone (Itatiaia), Pedra Selada (Visconde de Mauá), Morro dos Macacos (Maricá), Pedra Lisa (Campos), Pedra Azul (ES), Monte Belo (Tinguá), Pedra Manoel de Moraes (Trajano de Moraes) e Ponto Médio de Mimoso do Sul (ES).

Em paralelo, CEC empreendia conquistas como as da Chaminé Gallotti (Pão de Açúcar), Agulha Guarischi (Niterói), Pedra Bicuda Grande (Macaé), Pontões de Afonso Cláudio (ES) e Chaminé Cachoeiro (segunda e mais difícil via de escalada da Pedra do Itabira, em Cachoeiro – ES), enquanto o CERJ conquistava, entre outras, o Chaminé Brasília (Colatina – ES).

Últimas décadas – A partir do início dos anos 60, centenas de vias de escalada e caminhada foram – e continuam sendo – sucessivamente colocadas à disposição dos montanhistas para a ascensão de montanhas novas ou já conquistadas.

Esse amplo leque de opções que se abriu – impossível de ser aqui enumerado – deve-se, na sua quase totalidade, ao trabalho incessante dos clubes excursionistas do nosso Estado. Cumpre lembrar que, em 1962, extinguiu-se a União Brasileira de Excursionismo, criada em 1944 para congregar os clubes do país, mas que se mostrara incapaz de cumprir seus objetivos iniciais.

Da mesma forma, a Federação Carioca de Montanhismo, fundada em 1968, veio a ser dissolvida na década de 80. Com relação aos clubes, nem todos prosperaram, e, com o passar dos anos, vários acabaram fechados ou incorporados a outros. Nenhum desses fatos, porém, impediu que o Estado do Rio de Janeiro, representado pelos clubes que subsistiram, se firmasse cada vez mais como pólo irradiador do montanhismo no nosso país. muito contribuiu para tal evolução a favorável topografia fluminense, que apresenta uma gama enorme de importante maciços, vários deles situados no perímetro urbano e nos arredores de diversas cidades ou em locais de acesso relativamente fácil.

Hoje, há cinco Centros Excursionistas na cidade do Rio de Janeiro: o Brasileiro, o Rio de Janeiro, o Carioca, o Light, e o Guanabara. Em outras cidades do Estado, há o Petropolitano (Petrópolis), o Grupo Excursionista Agulhas Negras (Resende), o Serra dos Órgãos (Teresópolis), o Friburguense (Nova Friburgo) e o Parati (Parati). Em outros Estados, o montanhismo também mostrou e mostra uma vitalidade impressionante, sendo bastante difundido e praticado por grande número de entidades e grupos, seja em caráter amador ou profissional.

Podemos citar, em São Paulo, o C.E.Universitário e o Clube Alpino Paulista, tendo este último contribuído com importantes conquistas nos Andes, fruto da sua intensa atividade em alta montanha. No Paraná, historicamente o Círculo dos Marumbinistas de Curitiba e mais recentemente o Clube Paranaense de Montanhismo são entidades que muito contribuíram para o desenvolvimento do esporte, agregando muitos montanhistas com intensa atividade.

Constante também tem sido o desenvolvimento dos materiais e equipamentos oferecidos pelos fabricantes, acompanhando a evolução da técnica e as exigências do público consumidor. Tais fatores, aliados à crescente procura pela natureza, têm contribuído para ampliar o contigente de participantes da comunidade montanhística nacional. A partir da década de 80, um bom número de montanhistas – profissionais ou amadores – empreenderam importantes ascensões no Brasil e no exterior. Em 14 de maio de 1995 o Brasil chegava pela primeira vez ao cume do Monte Everest (8.848m) com Mozart Catão e Waldemar Niclevicz.

Em 1998, Eliseu Frechou e Márcio Bruno escalaram o big wall ‘Plastic Surgery Disaster’, em Yosemite (EUA), o primeiro big wall graduado em A5 repetido por uma cordada brasileira. A grande evolução técnica da escalada em rocha no país neste período pode ser exemplificada pela intensa e importante atividade dos escaladores Alexandre Portela e Sérgio Tartari, que empreenderam inúmeras conquistas e ascensões técnicas em paredes principalmente no Brasil e na Patagônia (Argentina). A conquista em 1987 do big wall Terra de Gigantes (A4+) na Pedra do Sino (RJ) e as inúmeras conquistas em Salinas (Friburgo RJ) foram marcos dessa atuação.

