Expedição Mata Atlântica de 2000 (foto: Arquivo Webventure)
Quase uma década depois de sua última edição, a Expedição Mata Atlântica volta à ativa nesse próximo domingo (20), mas agora no formato de competição duathlon off-road. A EMA MixTerra vai ocorrer em Itu, interior de São Paulo, reunindo 140 duplas, que terão de enfrentar 25 quilômetros de mountain bike e 15 de corrida rústica (saiba mais aqui).
Entretanto, mais do que a volta da marca EMA, a MixTerra registra também o retorno de Alexandre Freitas à organização de competições de aventura, após um longo período de recuperação física, depois de uma infecção parasitária contraída em 2002 (leia entrevista de Patrícia Croci sobre isso).
A seguir, três atletas e uma jornalista “das antigas”, que participaram de quase todos os EMAs e também estarão em Itu, conversaram com o Webventure sobre a importância da Expedição Mata Atlântica para o esporte outdoor brasileiro, relembrando causos e histórias daquela época.
Para quem não sabe, as corridas de aventura chegaram ao país pelas mãos de Alexandre, com a EMA Litoral Norte de 1998, que revolucionou o segmento de esportes praticados ao ar livre no Brasil. Por isso, esta competição de agora tem um apelo tão grande: os atletas de dez anos atrás se lembram da marca, de todo o investimento que ele fez, explica Rafael Campos, da QuasarLontra, a equipe mais antiga ainda em atividade no país.
>> Rafael Campos, capitão da QuasarLontra. Rafa correu todos os EMAs, exceto o de 1998.
Naquela época, quando começaram as provas de aventura, não existiam percursos para os iniciantes. As primeiras provas eram todas expedicionárias, de 300 a 500 quilômetros. Só depois de uns dois anos começaram a aparecer provas menores. Então, era realmente muito difícil. O pessoal que se metia a fazer esse tipo de prova era menos atleta e mais aventureiro.
>> Cristina de Carvalho, corria pela Atenah. Fez as EMAs de 1998, 1999 e 2001. Hoje é diretora técnica do Núcleo Aventura.
O Alexandre trouxe o conceito de corrida de aventura para cá. Até então, ninguém sabia o que era o esporte. E o Alexandre foi o precursor durante muitos anos. Para ela, o grande diferencial das corridas no Brasil naquela época em relação à hoje era a paixão pelo novo esporte: Acho que existia uma entrega maior, diz.
>> Silvia Shubi Guimarães, atleta da equipe feminina Atenah. Seu último EMA foi em 2002. Em 2011, se tornou dona da marca Ecomotion.
Shubi relembra que, naquela época, nenhum esportista brasileiro conhecia a corrida de aventura: um amigo meu chamou para irmos lá, fazer uma prova que tinha de remar, andar e pedalar. Eu caí de paraquedas nas corridas de aventura.
>> Cristina Degani, jornalista e ex-editora do Webventure. Cobriu boa parte das EMAs e também competiu em algumas provas.
Ele trouxe a corrida dizendo que era para ele poder competir no próprio país [Alexandre competia fora do Brasil antes de 1998], mas não foi só isso. Ele acreditava que tínhamos um superpotencial, principalmente em relação à natureza
>> Rafael Campos
A gente espera ter de volta mais provas expedicionárias. A EMA passava por locais realmente selvagens. Ela tinha um grande grau de dificuldade comparado às provas de hoje no Brasil. Rafa se refere não apenas a percorrer muitos quilômetros, mas fazer isso em trechos de difícil progressão, que mesclem desafios de técnicas verticais, travessia de rios ou mesmo a necessidade de construir embarcações, como já ocorreu.
