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ARTIGO: O amadurecimento da escalada brasileira

Redação Webventure/ Montanhismo

Escalador no Rio de Janeiro (foto: Arquivo Webventure)
Escalador no Rio de Janeiro (foto: Arquivo Webventure)

Amadurecimento talvez seja a melhor palavra para definir o estágio em que se encontra a escalada esportiva e de grandes paredes no Brasil, e a alpina, praticada por brasileiros fora do país. Isso pode ser provado pela quantidade de escaladores com idade acima dos 40 anos que continuam escalando em padrão elevado. Isso gera qualidade, experiência, conhecimento, ou seja, podemos entender isso como amadurecimento, não apenas das pessoas, mas da escalada também.

No Brasil da década de 1970, praticamente não havia escaladores na casa dos 40 anos de idade com rendimento acima da média. Mesmo porque a escalada por aqui ainda engatinhava, com poucas centenas de praticantes e número igual de vias. Em todo o país, o total de vias não chegava a 300 naquela época. Na verdade, a evolução entre os anos 40 e 60 foi quase inexistente, melhorou um pouco nos anos 70.

A verdade é que a escalada naqueles tempos era mais uma atividade social promovida pelos clubes do que uma atividade esportiva. Entretanto, alguns jovens escaladores que começaram suas atividades no final da década de 1970 e início dos anos 80 continuam muito ativos, trazendo qualidade, conhecimento e dando grandes contribuições ao esporte. Eles convivem com os jovens, produzindo uma química perfeita, mesclando paixão, energia nova e vibrante, muita vontade e experiência.

O resultado disso nós vivenciamos hoje, com escaladas de qualidade e escaladores de alto nível. Ou seja, o abismo que nos separava da Europa e da América do Norte nos anos de 70 e 80 foi diminuindo a partir da década de 1990. Hoje, essa diferença qualitativa é pequena, embora continue grande em termos do número total de escaladores e mercado.

Porém, em termos de publicações houve retrocesso. O auge foi entre os anos 2004 e 2006. Pode ter sido coincidência, mas nesse período chegamos a contar com três revistas e dois informativos que nos davam notícias sobre o que acontecia no meio, além de vários livros publicados. Hoje, com muita tristeza, sobrou apenas um informativo, o Mountain Voices. Existem alguns sites, mas que são voláteis, não sabemos quando sairão do ar. Felizmente, a publicação de guias de escalada continua a crescer. Eles têm importância fundamental porque narram a evolução histórica do local, além de nortear os princípios éticos criados pelos escaladores mais antigos.

Jovens e os “antigos”
Obviamente a evolução da escalada é feita pelos jovens talentos, mas sobre uma base formada pelos escaladores seniores. Sem os “antigos” não haveria evolução. E isso pode ser considerado como amadurecimento. Há 20 anos era quase impossível imaginar um brasileiro com 40 anos escalando décimo grau, primeiro porque não havia vias desse nível no Brasil (com exceção da Southern Confort, no Rio de Janeiro), depois porque não tinha gente mesmo. Mas hoje é diferente.

Vejamos o exemplo do André Martins Godoffe, de 47 anos, encadenando vias 10b. Ele que começou a escalar com 30 anos. Existem outros brasileiros que escalam décimo grau, ou até mesmo 11, que completaram 40 anos de idade, ou que escalam por mais de vinte anos. Por exemplo: Luis Cláudio Pita, Luis Cláudio Ralf, Fabio Muniz, Eduardo Barão e Fernando Motta.

Mas, se abaixarmos o patamar para o nono grau, vários outros podem ser inseridos nesta lista, a exemplo de escaladores completos, como: Eliseu Frechou, Jose Luis Kavamura, Sergio Tartari, Alexandre Portela, Flavio Daflon e Bernardo Collares. Este último faleceu aos 46 anos, em sua melhor forma. Como o universo da escalada esportiva é grande, e não lembro ou conheço todos, esta lista ainda pode crescer consideravelmente com os “novos quarentões” que escalam graus elevados, mas que estão em atividade há pouco tempo, a exemplo do Henrique “Gironha”, de Lençóis (BA).

Enquanto a escalada esportiva é dominada pelos muito jovens, de 15 a 25 anos de idade, nas grandes paredes ocorre o contrário, predomina escaladores com mais de 30 anos. Nesse segmento existe grande entrosamento entre pessoas com faixas etárias e nível de experiência distintas. O exemplo mais recente foi a abertura da Nova Era, na Pedra do Sino, em Teresópolis, por Hillo Santana (43) e Lucas Marques (30), escalada que possui 15 enfiadas de corda em livre, a mais difícil sendo 9c.

Memorável também foi a escalada do Salto Angel, na Venezuela, possivelmente a mais difícil e complexa realizada por brasileiros. A equipe sênior era formada pelo o Sergio Tartari (49), Jose Luiz Hartmann (44) e Edemilson Padilha (39), além de Waldemar Niclevicz (45), que patrocinou a expedição. Se levarmos em conta que o Tartari ainda participou da conquista de uma nova via no Fitz Roy, em dezembro de 2010, e o Padilha na conquista da Place of Happiness, na Pedra Riscada (MG), em 2009, podemos concluir que a abertura dessas vias complexas e difíceis depende de muita experiência, como ocorreu também com o Eliseu Frechou (43) e o Marcio Bruno (37) em 2010, quando abriram uma nova via no Monte Roraima. Outros nomes precisam ser lembrados por suas grandes contribuições em grandes paredes, entre eles: Emerson Azeredo (42), Eduardo Vianna (40) e Gustavo Piancastelli (40).

