Entrada do parque: até moradores conhecem pouco (foto: Jurandir Lima)
Como quase todo mundo, eles escolheram lugares especiais para a virada para o ano 2.000. Austrália? Paris? Copacabana? Não: mato, água e gelo. Para ser mais específica, Parque Nacional Restinga de Jurubatiba, rio Macaé e o Aconcágua. O último, ponto culminante da América, serviu de cenário não só para o Réveillon mas para um recorde na vida do paulista Luiz Felipe Forbes: aos 17 anos, ele é o mais jovem brasileiro a escalar a montanha.
“Passamos o Ano Novo no acampamento-base e, uma semana depois, alcançamos o cume. Não senti tanta dificuldade, isso me surpreendeu um pouco”, conta o estudante, que também não teve trabalho para convencer os pais de sua empreitada, pois eles estão acostumados com o gosto de Felipe pela alta montanha.
Já o ambientalista Jurandir Lima foi bastante questionado pela idéia de passar um data tão importante dentro de um parque. Pior: dormindo no seu jipe, com os vidros fechados para não ser devorado por mosquitos. Estudioso das reservas nacionais, ele reservou o feriado para ir até Macaé, no Rio, e comemorou a virada entre lagoas, praias e muitas espécias de fauna e flora ainda não catalogadas. Trata-se do mais novo Parque Nacional da região Sudeste, criado em 24 de abril último, e explorado pela primeira vez em reportagem neste Aventura Brasil.
A seqüência de Réveillon radicais termina bem perto dali, com o desafio de Roberta Borsari, tricampeã brasileira de rafting, que encarou o rio mais selvagem de sua vida: o Macaé. “Havia corredeiras monstruosas, uma atrás da outra. Se tive medo? O tempo todo”, confessa. Roberta encarou as partes alta e intermediária do rio, mais nervosas do que a baixa, reservada às recentes descidas comercias.
Cada uma dessas experiências exóticas é contatada em detalhe neste Aventura Brasil. Quem sabe na virada do milênio não seja a sua vez de escolher um roteiro bem fora do comum…
O Réveillon de Felipe Forbes, de 17 anos, teve champanhe, música, muita comida e terminou às 3 horas da manhã. Tudo comum para um adolescente. A diferença é que ele estava a 4.300m, no acampamento-base da maior montanha fora do Himalaia, o Aconcágua (6.960m), na Argentina. Felipe foi convidado por dois experientes alpinistas brasileiros, Paulo e Helena Coelho, que viraram notícia depois de salvarem um português no Everest, mas colecionam investidas em alta montanha. Só para o Aconcágua, era a quarta viagem da dupla. Completavam o grupo Anja Oerst e Fábio Fagayver, atletas de corridas de aventura.
Felipe conta que escala desde os 12 anos. O primeiro contato com a modalidade foi num muro parede artificial durante um evento em São Paulo, onde mora. Depois, o estudante arriscou-se por rochas, a Pedra do Baú. Como o pai ia freqüentemente a trabalho para a França, Felipe tomou conhecimento da ‘escola francesa’ de alpinismo, conhecendo a alta montanha. Entre suas principais escaladas está a do Mont Blanc (4.807m). O Aconcágua sempre foi um sonho, que começou a se concretizar com o convite de Paulo e Lena.
O grupo chegou à montanha argentina, depois de passar por Mendonza e pelo lago Orcones, no dia 28 de dezembro. O primeiro acampamento foi aos pés do Aconcágua. “Dormi olhando para tudo aquilo, custando a acreditar que estava mesmo ali”, conta Felipe, que começou a ouvir piadinhas de outros montanhistas por causa da ‘cara de moleque’. Após um dia de descanso, seguiram para um ponto inferior à Plaza de Mulas, local do acampamento-base do Aconcágua, onde as expedições se concentram. Ali a altitude era de 4.200m e alguns companheiros estreantes na montanha começaram a passar mal. “Eu estava inteiro, até me supreendi um pouco”, diz Felipe.
A festa
A tática de Paulo e Lena para aclimatação dos ‘calouros’ era descansar um dia e subir no outro. “A aclimatação dos mais jovens, caso de Anja e Felipe, é mais lenta”, conta Helena. No quarto dia, véspera do Ano Novo, o descanso foi em Plaza, a 4.300m. “Eu sempre inventava alguma coisa para não ficar muito tempo parado. Neste dia tentei escalar uma montanha menor, à esquerda do Aconcágua. Parei quando tive de atravessar um greta enorme. Não quis me arriscar por estar sozinho e sem corda”, conta Felipe, com prudência incomum para os 17 anos, mas indispensável a qualquer aventureiro.