>> Shubi Guimarães
Se pensarmos nas grandes provas, hoje ainda tem o Ecomotion, que até é um pouco maior. Mas, tem uma coisa muito legal que o Alexandre fez, que durou um tempo e hoje quase não existe: o Circuito Brasileiro de Corridas de Aventura. O CBCA reunia corridas mais curtas, que aconteciam geralmente em um final de semana e em vários lugares do Brasil, realizadas por diferentes organizadores. O circuito tornava as provas acessíveis do ponto de vista de tempo, sem perder a exigência técnica.
>> Cristina Degani
A Expedição Mata Atlântica tinha uma aura completamente diferente. Até em época que outras organizações coexistiam, era como se a EMA fosse a Ferrari das corridas de aventura. Era uma prova na qual você tinha certeza sobre o conhecimento de quem organizava.
>> Cristina de Carvalho
Eu acho que o formato da EMA era bem rústico com relação ao percurso. E isso tem o lado legal e chato. Então, eu não citaria como diferencial. Mas, a aventura nesse formato de expedição, sem dormir, com privação, já é um mercado saturado. O legal é que agora o Alexandre está jogando a aventura para um circuito moldado ao paladar do que está sendo consumido hoje. Em vez de voltar com uma coisa que ficou lá trás, ele vem com uma necessidade atual, ainda mais em São Paulo, onde estamos com asfalto saindo pela culatra.
Rafael Campos
Nossa equipe fez a primeira EMA em 1999. Havia outros times com um ano de experiência e atletas que eram mais experientes em suas modalidades, como o Makoto [Ishibe, montanhista]. Já a minha equipe tinha um cara de 55 anos de idade, o mais velho na competição. Assim, nosso objetivo era apenas terminar a prova.
No segundo dia, a competição já mostrou que não era física, mas sim de estratégia de navegação nós ficamos praticamente 24 horas perdidos com pelo menos metade das outras equipes. Tinha mais de 20 equipes perdidas em uma trilha conhecida como Trans-Petar. Todos ficaram um dia inteiro se cruzando, e ninguém conseguia encontrar o caminho. Havia resgate de helicóptero, mas o pessoal queria evitar, pois precisava pagar um adicional.
Então, a gente tomou a decisão de rasgar o mapa de navegação e simplesmente ir seguindo a trilha. Uma hora, acabamos voltando para o trajeto oficial da prova, agora em uma posição privilegiada, quase em primeiro lugar. Mas, ainda assim, não botavam fé de que fossemos terminar a prova antes do tempo limite de corte.
Quase no final da prova, conseguimos passar pelo último corte, o qual apenas quatro equipes tinham conseguido. Os neozelandeses que estavam em primeiro tinham passado com 12 horas na frente do segundo colocado.
No último trekking, estávamos junto de outra equipe, a Lontra – éramos só Quasar na época , quando ouvimos um helicóptero sobrevoando. Imaginamos que eles estavam filmando os líderes, que já haviam passado. Então, o helicóptero desceu em um pasto perto de nós e desceu o Alexandre, perguntando se tínhamos visto a equipe dos neozelandeses.
O Alexandre então falou que eles haviam saído há mais de 14 horas e não tinham passado em mais nenhum posto de controle, nem terminado a prova.
Ele então falou que a prova não tinha terminado, que os neozelandeses estavam perdidos e era a chance que tínhamos de colocar uma equipe do Brasil na liderança até então, ninguém acreditava no Brasil, pois os gringos eram muito experientes. Eram três equipes: Quasar, Lontra e Pedal Power.
Aquilo obviamente nos motivou. Só tínhamos o objetivo de terminar e, naquela hora, havia a oportunidade de vencer. A mensagem dele foi o gás final, depois de quatro ou cinco dias de prova. Ganhamos a competição logo em nossa primeira edição.
Cristina Degani
Minha última EMA foi em agosto de 2002, a EMA Litoral Santos. Era uma provinha fácil, de algumas horas, e minha missão era estar na equipe da Elza, na época esposa do Alexandre, para dar mais segurança e conforto ao time, já que eu também navegava.
