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Aconcágua: aclimatação em Vallecitos


Refúgios em Vallecitos. (foto: Arquivo pessoal)

Acompanhe mais um relato exclusivo do alpinista Vítor Negrete, que se prepara para escalar a via Glaciar dos Polacos, no Aconcágua

Direto da Argentina – Vallecitos é um ótimo lugar para aclimatação. Fica perto de Mendoza, é bonito e existem diversos acampamentos. Para chegar lá pegamos a mesma estrada que leva à República do Chile e ao Aconcágua. Saindo da estrada, à direita, pega-se uma subida, inicialmente de asfalto e depois de terra, até o Refúgio de la Universidad Nacional de Cuyo.

A aclimatação é o processo de transformações fisiológicas para que o organismo possa funcionar na alta montanha. O ponto principal da aclimatação é o aumento do número de glóbulos vermelhos para compensar a pressão parcial de oxigênio, que é inferior. Traduzindo: à medida que você sobe uma montanha, sente falta de ar e dificuldade para respirar; o corpo leva um tempo para se adaptar a esta situação e existem esquemas para promover a aclimatação.

O esquema mais comum chamado de serrote, pode ser resumido em: andar alto e dormir baixo. Você caminha para cima, desce, dorme e descansa um dia. Depois do dia de descanso, sobe e dorme no lugar até onde você tinha subido caminhando, ai repete tudo novamente até ir se acostumando.

O desnível entre um degrau e outro não deveria ultrapassar os mil metros. Uma pessoa que sobe direto provavelmente, a não ser que seja um super-homem, vai sofrer do mal da montanha, que engloba náuseas, falta de apetite, insônia, dor de cabeça e pode levar ao edema pulmonar e cerebral, podendo, inclusive, causar a morte.

Segunda opção – Outra opção para a aclimatação é passar um período maior, alguns dias em um lugar alto e caminhar, sempre dormindo no mesmo lugar, esta forma de aclimatação demora mais, mas causa um desgaste menor. Muitos alpinistas sobem bem alto nos acampamentos da montanha e antes do ataque ao cume descem tudo até um lugar confortável e rico em oxigênio para dar uma descansada e uma “bombada” na aclimatação, com a descida para dormir baixo.

A aclimatação é uma equação que deve equilibrar o binômio desgaste físico e adaptação a falta de oxigênio. Muitas vezes, você acaba fazendo a aclimatação que consegue, pois isto leva tempo e nem sempre temos o tempo para uma aclimatação ideal.

Cada pessoa tem a sua maneira, suas sensações e o conhecimento de como o seu corpo funciona, a experiência de entender o que o seu corpo está dizendo nesta situação adversa, ajuda muito. Acho que um dos maiores desafios da montanha é a ansiedade: por causa dela adultos podem se comportar como adolescentes antes da primeira trepada…

Bem, voltando a Vallecitos… Acho legal dormir um dia na altura do Refúgio da Universidade. No dia seguinte, nós dormimos no acampamento de Piedra Grande. Para chegar lá, pulamos o acampamento de Las Vieguitas, que fica em um grade campo aberto e verde com vacas pastando. É lindo, mas cuidado com as vacas: várias pessoas já tiveram suas barracas destruídas por elas, à procura de comida.

Piedra Grande também possui excelentes lugares para acampamento e se estiver com pouca gente pode-se encontrar lugares ao lado de pequenas cavernas de pedra, ideais para se abrigar do vento e cozinhar.

Decidimos ir direto para Piedra Grande para ganhar tempo e diminuir a jornada do dia seguinte que é um pouco larga desde Las Vieguitas. Montamos a barraca, comemos alguma coisa, caminhamos para cima e descemos para dormir.

El Salto – No dia seguinte, subimos até o acampamento El Salto, que fica a 4.100m. Existem vários lugares para acampamento. Neste ano um dos Refúgios de baixo montou uma barraca restaurante onde podem ser compradas comidas, refrigerantes, vinho e cerveja. A garrafa de vinho custa 8 pesos e o lomito, sanduiche de carne, custa 10 pesos. O valor em Reais está equivalente.

O Osvaldo, que não vai para o Aconcágua, queria detonar para cima, mas eu queria fazer uma aclimatação sem desgaste para a Expedição para o Glaciar dos Polacos. Chegamos a um acordo. Dormimos no Acampamento de El Salto e, no dia seguinte, subimos pelo gelo e escalamos uma paredinha de gelo de 60 graus até o acampamento acima de El Salto.

Descemos, desmontamos tudo e voltamos até Mendoza. Isto foi no dia 29 de dezembro. No dia 30, fomos de carro até Los Penitentes, próximo à entrada do Parque do Aconcágua e, no dia 31, pedalamos 165 km da entrada Horcones do Parque do Aconcágua até Santiago, no Chile.

Rota da pedalada – No fim, acabamos correndo um pouco na montanha para poder pedalar até o Chile e para que eu não me desgastasse muito. Chegamos até 4.500m de altitude na montanha. A rota que seguimos fica no Cordon Del Plata e leva a diversos cumes: San Bernardo, Vallecitos, Rincon e El Plata, o principal, com 6.100m.

Neste ano, a escalada para El Plata estava bem difícil, com ventos fortíssimos. El Plata é uma montanha muito cotada para os argentinos e encontramos diversos grupos e adolescentes, alguns deles com equipamentos bem ruins, mas tudo vale, desde que você saiba o momento de voltar com segurança, e todos pareciam saber.

Antes da escalada da Parede Sul do Aconcágua, que fiz com Rodrigo Raineri em 2001, escalamos a Super Canaleta do Cerro Rincon, em Vallecitos. Uma via alucinante, uma canaleta de gelo com mil metros de desnível, com passagens de gelo duro e um mistinho (rocha e gelo) no final. A descida acabou sendo animal, mas isto é outra história…

Este texto foi escrito por: Vitor Negrete