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A polêmica entre surfistas e pescadores no Rio Grande do Sul


Equipamentos de segurança deveriam ser mais adequados (foto: Arquivo Pessoal/ João Paulo Lucena)

Procurando regular um antigo conflito entre surfistas e pescadores nas praias do Rio Grande do Sul, no início deste ano, o Governo do Estado sancionou uma lei que estende de 400 metros para 2,1 quilômetros as áreas de surfe no litoral gaúcho e determina a adoção de equipamento de segurança pelos surfistas. Nas praias gaúchas, este é um problema gravíssimo e 49 praticantes deste esporte já morreram presos em redes de pesca desde 1978, sendo o último em novembro do ano passado

A lei, que se originou do Projeto de Lei nº 113/2010, do Deputado Estadual Fernando Záchia, não se limita ao surfe, mas determina a obrigatoriedade da demarcação das áreas de pesca, lazer ou recreação nos municípios com orla marítima, lacustre ou fluvial. Apesar de recém publicada, já está causando diversas polêmicas.

Atendendo a uma antiga reivindicação dos surfistas, o projeto repercutiu negativamente entre pescadores e o Ministério da Pesca, uma vez que, para os primeiros, a nova regulamentação inviabilizará a pesca familiar e gerará desemprego. Mas quem tem razão? Será que não há espaço para todos?

O certo é que os pescadores continuarão a pescar e os surfistas a surfar e temos aí a necessidade de ponderação entre dois valores ligados à vida: de um lado a proteção aos surfistas que exercitam o seu direito de acesso ao mar para prática de esporte, lazer e até profissão; do outro os pescadores profissionais que tiram do mesmo mar a sua subsistência.

Como as áreas de surfe devem ser demarcadas em zonas urbanas, os pescadores afirmam que é justamente nelas que historicamente criaram raízes e que é do mar que retiram a sua subsistência e de suas famílias. A primeira polêmica é sobre como vai ser feita a demarcação, se uma por município ou se uma por cada zona urbana, o que multiplicaria em muito o número de zonas restritas ao surfe.

Simulações e exemplos – O litoral do Rio Grande do Sul possui 622 quilômetros de extensão, o que , hipoteticamente, seria suficiente para criar 296 áreas contínuas para prática de surfe. Já o chamado litoral norte do Estado possui 112 quilômetros, possibilitando 53 zonas exclusivas de surfe lado a lado.

Por sua vez, na extensão de litoral total do Rio Grande do Sul, há apenas 17 municípios (Torres, Arroio do Sal, Terra de Areia, Capão da Canoa, Xangri-lá, Osório, Imbé, Tramandaí, Cidreira, Balneário Pinhal, Palmares do Sul, Mostardas, Tavares, São José do Norte, Rio Grande, Santa Vitória do Palmar e Chuí) o que contabilizaria apenas 35,7 quilômetros de litoral bloqueados para a pesca.

Ainda, considerando que nos 112 quilômetros do litoral norte do Estado onde se concentram a maioria dos surfistas são apenas 10 municípios, calculando uma zona de surfe por cada um teríamos 21 quilômetros para os esportistas e 91 para os pescadores.

O que causa dúvida é que nestes municípios existem outras zonas urbanas que consistem em praias e balneários e que somam várias centenas por todo litoral. Todavia a lei refere que as prefeituras é que deverão criar estas zonas de exclusão para pesca, não deixando claro se será uma para cada município ou uma para cada zona urbana, praia ou balneário. Qual a diferença que isto faz? Bom, somente o município de Arroio do Sal conta com 48 balneários.

O segundo ponto polêmico é que, assim como a nova lei estabeleceu restrições para os pescadores a fim de prevenir novos acidentes por afogamento, a mesma também estabeleceu responsabilidades para os surfistas, tornando obrigatória a utilização de equipamentos de segurança, mas sem especificar o tipo a ser adotado.

No Brasil, não há regulamentação legal para a prática de cada esporte especificamente, mas sim recomendações feitas por aqueles que são melhor organizados e por praxes adotadas pelos próprios praticantes. No caso do surfe não é diferente e se perguntarmos a um praticante qual o seu equipamento de segurança, ele provavelmente responderá que é apenas o “lash”, aquela tira de borracha que o prende pelo pé à sua prancha.

Ora, cá entre nós, isto é o mesmo que dizer que o equipamento de segurança de um velejador é o seu barco, o que de nada adianta se em um acidente ambos ficarem separados. Também ainda não ouvi dizer que um lash tenha salvo um surfista que perdeu a prancha, teve um mal súbito ou ficou enredado em uma rede de pesca, o grande perigo da costa do Rio Grande do Sul.

