Belas paisagens e a experiência da solidão… (foto: Arquivo pessoal)
Meu nome é Marcelo Araújo, tenho 26 anos e a aventura que eu tenho pra contar que é um tanto quanto simples, qualquer pessoa com um pouco de preparo físico, uma bicicleta, uma filmadora e uma idéia na cabeça é capaz de fazer. Trata-se da expedição Bike Tchê! A idéia viagem era conhecer mais a fundo a tão bela Serra Gaúcha…pedalando.
O roteiro de ida foi simples:
– Curitiba (PR) a Vacaria (RS) – (ônibus – 700 km aproximadamente);
– Vacaria (RS) a Bom Jesus (RS) – (bike – 65 km aprox.);
– Bom Jesus (RS) a Cambará do Sul (RS) – (bike – 85 km aprox.);
– Cambará do Sul (RS) a Parque da Serra Geral (RS/SC) – (bike – 22 km
aprox.).
O roteiro de volta foi igual, só que ao inverso!
Primeiro obstáculo – Saí de Curitiba na noite do dia 12 de julho passado, em pleno auge do inverno sul brasileiro. Digamos que a aventura começou pela rodoviária, já que a companhia de ônibus não queria levar a bike porque ela não estava encaixotada. No dia anterior, um outro funcionário desta mesma companhia me disse que não havia problema pois, assim que eu chegasse em Vacaria (RS), já sairia pedalando.
A briga entre eu o motorista do ônibus durou uns 15 minutos. Resultado: consegui fazer a bike entrar no bagageiro (olhem só… estava vazio!!!) e o motorista ainda me cobrou R$ 20,00 por excesso de bagagem, pode? Francamente…
Bem, após sete horas de viagem, cheguei em Vacaria (RS). Ainda era noite (era umas 5h20) e estava um frio enoooooorme… na faixa de 0 graus, acho! Tratei de arrumar todo o equipamento na bike (alforjes, bolsas, garrafas, pochete de guidão, ciclocomputador, barraca, entre outras coisas, totalizando uns 25 kg) e saí pedalando às 6h. Parei no
primeiro posto de gasolina para comprar água e tomar meu café-da-manhã.
Os caminhoneiros ficaram abismados por eu estar pedalando naquele frio, indo pra um lugar no meio do nada! Perguntavam se eu não queria uma carona. “Tem louco pra tudo hoje em dia”, diziam.
E lá fui eu em direção a Bom Jesus!!! Este trajeto durou cerca de 6 horas de pedalada, chegando por volta das 12h30. Este trechinho é duro, porque tem uns 40 km que são só subida, daquelas que não acabam nunca! E eu, com aquele pensamento ingênuo: “depois de uma subida, tem que vir uma descida”… Mera ilusão!!! Detalhe que, desses 65 km, uns 35 km são de estrada de chão… terra batida! Meus deuses!
Incentivo – Chegando a Bom Jesus, tratei de procurar a casa de uma tia que mora por lá e resolvi passar a noite, já que não havia dormido nada na viagem de ônibus. No dia seguinte, segui pra Cambará do Sul. Foram pouco mais de 80 km, também com alguns trechos de asfalto. Este trecho também não foi tão fácil… muita subida, onde às vezes tinha de descer da bike pra ir empurrando. Por onde eu passava, vilarejos e fazendas, o pessoal acenava e desejava boa sorte! Legal isso… dava mais ânimo!
Eu também contribuía com um sinal de positivo e, às vezes, parava para filmar ou fotografar o povo local! Esse esquema com a filmadora foi muito interessante porque, em determinadas descidas, eu a amarrava no capacete com algumas tiras de velcro e seguia na boa, registrando as descidas na maior velocidade. Isso facilitou porque a filmadora era bem pequena, do padrão mini-DV (digital).
Chegando a Cambará do Sul, resolvi dormir numa pousada porque já estava escurecendo e não queria arriscar, pois o trecho de Cambará até o Parque da Serra Geral tem uns 22 km de estrada de terra.
No dia seguinte, lá estava eu, cheio de gás e vontade de chegar de uma vez ao parque. O Parque da Serra Geral comporta vários cânions. Os mais famosos são: Itaimbezinho, Fortaleza, Malacara, Churriado e Coroados. Todos alucinantes para desbravar, com rara beleza, chegando a uma profundidade de mais de 1.500 metros, sendo superado apenas pelo Grand Canyon, nos EUA.
