Neste texto, o consultor do Webventure Marcelo Krings faz uma reflexão sobre a causa dos acidentes de atividades turísticas em ambientes verticais. Na semana passada, morreu uma jovem cair de um um rapel na descida de uma caverna no Petar. Acompanhe e opine você também no Muro de Recados!
Acidentes acontecem, é verdade, mas afinal, o que é um acidente? Não vou buscar no Aurélio ou em outro dicionário de confiança, prefiro dar um significado “montanhístico” a esta palavra, se é que isto é possível.
Antes, porém, gostaria de pedir permissão a um explorador americano, Vilhjalmur Stefansson, integrante da expedição boreal do Karluk, no início do século passado, que tinha uma célebre frase: “aventura é sinal de incompetência”. Sou forçado a concordar com ele nesta assertiva, eu prefiro usar a palavra exploração no lugar de aventura.
Quem explora deve se preparar de todas as maneiras que estão ao seu alcance para realizar aquilo que se propôs, nem vou descrever todas as técnicas que um explorador polar, um astronauta, ou uma atividade vertical exigem de um ser humano. A lista que conheço não tem fim, seria perda de tempo.
Aventurar-se, por esta ótica, pressupõe um certo desconhecimento do que se tem pela frente, um certo despreparo e uma confiança na sorte ou na providência divina. No fim, o que difere o explorador do aventureiro é o detalhe do limite, seu limite, a hora de retornar, a analise de que não se esta (ainda) preparado para fazer e a sabedoria de reconhecer que na imensa maioria dos casos a natureza vence e não é aconselhável tentar desafiá-la.
Um acidente, assim, poderia ser interpretado como o despreparo para realizar uma atividade qualquer que, no fim da linha causou alguma ação não prevista, com resultados normalmente desagradáveis e inesperados. Sim, acidentes acontecem, mas a imensa maioria é evitável, e são causados por um trinômio inseparável: desrespeito às normas básicas de segurança; auto-confiança e improvisação.
Qualquer deslize, qualquer erro nesta cadeia aumenta consideravelmente a possibilidade de erro e acidente. As variáveis deste trinômio são incontáveis, façam uma simulação, que tipo de coisa poderia dar errado durante um rappel? E em lançamento espacial? Ou então atravessando a avenida 23 de Maio então?
Tenho ojeriza à banalização, de qualquer coisa, de sexo a rappel na ponte. A preparação é importante, o treinamento é essencial, o motivo não pode ser banal, ele tem que acrescentar algo a mais do que a dita “adrenalina radical”.
Quem rapela tem que ter controle total da atividade que esta realizando, senão é um aventureiro. O mesmo para qualquer esportista. Um principiante, em teoria não deve se furtar de atividades, mas o seu crescimento deve ser gradual, testando e ampliando limites em busca de um auto-conhecimento, um conhecimento do material utilizado e das técnicas que se pretendem utilizar. O crescimento gradual se dá por uma única via, instrução, aprendizado, cursos especializados e treino, muito treino.
Qualquer pessoa em um abismo deveria ter um sistema de trava quedas, um simples prussik, por exemplo, ou outro instrumento mecânico. É simples, é barato, mas é necessário saber fazer o prussik e aplicá-lo corretamente na corda de descenso.
A chamada segurança “de baixo” funciona, mas a atenção é fundamental, qualquer distração e o triângulo da desgraça te pega.
O assunto é extenso, as novas regulamentações em si são um avanço importante, mas um papel com letras e assinaturas não resolvem de uma hora pra outra a segurança. Estas novas normas solicitarão habilidades, mas precisam também habilitar os instrutores, aqueles que, por reconhecido saber, podem formar outras pessoas para realizar com segurança as atividades de campo.
Do mesmo modo fechar parques, proibir atividades ou outras arbitrariedades, não representam nenhum tipo de avanço. As autoridades dos parques devem solicitar com urgência urgentíssima às federações estaduais um regulamento mínimo para a prática de determinada atividade.
Este é um papel que as federações podem assumir, e que não devem, de modo algum, ser direcionadas para a burocracia de gabinete, que tem poder, mas não detém o expertise nesta matéria.
Além de solicitações formais deveriam estar incluídos os currículos dos praticantes, dos condutores (como todos os cursos que realizou) uma revista minuciosa do equipamento que será utilizado, uma verificação minuciosa do roteiro e do equipamento de emergência e a assinatura de termos de responsabilidade pela atividade que se esta realizando.
Competência – Não adianta inserir nesta seqüência a obrigatoriedade de guia local, esta definitivamente não é a resposta, um guia, local ou não, como o mesmo treinamento e com a mesma bagagem aos meus olhos valem a mesma coisa. Ser local ou ser da cidade vizinha não torna ninguém mais competente para realizar qualquer atividade, treinamento torna pessoas competentes, estudo torna pessoas competentes, prática torna pessoas competentes.
Sempre bati na tecla da educar e conscientizar para depois praticar. Este é o papel dos clubes de montanha, das associações de espeleologia das federações estaduais de montanhismo e da flamante Confederação Brasileira de Montanhismo e Escalada.
Se os nossos cursos forem bons e a nossa prática também, estaremos formando multiplicadores, pessoas tecnicamente capacitadas a seguir nossos passos na montanha, na caverna e muito possivelmente ir além.
Este texto foi escrito por: Marcelo Krings
Last modified: setembro 16, 2005