Provas diferentes passam pelos mesmos problemas (foto: Alexandre Carrijo)
A cena multisport está crescendo no Brasil. Nesse final de semana tivemos a realização da terceira edição do Multisport Brasil em Florianópolis (SC), no sábado (14) e no domingo (15), uma prova chamada Circuito Radical, realizada em São Carlos (SP), e transmitida ao vivo dentro do Esporte Espetacular, da Rede Globo.
Recentemente tivemos a participação de um brasileiro no Coast to Coast, na Nova Zelândia, o Campeonato Mundial da modalidade. E em 18 de julho haverá a segunda edição do Brasília Multisport.
Em comum entre todas elas, são as modalidades de corrida, canoagem e ciclismo. Além disso, a possibilidade de proporcionar às pessoas desfrutar da natureza praticando esportes outdoor.
O Coast to Coast é um evento singular e que deu origem às corridas de aventura. Existe há 27 anos, conta com cerca de 800 inscritos por ano, oferece aos atletas a chance de percorrer os 243 km de uma costa a outra do país em um ou dois dias, e movimenta em torno de 8 milhões de dólares em termos de incremento no turismo da região que hospeda o evento.
Após obter a 4ª colocação no Campeonato Mundial de Corrida de Aventura Ecomotion/ Pró 2008 -, com a equipe Oskalunga Sundown, o atleta Guilherme Pahl dedicou dois meses de preparação específica para encarar o Mundial de Multisport pela segunda vez. Em 2006, o atleta já havia participado do evento e sabia das dificuldades que encontraria. Por isso, dedicou-se à canoagem, já que essa modalidade além de força exige elevado nível técnico do atleta que luta por boas posições no C2C.
Apesar de todo o treino no Lago Paranoá, nos rios Paranoá e São Bartolomeu (em Brasília) e também no Waimakiriri, o rio do percurso da prova, foi na canoagem que Guilherme teve mais dificuldade para manter-se entre os primeiros colocados.
A Estratégia – Eu também viajaria para acompanhar a prova e ajudar na estratégia do atleta brasiliense. Nós dois treinamos no percurso da corrida de montanha e da canoagem de rio por duas vezes na semana que antecedeu a competição. Foi decidido que a melhor estratégia seria poupar energia na primeira metade da prova e chegar no estágio do caiaque sem excessivo desgaste para poder remar com potência e estabilidade.
Na largada, a idéia era acompanhar o pelotão da frente no primeiro estágio de ciclismo e caso houvesse uma fuga de poucos atletas, ela não deveria ser seguida. O negócio era esconder-se do vento e aguardar o fim dos 55 quilômetros de “bunch ride”.
Houve uma fuga de um único atleta que não foi seguido por nenhum outro. Esse ex-remador olímpico da NZ conseguiu abrir 7 minutos para o pelotão principal onde estava Guilherme junto às feras do mundo da aventura como Gordon Walker, Marcel Hagener e Wayne Oxeham
A corrida de montanha começou frenética em uma bela manhã de céu azulado. Os atletas escolhiam o melhor local para a primeira das muitas travessias de rio. Uns passando com água pela altura do joelho e outros entrando até o peito na água. Todos aproveitam para beber da água do rio e muitos deixam de levar reservatório de líquido nas costas fiando-se apenas na água que encontrariam nos 33 quilômetros da corrida.
A organização transporta os jornalistas de helicóptero para dois pontos da montanha, Big Boulders e Goat Pass. No primeiro, vemos os atletas pulando entre grandes blocos de pedra e escolhendo cada um por si a melhor rota no Deception Valley. Em Goat Pass é o ponto mais alto da corrida, atingindo cerca de 1080 m e onde passa do vale do rio Deception para o vale do rio Minga. É praticamente só downhill dali para frente, mas muito técnico com pedras escorregadias, raízes por todos os lados e altas erosões para serem transpostas.
Guilhereme passou em Goat Pass na nona colocação a 12 minutos do líder. Excelente posição, considerando que ele parecia confortável com o ritmo e com o rosto relaxado. Passei essas informações para ele e lembrei-o: “Vai com calma, pois tua corrida só começa na canoagem”.
Esse era mesmo o plano. Quanto melhor fosse no trecho de canoagem, mais chance ele teria de atingir o Top 10 da prova. O helicóptero nos levou para a área de transição e aguardamos a chegada dos primeiros. Gordon Walker chegou 15 segundos atrás do primeiro colocado, mas com o melhor tempo entre todos naquela modalidade. Sinal de que todo seu favoritismo era merecido e de que ele não iria mesmo dar chance para o azar. Os atletas chegaram da corrida, pegaram a bike para um curto trecho de 15 quilômetros que os leva para a entrada do rio.
