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Ainda sobre o Everest

Redação Webventure/ Montanhismo

Paulo Coelho  em foto tirada a 8.300m no Everest (foto: Helena Coelho)
Paulo Coelho em foto tirada a 8.300m no Everest (foto: Helena Coelho)

Nesta coluna, a montanhista Helena Coelho, recém-chegada da última temporada no Everest, conta o que pensa da escalada com e sem oxigênio suplementar, questão polêmica entre os montanhistas que vão para picos acima de 8 mil metros. Fala também da colocação de cordas na montanha, de como os escaladores são obrigados a pagar sua colocação, demonstrando que a maior montanha do mundo está cada vez mais comercial.

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A temporada de escalada – primavera/2005 – no Everest neste ano foi uma temporada atípica e com inúmeros problemas que merecem uma reflexão mais aprofundada. Claro que nem tudo foram problemas; conhecemos mais escaladores que pretendiam subir sem uso de cilindros de oxigênio e que acabaram não subindo na montanha por causa dos ventos fortes e conseqüentemente muito mais frio que poderiam causar congelamentos variados.

Gente que estava lá para subir sem cilindros de oxigênio e sem sherpas, que são os guias e carregadores locais; é claro que subir sem sherpas é muito mais difícil, você tem que “suar a camisa” levando seu material para cima, montar a barraca, fazer água, tomar as decisões… enfim, você é quem escala e não o sherpa… Mas, isso é o esporte.

Quanto a usar oxigênio, já é sabido que se você usa cilindro é como se você estivesse escalando uma montanha com 2 mil metros de altitude a menos. É subir o Everest com gosto de Aconcágua.

Sem oxigênio – Às vezes, as pessoas perguntam para mim se escalar com cilindros de oxigênio é uma questão de ter mais ou menos dinheiro. A resposta é óbvia: isso não é uma questão de se ter dinheiro, mas sim de estilo de escalada. Também me perguntam se eu não vejo mérito numa escalada com cilindros de oxigênio; se eu não estaria é com inveja de quem chegou no cume, mesmo usando oxigênio.

Para deixar bem claro, não quero aqui ditar regras para ninguém, pois cada um é cada um, mas, sim, expressar a minha opinião. É bem verdade que para alguns é bastante meritório o fato de subir o Pão de Açúcar de bondinho, mas, a minha pergunta é: o que isso acrescenta para o montanhismo?

Subir uma parede de top rope ou subir guiando, não é uma questão de ser rico ou não, mas sim uma questão de preparo técnico e físico. É claro que eu vejo mérito em atravessar uma piscina com bóia para uma pessoa que não está preparada para nadar, mas, isso acrescenta o que ao esporte?

E, respondendo à pergunta, penso, de verdade, como uma escaladora austríaca que lá estava também pela terceira vez, tentando sem cilindro de oxigênio e sem sherpas, que já escalou alguns oito mil, ou outra que estava lá pela enésima vez no mesmo estilo: se não der, não subiremos. Não somos favoráveis a chegar ao cume custe o que custar; para nós, importa e muito como você chegou lá.

Outras questões nos remetem ao uso de cordas fixas que cada vez mais estão presentes no Everest, ao ponto de muitas pessoas não subirem enquanto elas não forem colocadas.

Nós sempre levamos a nossa corda conosco, assim como pregos de gelo e estacas. É um peso a mais nas costas, porém, preferimos preservar a nossa autonomia na escalada. E, se em algum momento precisarmos, a nossa corda estará ali ao alcance.

Nesta temporada, assim que chegamos ao acampamento base – 5200 m de altitude – fomos informados pelo oficial de ligação da TMA – Tibetan Mountaineering Association – que teríamos que pagar pelas cordas fixas, sem o qual não poderíamos subir para o acampamento base avançado.

Não adiantou argumentar, eles disseram que não havia como passar daquele patamar sem pagamento. E que neste ano quatro expedições comerciais haviam se unido e que colocariam cordas boas em toda a extensão. Como nós já conhecíamos uma delas de outras temporadas e sabíamos que eles sempre cobravam de todos mas que nunca instalavam as cordas antes que seus próprios clientes subissem, dissemos que se a TMA estava nessa jogada, caso as cordas não fossem instaladas até que subíssemos, iríamos querer nosso dinheiro de volta… a não ser que a contribuição fosse livre.