Embora o universo feminino seja menor, com quase 20% do total de praticantes, existem pouquíssimas mulheres na casa dos 40, ou quase lá, que escalam até nono grau. A grande maioria pratica apenas escalada esportiva. O número reduzido de mulheres com experiência em grandes paredes reflete numa produção quase ausente, salvo a Karina Filgueiras, que abriu sozinha a Transbaú (5sup 7a E3 280 metros), em 2011, na Pedra do Baú (SP). A Roberta Nunes, que apesar de ter falecido aos 34 anos, acumulava grande experiência e era a melhor e mais completa escaladora brasileira. Não citarei outros nomes devido à sensibilidade feminina no que se refere à idade, o que é um tabu.

Em 2010, tive uma experiência interessante: a Mônica Pranzl e eu levamos John e Stella, um casal inglês, ambos com 64 anos, para subir uma via de sexto grau, com quatro esticões de corda. Escaladores ativos durante 50 anos, eles fizeram questão de fazer a própria cordada independente. Ficamos fascinados em ver John guiando rápido, sempre sorrindo e se divertindo muito, mesmo com o tempo ruim. O mesmo para Stella.

Alguns da minha geração e provavelmente muitos das gerações posteriores também chegarão ao mesmo estágio que esses ingleses. Existem alguns poucos escaladores brasileiros com mais de sessenta anos escalando relativamente bem. Em junho de 2008, passei por outro momento fantástico, no Pico Maior, nos Três Picos (RJ). Fui escalar a Decadence com o Fabio Muniz e, no cume, encontramos alguns senhores: Carrozzino (64), Jean Pierre (59) e Ivan Calou (54). O Carrozzino ficou espantado porque eu (47) e o Fábio (42) levamos pouco mais de três horas para chegar ao cume. Mas fomos nós que ficamos surpresos ao encontrar aquele senhor de 64 anos. Entretanto, mais surpreso ainda fiquei depois, ao saber que o Jair Lourenço, aos 70 anos, havia também subido a via Leste no dia anterior, em apenas 6 horas. Acredito que o Jair bateu o recorde brasileiro com mais tempo em atividade, escalando bem durante 50 anos. Pena que faleceu em 2008. Enfim, foi uma coincidência enorme e emocionante juntar todos esses grandes escaladores no Pico Maior de Friburgo, naquele final de semana. Aliás, fica aqui uma sugestão: encontros anuais de veteranos nos Três Picos. Isto vem sendo feito numa reunião social no Centro Excursionista Brasileiro.

Em se tratando de montanhas alpinas em altitude elevada, também houve amadurecimento por parte dos brasileiros, que passaram a escalar com mais frequência e ganharam muita experiência. Por exemplo, oito brasileiros tiveram sucesso no Everest, incluindo uma mulher. E muitos outros tentaram, alguns com idades na faixa dos 50 anos. Entretanto, o que tem sido feito pelos brasileiros, até o momento, é subir vias normais de montanhas altas no Himalaia, nos Andes e na América do Norte, mas muitas vezes em expedições comerciais guiadas por estrangeiros. Ou seja, neste campo ainda há muito que evoluir, mas já existem brasileiros com grande potencial.

Voltando ao Brasil, o que existe de escaladores seniores com boa performance ainda é muito pouco. A pirâmide etária precisa mudar de forma, tendo de se transformar em torre, com mais seniores escalando. Infelizmente, me lembro de poucos de gerações anteriores à minha que continuam dando grandes contribuições, conquistando vias novas e de qualidade, a exemplo do Bito Meyer (54), André Ilha (53) e Tonico Magalhães (52). Mas, acredito que é questão de tempo, as gerações de meia idade estão provando isso e prometem chegar aos 60 e 70 escalando bem. Aliás, do jeito que o estilo de vida e a longevidade estão evoluindo, podemos esperar pessoas escalando bem aos 80, como acontece na América do Norte e na Europa.

Concluindo, fica registrado o seguinte: o importante em qualquer atividade física é não parar. No nosso caso, basta apenas continuar escalando regularmente e sem excessos. Isso é uma das variáveis já conhecidas da equação para atingir uma vinda longa e sadia. O Jair Lourenço foi um exemplo importante, principalmente para muitos “velhos de verdade”, com seus 30, 40 e 50 anos. Impressionante é ver péssimos escaladores usando a idade como desculpas. Já vi garoto de 28 anos falando tal asneira: “não estou escalando bem, estou ficando velho.”

Boas escaladas e lembrem-se: não seja velho precoce, a velhice está em sua cabeça.

*Antonio Paulo Faria é montanhista desde 1981, com experiência em escaladas em rocha e gelo em vários países. Escreveu o livro “Montanhismo Brasileiro: Paixão e Aventura”, além de dezenas de artigos para revistas nacionais e internacionais sobre escalada e esqui. É professor-doutor do Instituto de Geociências da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Este texto foi escrito por: Antonio Paulo Faria*

Last modified: setembro 8, 2011

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