Na volta, a festa. Os brasileiros foram à barraca dos guarda-parques, mas havia muitas festas animadas para escolher naquele ambiente gelado. Lena reservou um momento especial. “Após o brinde, eu e o Paulo, que é meu marido, saímos da barraca e ficamos olhando o céu, deitados no chão. Ao contrário do Brasil, o céu no Aconcágua estava limpo e víamos mil estrelas cadentes. Fiz todos os pedidos que queria, a maioria relacionada à idas para as altas montanhas do mundo, que eu sonho em alcançar.”
Aproveitando a “balada”, Felipe e Anja foram os últimos a dormir e, ele confessa, sofreram para acordar cinco horas depois e partir para Nido (5.200m), carregando toda a bagagem nas costas. O grupo voltou à base, descansou mais um dia e tentou acampar em Nido na seqüencia, mas foi impedido por uma nevasca. A segunda tentativa de subir foi no dia 4. “A gente nem queria dormir no acampamento, partindo direto para o ataque, mas um de nós passou mal e ficamos mais um dia ‘bodiando’ em Nido”, relata Felipe.
Finalmente, na madrugada do dia 7, o grupo se dirigiu ao cume. Para o adolescente, a aventura começava pra valer: “Varamos a noite andando. Paramos em Berlim (6.300m), último acampamento, porque eu estava me sentindo mole, não respirava direito. Bebi água e melhorei”, recorda. “O próximo passo era chegar a um lugar chamado ‘Independência’, a 6.600m. Eu e o Fagyver já estávamos quase morrendo. A Lena ficava dizendo pra gente: estamos quase chegando, é ali atrás daquela pedra. E nisso se passaram quatro horas.”
Aproximava-se a parte final. “No Independência começava uma travessia onde o vento mal deixava a gente ficar em pé, mas todo mundo foi bem. Depois veio a Canaleta, que é o grande desafio. A subida é de pedras soltas, você pisa e afunda. Para se ter uma idéia, gastamos quatro horas para subir 300 metros”, relata Felipe. A chegada ao cume foi debaixo de neve e os quatro ficaram muito pouco por ali. “Mesmo assim, é difícil descrever o que passou pela minha cabeça. Estava muito cansado mas sabia que tinha conseguido, que era um recordista.”
Tobogã
A adrenalina continuou na descida. “A Anja e o Fagyver não estavam em condições de descer a Canaleta andando. Foram escorregando. Eu, que tinha ‘encanado’ em subir se grampão, fui em pé. Quando percebi, tinha ficado um pouco pra trás e saí correndo com medo de me perder do grupo”, lembra. Felipe conta que eles acabaram mesmo perdendo a trilha até Nido e, depois de tentativas vãs de achar o caminho, pediram ajuda por rádio aos guardas, que indicaram a trilha com a luz das lanternas. “Então foi tudo tranqüilo. Em dois dias estávamos no Brasil. Foi tudo tão rápido que demorei para ter consciência do que tinha feito”, conta.
A entrada em 2.000 foi tão boa que Felipe já faz planos para a nova escalada, no Carnaval, no Chile. E promete iniciar a namorada na modalidade. De volta à vida “normal”, ele ainda não virou um astro. “Nem na escola sabem que eu escalo, não fico comentando muito. Não tem muita gente da minha idade que encara isso.”
“Todo mundo quando era pequeno pensava: quantos anos eu vou ter no ano 2.000, o que eu vou estar fazendo? Eu pensava em onde estaria na passagem do ano, queria estar em um lugar muito especial”. Realizando seu desejo de criança, a canóista e rafteira Roberta Borsari escolheu uma entre tantas opções uma cidade pequena, com uma pousada a beira de um rio, sem telefone nem o computador que a acompanha diariamente no trabalho. Junto com outros 11 amigos, a atleta foi para o rio Macaé, no estado do Rio de Janeiro.
Não se trata de um simples rio. Pouco explorado, o Macaé é descrito como uma ‘montanha russa de água’, sendo de classe III+ e IV (a classificação dos rios no rafting vai de I, fácil, a V). “Não é que havia uma ou outra corredeira forte. Era pauleira o tempo todo, corredeiras monstruosas em seqüência nos 20km”, conta a atleta. “E o Macaé é especial porque é um rio limpo, com águas cristalinas e o visual externo é todo de montanha.”