Bom, novamente aconteceu. Havia, do lado do Tibet, umas 300 pessoas fora os sherpas na montanha; portanto, seriam arrecadados mais ou menos US$ 30.000. Dinheiro mais do que suficiente para as cordas e para o pagamento dos sherpas que fixassem as cordas. Pensei até que as pessoas que tinham contratado sherpas, deveriam pagar por eles também, pois, eles usam e bastante as cordas fixas. Mas, não somos vozes importantes lá para exigir isso.

Quando chegou por volta do dia 17 de maio, as pessoas de várias expedições queriam aproveitar o dia 20 que talvez fosse um bom dia para subir. Mas, e as cordas? Mal chegavam no acampamento 3 e o líder da maior expedição comercial, o Sr. Russell Bryce, disse que não mandaria seus sherpas lá para cima porque o tempo não estava bom e ele não arriscaria a vida deles.

Oras, é claro que isso era apenas desculpa, pois, em nenhum dos anos anteriores ele os mandou antes para isso, sempre esperava o dia que os clientes da expedição dele fossem subir para fixar as cordas. Não queríamos arriscar a vida de ninguém, mas, como eles se comprometeram e nos obrigaram a pagar, por que não mandaram fixar as cordas no mês de abril quando ainda havia tempo relativamente bom para fazer esse trabalho?

Isso é uma das artimanhas que as expedições comerciais fazem para ganhar ainda mais o dinheiro das cordas – agora com o aval da TMA que acaba oficializando a comercialização da montanha pelas expedições comerciais, tornando privativo um espaço que é de todos. E ainda, os líderes de algumas expedições comerciais dizem com maior cara de pau que os problemas na montanha ocorrem por que há os alpinistas independentes … É demais da conta!

Claro que se não houvesse as cordas, quem subiria? Os escaladores, claro. Porém, não somos favoráveis a fechar a montanha apenas para os escaladores; as montanhas são espaços maravilhosos que devem ser desfrutados por quem queira. Mas, também não queremos que as expedições comerciais mandem no espaço.

No Rio de Janeiro, temos duas montanhas – o Pão de Açúcar e o Corcovado – onde é preservado o direito dos escaladores e também dos turistas, com facilidades para estes chegarem ao cume. O que mostra que não somente escaladores chegam ao cume, os turistas também podem apreciar o visual maravilhoso de lá de cima.

Um outro problema que lá tivemos, foi subir para os acampamentos de Colo Norte e C2 e verificar que não havia espaço livre para colocarmos nossas barracas, pois, as expedições comerciais mandam os sherpas na frente e fazem um cercado de cordas delimitando o espaço que eles irão usar com as barracas deles.

Se eles subissem e montassem as barracas, certamente sobrariam espaços, mas, como eles fazem cercas, usam mais espaço do que realmente precisam. E pior, com que corda alguns deles fazem a cerca? Já sabem, com a corda que nos obrigaram a pagar.

Mas, continuando a ver mais sobre essa temporada. Observei com tristeza que a previsão de tempo substituiu a ação dos montanhistas. Numa temporada qualquer anterior, não importando se o tempo era bom ou ruim, os montanhistas subiam e desciam a montanha, montando os acampamentos de altitude e experimentando a montanha. Desta vez, não.

Ficavam nos acampamentos e mesmo nas cidades mais próximas, apenas telefonando e olhando nos computadores para ver a previsão; como não era boa, ficavam por aí e não se experimentavam as subidas, não se sentia o gosto do vento, não se sabia a textura da neve, não se trilhavam os caminhos, não se aprendia sobre a montanha, não se sentiam as reais dificuldades.

Ainda bem que, pelo menos, para as pessoas que ficavam nos acampamentos, pode-se transitar bastante e conhecer gente interessante de muitas partes do mundo.

Este texto foi escrito por: Helena Coelho

Last modified: junho 22, 2005

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