Foto: Pixabay

Brasileira escala na Glaciar dos Polacos

Redação Webventure/ Montanhismo

Passagem chamada Coello de Botella. (foto: Vitor Negrete)
Passagem chamada Coello de Botella. (foto: Vitor Negrete)

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Na coluna deste mês quem escreve é Ana Elisa Boscarioli, provavelmente a primeira brasileria a chegar ao cume do Aconcágua (6.962m) pela rota direta do Glaciar dos Polacos, em janeiro deste ano. Como inaugurei minhas colunas no Webventure comentando minha escalada em solo da mesma rota; assim, achei legal que a Ana escrevesse sobre esta última escalada.

Durante esta expedição, colhi depoimentos para tentar mostrar o Aconcágua através dos olhos de diferentes pessoas. Imagens da escalada e depoimentos foram filmados em Hi-8 3ccd e devem compor um documentário. Trechos destas imagens vão entrar em breve no Webventure em uma galeria de vídeos.
Vítor Negrete

Quando cheguei a Mendoza (Argentina), em 6 de janeiro deste ano, vieram-me as imagens de dois anos atrás, quando lá estive pela primeira vez para tentar escalar a “Rainha das Américas” pela rota normal. Tinha pouca experiência em altitude e o frio e os ventos me fizeram parar em Independência (6.600m); tive muita dor nas mãos e temia não poder mais trabalhar se tivesse algum congelamento, pois sou cirurgiã plástica.

Desembarquei no aeroporto de Mendoza e fomos, eu e o Vítor, que foi o meu guia, diretamente para a montanha. Após uma noite em “Puente Del Inca” (2.700m), caminhamos até “Confluência” (3.400m), onde montamos o nosso primeiro acampamento. Já se pode ver o Aconcágua desta região que se ergue, imponente e ameaçador por trás das montanhas mais baixas que o cercam. O lugar é agradável e pudemos aproveitar a água corrente.

A caminhada até o Campo Base Plaza de Mulas (4.400m) é longa e, como fiz uma aproximação rápida, senti muito cansaço. Foi talvez o meu dia mais sofrido; até mesmo que o próprio dia de ataque ao cume.

Depois de aproximadamente duas horas de caminhada se ergue uma parede chamada “Costa Brava”, que se deve vencer para chegar ao Hotel Refúgio (4.400m). Do Refúgio, se tem uma visão direta da “Sentinela de Pedra” e me senti intimidada e com vontade de reverenciá-la.

Acampamos ao lado do Refúgio Plaza de Mulas e começamos a nossa aclimatação, subindo em direção a Plaza Canadá (4.800m) e Nido de Condores (5.600m) e descendo para dormir a 4.400m. Intercalamos um dia de descanso e a cada nova ascensão podíamos sentir os efeitos do ar rarefeito.

Sempre tive um pouco de dificuldade nos primeiros dias de aclimatação, mas desta vez me senti muito bem; com um pouco de dor de cabeça, quando cheguei a 4.400m. No nono dia, subimos a Nido para ficar três dias e partir em direção ao Camp II Polacos, a 6.000m. Achei que já conhecia um pouco da montanha, mas cheguei a Nido de Condores sob uma pequena nevasca e a paisagem muda muito conforme a mudança do tempo; porém nunca perdendo a beleza. Todo dia é como se fosse uma paisagem nova.

Do outro lado – Nos acampamentos superiores, nos distraíamos com tarefas como cavar e derreter gelo para fazer água, cozinhar e observar os movimentos das nuvens, esperando uma janela no tempo e nos aclimatando para o tão esperado dia do cume. Fomos para o Camp II Polacos, seguindo para o acampamento Berlim (6.000 m) e depois em direção ao outro lado da montanha. Quando passamos para o outro lado pudemos ver o acampamento no fim do glaciar dos Polacos.

O vento diminui bastante, a temperatura aumenta e se torna um pouco mais fácil de respirar daquele lado da montanha. Atravessamos pequenos glaciares e, depois de 6 horas, chegamos ao acampamento. Outras expedições como Alpine Ascents estavam lá, com a intenção de escalar pela rota chamada de Falsa Polacos. Há dias esperava para vê-la; ficava pensando como seria o meu primeiro contato: “vou ter medo?”, “terei vontade de desistir?”

A geleira polonesa é uma parede de gelo com aproximadamente mil metros de extensão, com variações de inclinação de 45 a 60 graus. Do acampamento, pudemos traçar nosso caminho e estratégia de escalada. Senti-me segura quando a vi e senti que teria preparo físico, técnico e psicológico para encará-la.

Na primeira noite, ventou muito, tivemos medo que a barraca rompesse. A intenção seria sair para o cume na próxima madrugada, mas com aqueles ventos!!! No dia seguinte, ventou muito pela manhã e pensamos em esperar um dia a mais para entrar na via. Algo nos chamou a atenção quando dois pássaros pousaram ao lado de nossa barraca; Vitor olhou para eles e disse: “isto é um bom presságio, devemos sair hoje para o cume”.