Primeiro remamos, depois fizemos costeira. No trecho de trekking, alguém que estava na frente fez cair uma colmeia gigante de abelhas e tínhamos de passar correndo, mesmo levando picadas. Um colega da minha equipe disse: “cai pro lado, cai pro lado”, numa alternativa para sairmos da trilha e sermos menos picados. Já tinha tomado umas poucas ferroadas, nada muito desanimador. O ponto é que, para o lado, era uma ribanceira de uns 20 metros. Eu segui o conselho e caí mesmo, literalmente. Fui rolando aquela descida, até que uma rocha de uns 15 ou 20 quilos prensou minha mão direita. Aí, eu não conseguia mais me mexer. Com aquele suor todo, o que as abelhas fizeram? Me picaram inteira, até dentro do capacete, que tem buracos, elas entraram.
Quando finalmente eu consegui sair, tinha uma caixa d’água rasa que todo mundo se jogava para ficar um pouco longe das picadas. E quem estava lá, rindo, divertindo-se com a cena dos competidores na roubada: Alexandre Freitas. E pensa que ele deu moleza? Já gritou: vambora gente, tem muita prova pela frente!
Shubi Guimarães
A prova que mais me marcou foi a EMA Amazônia, em 2001. A gente fez com um norte-americano e ele quase morreu no meio da floresta. Ele tomou um remédio que não podia, teve um piripaque e não conseguia nem andar. Ele era da Atenah, porque na EMA não podia correr só mulher. Era obrigatório alguém do sexo oposto.
A parte engraçada, na verdade, foi o resgate, porque foi necessário que duas de nós fossem buscar ajuda, para tirar ele do meio do mato. A gente estava no meio da floresta, em um trekking enorme, e tivemos que ir até uma base de bombeiros, chamar o pessoal. Mas, como era no meio da floresta, não chegava helicóptero nem nada, tiveram que ir de burro. Ele foi resgatado em um burrico. A cena é muito engraçada, tem até no filme da prova. E o gringo era tão grande que o pé dele arrastava no chão. O burro devia estar quase morrendo, carregando o gringo, e ele com os pés arrastando. Foi uma missão: tivemos de andar 4 horas até achar o resgate, voltar com a galera onde ele estava, e o ver voltando de burrico.
Eu também corri no Vietnã com o Alexandre, o Raid Gauloises, em 2002, no mesmo ano que ele ficou doente. A equipe era eu, a Eleonora Audrá, a Karina Bacha, ele e o Zé Pupo. Foi o primeiro resultado expressivo do Brasil em uma prova internacional: ficamos em sétimo lugar. Uma prova de 1.000 quilômetros. Foi bem difícil, mas foi demais. Uma das mais legais que eu já fiz na minha vida, de percurso e de interação com as pessoas, os locais.
Foi o Alê quem montou a equipe. A Atenah já estava em destaque no Brasil e ele notou que a gente andava bem nas provas longas. Ele era amigo do Zé, a gente também, então ele chamou nós três. Óbvio que teve perrengues, mas foi tudo ótimo, conseguimos completar legal, terminamos a prova, todo mundo saudável.
Cristina de Carvalho
Quando eu me lembro da época do EMA, me recordo de todo mundo brigando com o mapa. Era até engraçado, pois equipes fortes fisicamente, muitas vezes se equiparavam a equipes mais fracas. Então, ficava uma brincadeira de gato e rato muito interessante. Naquela época, equipes que hoje talvez não tivessem condições de competir com os melhores, estavam lá porque tinham uma estratégia e um conhecimento melhor de navegação. Era muito bacana olhar essa dinâmica, do cara que vai direitinho e do outro que sai 10 horas antes e chega 20 horas depois porque não tinha conhecimento de mapa. Todo mundo lembra essa carência de navegador no esporte.
Este texto foi escrito por: Pedro Sibahi
Last modified: novembro 18, 2011
