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Amor ao trabalho

Quem já viveu um grande amor sabe que os bons momentos são inesquecíveis, mas trazem responsabilidades e algumas tempestades que precisam ser ultrapassadas. Trabalhar com o que se gosta de fazer é uma relação que também tem várias facetas. Por exemplo: se seu meio de vida for o Rally Paris-Dakar, o dia-a-dia passará a ser uma contagem regressiva, estar contra o relógio antes e durante todo o rali. Seguindo esta linha, nós chegamos ao período crítico, faltando menos de 30 dias para a largada. Temos a nítida impressão de que os ponteiros do relógio parecem estar acelerados e os dias ficam curtos para tantas obrigações.

Neste e nos próximos artigos vamos falar das regras, mostrando também um pouco da evolução histórica deste regulamento. Vale a pena entendê-lo para acompanhar a prova, que larga no dia 28 de dezembro na cidade de Arras. Como no Dakar correm motos, carros e caminhões, vamos falar de cada especialidade separadamente. Iniciaremos com as motos. Em 1978, na largada do primeiro Rally Paris-Dakar, motos, carros e caminhões competiam numa mesma categoria. O francês Cyril Neveu foi o mais rápido de todos com uma Yamaha XT 500. Existe um boato de que a indústria automobilística não gostou muito de ver uma moto na frente dos carros e as categorias então foram divididas.

Naquela época houve uma tendência natural de copiar as categorias do motocross, mas os lançamentos da indústria motociclística influenciaram e moldaram estas divisões. Em 90, por exemplo, o André Azevedo foi o primeiro brasileiro a terminar a prova com uma Ténéré 600, conquistando a segunda colocação na categoria 600cc, hoje extinta.

Atualmente as categorias são Production e Super Production. A Production é para motos de série, vendidas em lojas, homologadas para andar nas ruas. A Super Production é destinada às motos com preparação adicional ou especialmente montadas para a prova. Os protótipos de fábrica entram nesta categoria, mas diferentemente do passado, eles precisam estar disponíveis para venda a qualquer competidor e não só para os “eleitos”. Dentro destas categorias, as motos são divididas por cilindradas do motor: até 250cc, de 250cc a 400cc, e acima de 400cc. Sendo assim, este ano, a equipe BR Lubrax terá Juca Bala competindo com um Honda Falcon Rally na categoria Super Production até 400 e Luiz Mingione com uma Honda Tornado Rally na Super Production até 250.

A antiga categoria Maratona foi transformada numa classe dentro da categoria Production. Quando nós estreamos no Dakar, para participar da Maratona, não existiam motos especiais em linha de produção. Utilizava-se uma moto projetada para andar no asfalto, com design de terra, como uma XT ou uma XL. A indústria evoluiu para atender as expectativas do consumidor e passou a fabricar outras opções. O resultado é que hoje é possível comprar uma moto especialmente projetada para correr no deserto numa loja na esquina.

Antigamente estas motos só eram fabricadas para motocross ou enduro, ou seja, muitas não tinham faróis, setas, buzinas, espelhos e outros itens obrigatórios necessários para emplacar uma moto. Com esta evolução as motos da Maratona passaram a ser as mesmas da categoria Production. Usando o bom censo, a organização unificou as categorias, e a Maratona passou a ser uma classe dentro da Production, onde o competidor pode buscar dois troféus ao mesmo tempo. Mas para competir na Maratona, peças vitais como motor, escapamentos, bengalas e balança da suspensão não poderão ser substituídos durante a prova. Existe ainda a categoria bicilíndrica, onde poucas, mas potentes motos competem, e a Experimental, para os quadriciclos.

Em 1993 a categoria protótipo, onde existiam motos que chegavam a custar 400 mil dólares, foi extinta. Hoje, uma moto com a que Juca Bala disputará o bicampeonato da categoria Super Production até 400, uma Honda Falcon Rally, pronta para acelerar, custa US$ 20 mil. E a moto mais cara na prova sai pela bagatela de US$ 60 mil.

No Paris-Dakar, a exemplo do que já aconteceu na F1, numa tentativa de diminuir custos, aumentar a competitividade e melhorar a segurança reduzindo as velocidades, mudanças em regulamentos impuseram limites de potência, peso, pneus e tantos outros. Mas os apaixonados mecânicos, engenheiros e pilotos entraram em cena. Soluções foram criadas e o trabalho com amor mostrou que as barreiras podiam ser superadas. As motos atuais já são mais rápidas, muito mais ágeis e resistentes que suas antecessoras.

Este é o resultado de se transformar um hobby em meio de vida. Pessoas apaixonadas pelo que fazem são mais comprometidas, mais criativas, estéreis ao desânimo e ao sofrimento. Talvez esta seja a grande resposta à contínua superação de recordes olímpicos. E num passado recente, técnicos, veteranos e especialistas se reuniram e concluíram limites para o ser humano, o quão rápido ele poderia ser, quão longe ou alto ele poderia saltar. Mas o esportista e toda sua equipe de apoio amam o que fazem, se excederam e todos os limites foram e continuam sendo rompidos.

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Este texto foi escrito por: Klever Kolberg (arquivo)