Tínhamos um telefone via satélite e imediatamente ligamos para a metereologia do aeroporto de Mendoza, onde nos informamos que entraria uma frente fria grande do Chile, com ventos fortes, e que aquele dia seria o ideal para a nossa saída. Com muita ansiedade, preparamos todo o equipamento em algumas horas, para podermos deixar o acampamento às 3 h. da próxima madrugada.

Ansiedade – Acordamos às 2h e conseguimos sair às 3h45. Estava muito ansiosa, mas me sentia forte para encarar o dia, que seria longo. Era nosso 12º dia de altitude e me sentia bem aclimatada. Caminhamos aproximadamente uma hora pelas bordas do gelo; eu estava muito curiosa por aquele momento, pois os comentários eram que a parede estava com muito gelo vítreo e que seria difícil de enterrar mesmo as piquetas já que estava muito escorregadio. Vitor havia observado que parecia que o gelo estaria penitenteado e que mais acima o gelo estaria melhor. Foi exatamente isto que encontramos.

As distâncias na realidade eram bem maiores das que eu imaginava quando observava os trechos do acampamento. Pensei que não chegaríamos nunca ao “Cuello de Botella”, que é o crux da via (passagem considerada mais difícil), onde a passagem se afunila entre paredes de rocha de um lado e de gelo do outro, aumentando bem a inclinação.

Naquele trecho, já havíamos vencido quase 70% da parede. Era mais fácil ir para o cume do que retornar pelo mesmo caminho. Havia mais uns duzentos metros de parede até chegarmos à última barreira de rochas, onde existia uma chaminé por onde poderíamos escalar e atingir a aresta.

Perto das rochas, o gelo se tornava muito quebradiço. Escorreguei um pouco e pedi para o Vitor colocar uma estaca de gelo. Ele passou pela chaminé, laçou uma ponta de rocha e fez segurança para mim. Era um local em que tínhamos de tomar cuidado, pois duas pessoas já haviam morrido naquela passagem.

O cume me parecia conquistado, pois na aresta a inclinação diminui muito, chegando a ficar praticamente plano. Não acreditei que levaria duas horas até o cume sul, até que percebi que dava cinco passos e tinha de parar para respirar por muito tempo até me recuperar.

Quando faltavam uns 50 metros, pedi ao Vitor que me levasse direto para a Canaleta, pois estava muito cansada e desidratada. Minha água havia acabado e consegui tomar algumas gotas de refrigerante congelado que Vitor levava na mochila.

Vento forte – O vento estava muito forte, mal conseguíamos parar em pé. Às vezes nos apoiávamos no chão para andar. Conseguimos tirar algumas fotos e entramos rapidamente na Canaleta para fugir do vento. Descemos pela via Normal até Camp II Polacos em 5 horas e chegamos às 22h30 ao acampamento. Apesar de a nossa barraca estar rasgada pelos fortes ventos, conseguimos descansar e nos aquecer.

Há dois anos o cume do Aconcágua era um sonho e conseguir atingí-lo pela Polacos foi realmente muito emocionante. Se tive medo? Não! Entrei na via para terminar e estava muito confiante com o Vitor que, além de já ter feito essa via em solitário, havia feito também a Parede Sul. Gostaria um dia de voltar e fazer a Via Normal. Acho que voltarei outras vezes ao Aconcágua.

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(*) Ana Elisa Boscarioli é médica cirurgiã plástica e escreveu especialmente para o Webventure. Começou no montanhismo com um trekking pela região do vale de Kumbu (Himalaia), passando pelo Everest Base Camp, Gokio Peak e Kalapatar (5.700m). Antes do Aconcágua, escalou o pequeno Alpamayo (5.800m), Huayna Potosi (6.088m) e o Illimani (6.490m), todos na Bolívia.

por Vítor Negrete

A expedição do Glaciar dos Polacos foi uma das viagens das expedições internacionais da Grade VI Companhia de Aventuras. Fui como guia da Ana Elisa para a Expedição do Glaciar dos Polacos e paralelamente filmei os depoimentos.

Gostaria de agradecer a Grade VI – Campinas; Companhia Athlética – Campinas; Orviz Equipamentos Mendoza Argentina; Consulado Argentino em São Paulo; Direccion de Recursos Naturales de Mendoza Argentina; Serviço de Metereologia do Aeroporto de Mendoza Argentina; Hotel Refúgio Plaza de Mulas Aconcágua – Argentina; Elias Luiz webdesigner; Webventure.

Este texto foi escrito por: Ana Elisa Boscarioli*

Last modified: fevereiro 20, 2003

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