As agremiações surfistas como a própria Federação Gaúcha de Surf não costumam recomendar o uso equipamentos de segurança individual para os surfistas (na data desta coluna não constava nada no site), mesmo que isto já tenha sido adotado em praticamente todos os esportes náuticos, inclusive aqueles que, como o surf, também exigem grande liberdade de movimentos. Assim é o caso da vela em monotipos, do kitesurf, do windsurf, do wake board, do tow-in, do ski aquático e tantos outros que recomendam como obrigatório o uso de colete salva-vida.

Fazendo aqui um exercício de imaginação, e também uma sugestão, e tratando de proteger a sua própria vida, porquê um surfista não poderia portar como equipamento de segurança um pequeno canivete para cortar redes de pesca, lashes, plásticos, linhas, cabos e cordas – como se usa no canionismo, na escalada e no mergulho, ou um colete salva-vidas inflável, como alguns modelos minimalistas desenvolvidos para a vela e que sequer se consegue sentir quando estão vestidos? E quem sabe um modelo adaptado para o surfista combinando colete e canivete?

Novos equipamentos – Recentemente, a Mormaii desenvolveu trajes de neoprene para tow-in e wakeboard com colete salva-vida incorporado, o que poderia ser adequado também para o surfe, respeitando assim os movimentos de remada dos surfistas. Também, há pouco tempo vi na TV gaúcha uma notícia sobre o desenvolvimento de um wetsuit para surfe com dispositivo de segurança inflável para ser usado como flutuador e suprimento de ar de emergência.

Afinal, a necessidade é a mãe da invenção e sobram por aí criatividade e meios para desenvolver um equipamento de segurança adequado ao surfe. No caso do Rio Grande do Sul, isto não é mais opção, é lei desde janeiro último. Basta saber se os surfistas estão dispostos a assumir sua quota de responsabilidade na proteção da própria vida, mesmo que sacrificando um pouco da estética e do conforto.

Segundo a lei gaúcha, que já está em vigor e se aplica a todos sem exceção, estão definidas as responsabilidades para pescadores e surfistas. Especialmente aos últimos cabe o bônus de ter áreas exclusivas para a prática do surfe quanto o bônus de passarem a usar equipamentos individuais de segurança.

Veja aqui o texto integral da Lei Estadual gaúcha nº 13.660/2011, publicada no Diário Oficial 010, de 13/11/2011:

“Altera a Lei n.º 8.676, de 14 de julho de 1988, que determina a obrigatoriedade de demarcação das áreas de pesca, lazer ou recreação, nos municípios com orla marítima, lacustre ou fluvial.

O GOVERNADOR DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL.

Faço saber, em cumprimento ao disposto no artigo 82, inciso IV, da Constituição do Estado, que a Assembléia Legislativa aprovou e eu sanciono e promulgo a Lei seguinte:

Art. 1º – O art. 1.º da Lei n.º 8.676, de 14 de julho de 1988, que determina a obrigatoriedade de demarcação das áreas de pesca, lazer ou recreação, nos municípios com orla marítima, lacustre ou fluvial, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 1º – Os municípios que em seu território tiverem praias banhadas por lagoas ou rios deverão demarcar, nas áreas centrais de todos os seus balneários, no prazo de 60 (sessenta) dias, numa extensão de 450m (quatrocentos e cinquenta metros), os locais destinados aos desportos de diferentes modalidades, à recreação e ao lazer em geral.

§ 1º – Para os municípios que possuem em seu território praias banhadas por mar, a extensão mínima para a demarcação referida no “caput” deste artigo será de 2.100m (dois mil e cem metros).

§ 2º – Nas áreas mencionadas neste artigo, fica proibida a pesca profissional com redes, excluindo-se desta proibição a pesca amadora, praticada com linha de mão e caniços.

§ 3º – Para a prática do “surf” fica obrigatório, em todo o território do Estado do Rio Grande do Sul, o uso adequado de equipamento de segurança.

§ 4º – A Defesa Civil do Estado prestará informações, pelos meios de comunicação, quando as condições metereológicas não forem recomendadas para a prática do “surf”.

§ 5º – Caberá aos órgãos públicos competentes a sinalização das áreas referidas no “caput” deste artigo.”

Art. 2º – Esta Lei poderá ser regulamentada no prazo de 60 (sessenta) dias a contar da data da sua publicação.

Art. 3º – Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

PALÁCIO PIRATINI, em Porto Alegre, 12 de janeiro de 2011.”

Para saber mais:

Este texto foi escrito por: João Paulo Lucena