Poupando Energia – Nesse momento, Guilherme encontrava-se na 14ª posição a 33 minutos do líder e bem à frente das primeiras mulheres. A canoagem definiria a sorte do brasileiro na prova. Com muitas dificuldades para acompanhar o ritmo daqueles que vinham atrás, Guilherme perdeu 16 posições na canoagem e foi ultrapassado por Emily Miazga, que viria a sagrar-se tricampeã horas depois. O esforço foi tanto para manter-se no vácuo de outros barcos que ele teve dois swims , ou seja, virou por duas vezes. Além da perda de tempo, a perda de confiança e a sensação de frio (a água é de desgelo e os ventos estavam constantes no dia) minaram o progresso do atleta. Ele completou em mais de 6 horas o trecho de 67 km, isso representa cerca de uma hora a mais do que a grande maioria dos atletas de ponta.
Sentindo o desânimo pela perda das posições e vendo o sonho de finalizar entre os top 10 esvair-se, Guilherme foi para o pedal final de 70 quilômetros com muito vento contra. Chegou na 30ª posição geral e a apenas 12 segundos à frente de Jill Wenstera, famosa atleta neozelandesa que já venceu a prova 4 vezes de forma consecutiva. Ela esteve no Brasil no Ecomotion 2006 com a equipe Go Lite, e nesta edição retornava ao Coast to Coast aos 44 anos. Jill obteve o melhor tempo na canoagem feminina e chegou com grande vantagem sobre a terceira colocada, Elina Ussher.
Apesar de tudo, terminar em 30º entre os quase duzentos atletas da elite é um feito respeitável. Para se ter uma idéia de quanto é específica a prova, o primeiro neozelandês da ilha do norte a vencer a prova foi Neil Jones em 1996, treze anos após a primeira edição. Se os próprios compatriotas que moram afastados do local da prova sentem dificuldades com o terreno, imagine quem está do outro lado do globo e treinou no percurso apenas algumas poucas vezes na semana anterior à largada. A grande lição que fica é que nós brasileiros precisamos melhorar muito nossa cultura de canoagem se quisermos ser bem sucedidos no Campeonato Mundial de Multisport, o Coast to Coast da Nova Zelândia.
O Multisport Brasil, realizado pela terceira vez em Florianópolis (SC) no último dia 14 de março, aconteceu com algumas alterações em relação aos dois eventos anteriores. Reunindo cerca de 115 atletas na linha de largada, a prova desse ano exigia o uso obrigatório de mountain bike, ao contrário dos anos anteriores onde o caminho era todo pavimentado e speed bikes eram permitas. Com isso, a prova ganhou em beleza. E olha que beleza no percurso não falta em Floripa !
Outra importante alteração foi na estratégia de sinalização da prova, motivo de crítica de atletas que se perderam na edição 2008. Esse ano havia um bom número de staff uniformizados que foram colocados em cada virada do percurso, garantindo que os atletas precisassem apenas fazer força. Os problemas com atletas perdidos reduziram muito, mas não acabaram.
Houve atleta que na transição da primeira perna, de MTB, para a segunda, de corrida, errou a direção e ao invés de seguir para a Lagoa da Conceição para pegar o caiaque, seguiu na direção oposta retornando à largada. Mesmo o vencedor Alexandre Manzan teve alguns pequenos problemas em seguir no caminho certo.
Navegação x Orientação – Se por um lado a organização deve garantir um percurso seguro e bem sinalizado – já que o multisport não demanda orientação com mapa e bússola – por outro lado expõe uma demanda inexorável por parte dos atletas que competem provas de multisport: navegação.
Não é um contra senso. Sim, eventos multisport não demandam orientação. Contudo, demandam navegação, e não é a mesma coisa. Os conhecimentos necessários para orientação envolvem interpretação de cartas topográficas, utilização de bússola e altímetro. Já navegar é bem mais simples e apoia-se basicamente nos sentidos: olhar e escolher o melhor caminho. Vamos a um exemplo: subindo uma ladeira íngreme cheia de buracos, pedras soltas e lama o atleta é obrigado a navegar para achar a melhor rota e manter-se pedalando. A fita da organização pode estar ao lado de toda a extensão da estrada, mas mesmo assim o atleta está navegando.
O ponto onde quero chegar é que o atleta dentro de uma prova de multisport não pode renunciar à necessidade de informar-se do percurso e se possível fazer o reconhecimento deste. No caso de Floripa esse ano, o organizador publicou mapas e descrição detalhada de cada trecho. Esforçou-se para melhorar a sinalização, que realmente estava melhor. Mesmo assim houve problemas. O multisport, ao contrário do triatlhon, é um esporte de aventura e contém certos riscos. Deixar de navegar é um deles.