Fiquei acampado por 4 noites no Cânion Fortaleza, um dos maiores da
região! Fazia de tudo… cozinhava, lavava roupa e tomava banho (de gato!) no rio com águas cristalinas, porém geladas à beça. Lá, explorei cada morro, cada tufo de mato, andei com a bike pra cima e pra baixo, registrando tudo em foto e vídeo. Durante esses dias, o frio foi passando, dando lugar a um gostoso calorzinho de 20°C à tarde, só que, quando chegava noite, o frio apertava e não tinha quem me tirasse do saco de dormir.
Cachorro do mato – Durante a noite era tranqüilo até quando os graxains (animal típico da região, semelhante a um cachorro-do-mato) vinham à barraca por causa do cheiro da comida que eu fazia… Toda noite era a mesma coisa: quando eu terminava de cozinhar, passavam-se alguns minutos e lá vinha o bicho! Nessas horas eu empunhalava meu canivete e ficava pronto pra qualquer coisa, mas o bicho só ficava rodeando! Era engraçado, porque, quando ele chegava perto da barraca, eu dava um grito tipo IÁÁÁÁÁÁÁÁ e o ele se afastava! Ficamos nessa durante uma hora por três noites!
Os dias foram passando, a barba crescendo e eu com síndrome de “Tom
Hanks-perdido-na-ilha-deserta-conversando-com-a-bola”. Só que, ao invés de bola, era a bike. Sozinho, no meio do nada! Hehehe…. Levei o livro “Na Natureza Selvagem”, que deixava as coisas mais tenebrosas ainda.
Durante o dia, eu saía para pedalar pelos cânions e só voltava no início da noite. Acordava tipo 6h e ia dormir às 9h, depois da janta, da briga com o cachorro-do-mato e da leitura! No começo, acordava de hora em hora. Depois da segunda noite, dormia que nem uma pedra!
Toda região é possível de se visitar de carro, mas aos melhores lugares só se chegar a pé ou então de bike, já que nas trilhas é proibido o uso de motos ou jipes. O único parque que tem uma infraestrutura é o Itaimbezinho, mas cobra (e bem!) por isso! Lá, não se tem liberdade alguma… não se pode acampar, nem andar por trihas demarcadas sem o acompanhamento de um guia local, que também cobra por isso!
Qual é o melhor? – O resto dos cânions não tem nenhuma infraestrutura; apenas no Fortaleza tem uma casa do pessoal do IBAMA que controla quem entra e quem sai do parque. No Malacara, tem de andar por uma propriedade particular. Nos demais, não sei porque não fui!!! O Fortaleza, onde fiquei mais tempo, é particularmente o mais legal. As trilhas são fáceis, mas para os melhores lugares pra ver o cânion o acesso é muito complicado até a pé, imagine de bike então… tendo que levar nas costas!
A bicicleta não apresentou nenhum problema! Agüentou firme e forte toda a jornada! Só precisa de um óleo e pronto! Peguei dois dias de chuva, um quando estava acampando e outro na volta de Bom Jesus para Vacaria. Neste último, a chuva engrossou tanto que, durante a pedalada, dava umas rajadas de vento que quase me derrubavam da bike.
Os equipamentos de vídeo e foto estavam todos enrolados em diversos sacos plásticos, pra não dar nenhum problema. O que me salvou nessa hora foram os anoraks (calça e casaco). A bota conseguiu resistir um pouco menos mas, quando eu cheguei na rodoviária em Vacaria, debaixo de muita água, tive de tirar tudo que estava molhado, dar uma torcida na roupa, que estava úmida, achar algo meio seco e ensacar o que estava molhado! Momentos antes de eu cheguar à rodoviária havia caído um raio que apagou a cidade toda e ficou assim por horas!
No fim, tudo certo – O ônibus saiu e a cidade continuava no breu. Desta vez a bike embarcou sem problemas… o motorista foi bem simpático e eu não tive que pagar os R$ 20,00 de excesso. Esta minha aventura durou pouco mais de uma semana, tempo suficiente para renovar o espírito e partir para outra em breve! Galera, aconselho qualquer pessoa a fazer algo semelhante, claro que com responsabilidade e com um bom equipamento.
Importante: se meter no mato sem o consentimento de outras pessoas pode ser a maior roubada! No meu caso, familiares estavam avisados de todos os meus movimentos durante os dias que passaram. Por lá, não há comunicação nenhuma! Nos parques não tem telefone (salvo no Itaimbezinho) e celular não pega. Vou encerrando por aqui! É bom eu não me empolgar, se não vai faltar dedo pra ficar digitando e falando sobre os lugares! Até a próxima…
Este texto foi escrito por: Marcelo Araújo
Last modified: setembro 25, 2001