O grupo desceu o rio todos os dias, de caiaque e bote. Em alguns momentos era improvisado um surfe no rio, dado o tamanho das ondas formadas pelas quedas d’água. Para Roberta, tratava-se do maior desafio na carreira. “Era como ganhar uma estrelinha. E era a primeira vez que eu enfrentava um rio difícil sem a presença do meu irmão, que estava na praia. Ele já tinha se machucado ali, então meu receio aumentava”, revela. “Tive medo o tempo todo, mas quando acabava cada descida eu saía contente.” A partir deste ano, o Macaé terá descidas comercias, mas estas serão feitas na parte baixa do rio. Roberta e os amigos encararam a parte alta e o meio, ainda mais selvagens.
O perigo era constante. “Por causa da força das águas, há muitos sumidouros. São buracos entre pedras, no fundo do rio, que a água atravessa. O vão é maior na abertura e depois afunila. Se alguém cai por perto, é sugado pela correnteza e pode ficar preso ali”, explica Roberta. Caldos não faltaram e ela chegou a se machucar. “Bati a cabeça e a boca em duas quedas. Fiquei assustada, principalmente com a última”, lembra. Uma das corredeiras “pauleira” do Macaé foi apelidada de “Beija” – o irmão de Roberta, Maurício Borsari, caiu do bote e ‘beijou’ a pedra. “Ainda bem que passei ilesa por essa. Mas mesmo as quedas não tiraram o brilho da viagem.”
Um Réveillon perfeito, para Roberta. “Foi aventura de verdade, daquelas em que a gente não pode vacilar porque as chances de acidente fatal existem. O rio, amigos e o verde. Tudo o que eu mais adoro na vida.”
por Jurandir Rosa Lima (chuiapoquens@uol.com.br)
Enquanto as pessoas escolhiam lugares famosos para passar o Réveillon do equivocadamente chamado “novo milênio” (o mesmo só começa em 2001), minha opção foi estar no Parque Nacional de Jurubatiba.
Localizado a noroeste do Rio de Janeiro, o P.N. envolve terras dos municípios de Macaé, Carapebus e Quiçamã. Devido a sua grande importância para a rede global de vida selvagem, a Unesco declarou, em 1992, esta região uma Reserva da Biofera. Mas somente em 29 de abril de 98 o governo brasileiro se manifestou, declarando-a como o mais novo Parque da região sudeste do Brasil. Eu teria o privilégio de, primeira vez, explorar o local em reportagem. Por isso a escolha de seguir com meu jipe até o lugar, pouco conhecido até mesmo pelos moradores das redondezas.
Considerado um dos ecossistemas de restinga mais notáveis de todo o planeta, o Parque é uma importante fonte produtora de matéria orgânica para os oceanos do planeta, ocupando uma faixa litorânea de 40km de extensão formada por várias lagoas. O local é usado como abrigo para várias aves migratórias, como os maçaricos. Para se ter uma idéia melhor da importância da Restinga de Jurubatiba, neste momento há cerca de 130 pesquisadores do mundo todo estudando a região. Trata-se de um gigantesco laboratório natural para pesquisa científica.
Devido ao pouco conhecimento que ainda se tem do Parque, muitas espécies de fauna e flora que se estendem pela restinga ainda não fora descobertas e algumas são endêmicas, isto é, só existem naquela região. Pesquisadores da UFRJ identificaram até agora a ocorrência de mais de 60 espécies de peixes.
Privilégio x Sofrimento
Diante deste espetáculo da natureza, não tive dúvidas em passar a virada do ano em pleno Parque. Nada de festa… Dormi dentro do jipe, com os vidros fechados. Lá pelas duas da manhã, quando tentei abri-los para ventilar o carro, um enxame de mosquitos entrou e quase fui devorado vivo. Acredite: tudo foi recompensado quando acordei pela manhã para ver e fotografar o primeiro nascer do sol do ano 2.000.
Fui contemplado pelo canto dos pássaros que pousavam ao lado do jipe e logo percebi que estar naquele lugar era um grande privilégio e não um sofrimento, como muita gente imaginava que fosse.
O único desencanto foi perceber que o Parque está sendo ameaçado pela grande quantidade de lixo depositado pelos moradores ribeirinhos ao longo do rio Macaé, que deságua no oceano Atlântico levando toda a sujeira. Com o movimento das águas, ela é levada para uma praia próxima a Jurubatiba. A ressaca do mar devolve o mesmo lixo para dentro do Parque. Gostaria de lembrar que boa parte desses dejetos é de material reciclável, como garrafas plásticas e latas de cerveja.
Se não for tomada providência, pode ser que este paraíso entre, no próximo Reveillon, em seu derradeiro século – ou década.
Este texto foi escrito por: Luciana de Oliveira