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A vida nas cavernas

por Cláudio Patto

As cavernas certamente estão entre os mais esplêndidos lugares para quem gosta de atividades ao ar livre. Se é que podemos chamar uma caverna de ar livre. Entrar em grandes salões no interior da terra é uma grande aventura. A vezes nem tão grandes assim, muito pelo contrário. E quanto menor e mais apertados maior é a aventura.

Passar por passagens estreitas, descer abismos, andar em desmoronamentos, ou transpor cachoeiras já é bastante radical quando fazemos a luz do dia. Acrescente agora a mais completa escuridão, aonde toda a luz disponível é a gerada por uma trêmula chama da carbureteira ou por uma fraca lanterna de pilha, que aliás já esta acabando. Definitivamente, visitar cavernas não é nada trivial.

Agora imagine viver dentro de uma caverna, se para quem passa algumas horas lá dentro já requer uma boa preparação. Até existem pessoas que passam dias, as vezes meses dentro de cavernas. Para passar tanto tempo precisam levar a lugares muitas vezes não muito fáceis de chegar uma super carga pilhas e carbureto, para fazer luz, e também de comida e as vezes de água. E depois têm que trazer de volta todo o lixo e restos (incluindo fezes) para fora, pois na caverna a decomposição é inimaginavelmente lenta.

Mas quando eu falo em viver dentro da caverna eu não estou pensando nestas pessoas que passam um tempo lá dentro, levando aqui de fora comida e luz artificial, para adaptar a caverna às suas condições de vida. Eu estou falando no que deve ser viver toda a vida dentro de uma caverna e nas condições que a caverna têm a oferecer. Impossível?

Não! Muitos seres fazem isto, em muitas cavernas que costumamos visitar. Se você se esforçar um pouco vai lembrar de ter visto alguns destes moradores de cavernas em alguma das suas visitas à casa deles. Lembrou? Mas o que têm de impressionante em morcegos, grilos, aranhas, bagres, centopéias ou aranhas? Afinal, não têm tudo isto do lado de fora também?

Têm sim, mas os que vivem do lado de fora são completamente diferentes dos do lado de dentro. Na escuridão total a vida é bem diferente. A visão, tão importante aqui fora já não serve mais para nada. Dentro da caverna a vida depende de se perceber outras coisas como os cheiros, os sons e o movimento.

Sem olhos – Então os animais das cavernas são como os seres da noite, como as mariposas e os gatos, que levam sua vida na escuridão? Não! Mesmo nas noites mais escuras sempre há um pouco de luz. No interior da caverna não há luz. Olhos já não servem mais para absolutamente nada. E a maioria dos seres que vivem só dentro das cavernas não os têm. Deixando de formar olhos, estes seres desviam energia importante da sua formação para outras funções, ao invés de desperdiçar com algo que não serviria para nada mesmo. Assim temos o grilo e o bagre cego que não tem olhos.

Cores para a camuflagem ou para conquistar a fêmea também são sem serventia nestes ambientes. Assim a maioria dos animais cavernícolas também não as têm. Em geral são esbranquiçados por não produzirem pigmentos de cor. Esta é mais uma forma de economizar energia no desenvolvimento para outras funções mais importantes. Por isto os grilos cavernícolas são amarelados pela falta de pigmentação e o bagre cego é branco rosado, por causa da sombra do sangue contra uma pele quase transparente.

Sexto sentido – Mas o mais impressionante não é a falta de coisas (olhos, pigmentos) e sim o super desenvolvimento de outras estruturas, que tornam estes seres ainda mais estranhos. Como os cegos que desenvolvem mais os outros sentidos, os seres que vivem na escuridão total também desenvolvem a habilidade de perceber outras coisas além da luz. Os mais facilmente notáveis são os sensores mecânicos de movimento e tato. Antenas, cerdas e bigodes. Os grilos cavernícolas têm antenas cinco vezes maior que o tamanho do seu corpo e o bagre cego têm bigodes de invejar qualquer um daqueles cantores de música mexicana com seus sombreros.

E para quem pensa que o problema a luz é a maior limitação da vida destes seres, aqui vai uma informação interessante. Com a falta de luz eles se viram. O problema é a falta de comida. Luz é a fonte primordial de energia para os seres viventes no nosso planeta. Com a luz, as plantas fazem fotossíntese. Os animais comedores de plantas comem as plantas “roubando” sua energia e os comedores de comedores de planta roubam novamente. Desta forma a energia vai passando de uma forma de vida a outra, mantendo todo o sistema funcionando. Acontece que dentro da caverna, sem luz, não ocorre fotossíntese e portanto não têm plantas para alimentar os comedores de planta… Toda aquela história se quebra logo no começo.

E aí? Como viver sem comida? Os animais que das cavernas vivem das migalhas do mundo exterior. Os rios que cortam as cavernas levam um pouco de material orgânico, incluindo bichinhos ou plantas arrastados, que servem de comida para os seres aquáticos de dentro das cavernas, como o bagre cego.

Os animais que as visitam, gambás, ratos, sapos e até mesmo nós ou os que usam as cavernas como abrigo freqüente, como os morcegos e andorinhões, levam detritos orgânicos lá para dentro, que é com o que estes seres vivem. As fezes dos morcegos e andorinhões são uma das maiores fontes de energia para o mundo cavernícola.

Miséria – Mas, mesmo com todo este excremento, lá dentro é um lugar pobre em nutrientes e a luta para conseguir alguma coisa para comer é extremamente dura. Principalmente nas áreas mais longínquas de uma caverna, onde nem os morcegos ou andorinhões vão. Mas não pense que só porque são os “detritos” que mantém os animais cavernícolas alimentados que você, visitante, poderá deixar lixo coisas piores lá dentro. Pode deixar que os outros animais cuidam disso naturalmente.

Visite as cavernas! Conheça-as. Veja suas estranhas formações geológicas. Estalactites, estalagmites, cortinas, colunas, velas, canudos ou flores. Mas também não deixe de reparar nas estranhesas das formas de vida que ai você vai encontrar. Não será nada nem de perto parecido com algo que você encontra por ai andando em uma floresta ou campo.

E se você já é um espeleólogo, ativo freqüentador de cavernas, permita-se admirar as formas de vida adaptadas a estes lugares. Será difícil você não admirá-los. Se não for pela beleza (em geral não são nada bonitos mesmo), que seja pela estranha vida que levam e que em parte você, amante das cavernas, inveja.

Este texto foi escrito por: Cláudio Patto