Bem, voltando à prova, a largada foi linda. A bela luz da manhã na praia é inspiradora e os atletas saem em pelotão pela areia em direção sul. Aos poucos vão se separando. Com cerca de 3 quilômetros havia uma travessia de rio onde a água bate na cintura. Alexandre Manzan já abria boa vantagem trazendo atrás de si os atletas Erasmo Cardoso, o Xikito (QuasarLontra), Marcelo Santos, Édio Carlos (Sul Brasilis) e um pouco mais atrás Mateus Ferraz (SOS Mata Atlântica), que fazia uma estratégia de não forçar muito nesse início e acelerar no MTB, sua especialidade.
Dito e feito, Mateus assumiu a segunda colocação ao final do pedal, local onde a prova retornava à beira mar e seguia para norte, com o mar ao lado direito do atleta, ao contrário da largada quando o mar ficava ao lado esquerdo.
À frente, Manzan ia abrindo vantagem paulatinamente. Na entrada da Lagoa, início da canoagem, Manzan já estava abaixo do cronograma da organização em 20 minutos obrigando o staff a se reposicionar rapidamente. Passaram-se 22 minutos até que aparecesse o segundo colocado. Mateus entrou na água com um K1 olímpico antigo e não parecia muito confortável dentro dele. Na sequência entrou Édio Carlos, que fez uma excelente corrida e pedalou bem.
Havia uma regra que distinguia o tamanho da perna de canoagem na Lagoa em 15 quilômetros para barcos de velocidade e 10 quilômetros para barcos sit on top, de turismo. Somente quando as parciais de tempo forem liberadas é que saberemos qual percurso valeu a pena, já que no visual pareceu que fazer os 10 quilômetros bem remados em um barco inferior valeu a pena.
O quinto colocado a iniciar a canoagem foi o segundo a chegar no final do trecho. É bom lembrar que ainda haveria a canoagem no rio Ratones e o tempo total é o somatório das duas pernas.
Manzan pegou a bike e na metade dos 8 quilômetros em meio as árvores da praia de Moçambique, já liderava por 40 minutos de vantagem. Ainda faltava uma corrida, que é sua especialidade, uma canoagem de 9,5 quilômetros e um pequeno trecho de pedal. A fatura parecia decidida já neste ponto. Ao final, a vantagem total seria de 52 minutos.
A luta estava então pelas outras posições no pódio. Marcelo Santos, atleta dedicado e que fez vários treinamentos específicos no percurso visando a vitória na prova, teve seu esforço premiado quando encontrou no terceiro trecho de corrida os oponentes em ritmo inferior ao seu. Mateus segurou a segunda posição e Marcelo chegou em terceiro com 8 minutos de diferença. Édio Carlos e Rafael Melges (WRR1) fecharam o top 5 da prova.
Problemas de Apoio – Enquanto isso, um drama acontecia na entrada do rio Ratones. Os caiaques da organização não chegaram a tempo e muitos atletas tiveram de aguardar por volta de 2 horas até que seus equipamentos e embarcação estivessem disponíveis. Alguns precisaram ser transportados para o final do rio para que concluíssem a prova seguindo de bicicleta.
Uma pena, pois o evento estava transcorrendo sem maiores problemas e esse é um problema grave. Algo que já havia ocorrido em Brasília em julho do ano passado.
Apesar da organização nos dois casos ter destacado seus melhores staff para esse ponto crítico, que é dar apoio para atletas de outros estados, ainda assim aconteceram falhas. Isso é lamentável e essa falha deve ser eliminada nos próximos eventos.
Nada mais frustrante para o atleta do que ter sua prova interrompida por culpa da organização. Fica até a dúvida se vale a pena a organização oferecer esse serviço para facilitar a vinda de atletas de outras regiões ou se abre mão disso e só faz a prova quem tem apoio próprio…
Mesmo com problemas nesses anos iniciais de Multisport no Brasil, a modalidade tende a crescer por demandar logística menor do que a corrida de aventura, e por permitir que mais pessoas possam praticar uma atividade de aventura.
No domingo seguinte ao Multisport Brasil houve um evento chamado Circuito Radical televisionado ao vivo no Esporte Espetacular. Na verdade, tratava-se de um multisport de revezamento. Além disso, já está marcada a data do 2º Brasília Multisport para 18 de julho, na Capital de todos os brasileiros.
O que se vê até aqui no cenário brasileiro de multisport é que em qualquer das três provas sempre um brasiliense esteve no lugar mais alto do pódio. Guilherme Pahl é bicampeão em Floripa, Alexandre Manzan é campeão na ilha da magia e em Brasília, e Clodoaldo da Silva venceu de virada em São Carlos. Quem seria capaz de bater os candangos do cerrado correndo em casa daqui a 4 meses?
Este texto foi escrito por: Alexandre Carrijo, Especial para Webventure