Datam do início do século XIX as primeiras manifestações de montanhismo do Brasil, havendo referências a uma inglesa que teria escalado o Pão de Açucar (395m), no Rio de Janeiro, 1817.

Em 1841 é registrada a presença do botânico inglês George Gardner na Pedra do Sino (2.263 m), no ponto culminante da Serra dos Órgãos. A primeira escalada ao Pico das Agulhas, ou Itatiaiaçu (2.787 m), em 1865, é atribuída a José Franklin da Silva. Em 1879 foi escalado o Pico do Marumbi (1.547 m), no Paraná, por um grupo liderado por Joaquim Olímpio de Miranda. Não se pode afirmar, contudo, que esses eventos tivessem qualquer conotação esportiva.

Montanhismo como esporte – O montanhismo como esporte no Brasil é bastante recente e, sem dúvida, está ligado diretamente à conquista do Dedo-de-Deus (1.675 m) por José Texeira Guimarães, o chefe da expedição, os irmãos Amércio de Oliveira Acácio, Alexandre e José e Raul Carneiro, em 09 de abril de 1912.

O Dedo-de-Deus é um dos vários monumentos geológicos da Serra dos Órgãos, região compreendida num setor da Serra do Mar entre as cidades de Petrópolis e Teresópolis e encontra-se nos limites do Parque Nacional da Serra dos Órgãos (PARNA-SO). O PARNA-SO é constituído, basicamente, de gnaisse arqueano, sendo alguns picos de granito.

A conquista do Dedo-de-Deus – Consta que no início deste século alguns alpinistas estrangeiros teriam tentado, sem êxito, escalar o Dedo-de-Deus, fato que chegou ao conhecimentos do ferreiro pernambucano José Texeira Guimarães, radicado em Teresópolis. Lançada por Texeira a idéia da conquista, se juntaram Raul Carneiro e os irmãos América de Oliveira a equipe.

Algumas incursões para reconhecimento do local foram realizadas pelo grupo, mas a investida final teve início na manhã de 06 de abril, tendo um dia inteiro de caminhada de aproximação e montagem do acampamento-base.

A chuva que caiu no dia seguinte (07) não permitiu qualquer avanço. Na manhã de 08 de abril, foram retomados os trabalhos e enfrentaram o primeiro desafio: um paredão de 12 m, com uma calha e fissura do lado direito, onde foram colocados dois grampos de arganel.

Com o auxílio de um tronco amarrado aos grampos, é vencido um lance e alcançado um pequeno platô. Mais 2 grampos são fixados e o mesmo recurso do tronco, e o paredão foi superado.

O lance seguinte, com 3 m e igualmente vertical foi vencido através de uma pirâmide humana, permitindo atingir a base de uma chaminé horizontal muito estreita, com 8 m de extensão, transposta com alguma dificuldade após a colocação de 4 grampos. Neste ponto foi preciso enfrentar um lance externo e bastante exposto que exigiu a colocação de outros 3 grampos aos quais amarraram o tronco, mas um obstáculo foi vencido.

Não bastasse a garoa, a tarde caiu e a noite apareceu. Não foi possível prosseguir. Retornaram então à base do primeiro paredão, onde em uma reentrância de pedra, se acomodaram para passar a noite. Na manhã do dia 09 de abril reiniciaram a escalda superando um a um todos os lances já vencidos anteriormente. Chegaram, finalmente, a uma chaminé bastante estreita mas de pouca dificuldade (arranca-botão).

Outra chaminé veio logo depois, esta em forma de V, sendo cravados 3 grampos no primeiro trecho e mais 2 no segundo. Com isso, conseguiram alcançar um platô muito amplo. Neste ponto já foi possível antever a conquista do cume, mas havia outro obstáculo, um paredão negativo de 4 m.

Colocando um grampo na base e outro a 1,5 m, fixaram a eles um tronco. Com auxílio de pirâmide humana, fizeram subir primeiro Alexandre Américo de Oliveira, o mais leve, que fixou o último grampo, possibilitando a subida de todo o grupo.

No dia 09 de abril de 1912, as 17hs, o Dedo-de-Deus fora finalmente conquistado. A via utilizada na época é hoje conhecida como “Via Texeira”.

Este texto foi escrito por: Centro Excurcionista Brasileiro