Isac guia a penúltima cordada antes de chegar ao ombro. Havia gelo misto (rocha e gelo) e trechos só de rocha (foto: Ed Padilha)
Para quem imagina que para uma boa expedição de escalada na Patagônia é preciso longo planejamento, a viagem do escalador, Edemilson Padilha é um exemplo do que o espírito simples e determinado da escalada alpina pode fazer.
Em apenas 30 dias de viagem pela região de Chaltén, na Patagônia argentina, Edemilson realizou quatro cumes junto com o argentino Gabriel Otero e o catalão Isaac Cortes. O momento mais emocionante foi a conquista do Cerro Torre feito antes apenas realizado por outros dois brasileiros: Makoto Ishibe, em 1990, e Alexandre Portela, em 1992.
Confira a entrevista exclusiva com Edemilson Padilha aqui.
Trinta dias pode não ser muito tempo para quem escala na Patagônia. Afinal, dois dias consecutivos de bom tempo na região é fato raro. Porém, este ano, pude desfrutar de fissuras perfeitas, sem gelo dentro, muitos dias de bom tempo, conquistando quatro montanhas e a mais sonhada de todas: o Cerro Torre.
Saí do Brasil dia 14 de janeiro e alguns dias depois já estava pisando no cume do Guillaumet, pela via Espolon Brenner, 500m, 6b. Foi muito gratificante já que no ano anterior amargamos 15 dias de mal tempo em El Chaltén e não escalamos nada.
Como estava sozinho neste ano, tive que buscar novos parceiros para escalar. Acabei me reunindo ao argentino Gabriel Otero e ao catação Isaac Cortes.
Depois da Brenner, que fiz em companhia de Gabri, partimos para o Bivaque Polaco, no vale que está entre o Cordão do Torre e o conjunto do Fitz Roy. Teríamos pela frente quatro dias de bom tempo pela previsão metereológica gringa, e nos apressamos em começar a escalar.
Eu e Isaac nos dirigimos para El Mocho e aproveitamos um dia de céu azul e frio para escalar um diedro em pé, magnífico, que transcorre por 400 metros, com dificuldades de 6º grau e um crux de 7b/c. Mais um cume e com vista para o Cerro Torre, onde conseguimos ver duas cordadas que se aproximavam do topo.
Após o cume, rapelamos e descemos até o fundo do vale, onde acampamos no Bivaque Internacional.
Depois de uma noite extremamente agradável no Bivaque Internacional acordamos com ganas de mais rocha.
Em uma hora de caminhada, estávamos à base da Torre de La Media Luna e entramos na via Rubio y Azul, 400m, 6º, 7c. Aí sim pudemos desfrutar de fissuras perfeitas regadas por um sol forte, sapatilhas sem meias e céu inacreditavelmente azul
Encantadora esta escalada que foi conquistada por Ermano Salvaterra, um dos grandes da Patagônia. Fizemos duas agulhas em dois dias de tempo perfeito.
Do cume da Media Luna podíamos tocar o Torre e nos sentimos atraídos demais por esta, que, para mim, é a mais linda montanha da Patagônia e talvez, do mundo.
Baixamos mais uma vez até o Bivaque Internacional para comer e dormir. Acordamos mais uma vez com um visual magnífico, no quarto dia consecutivo de bom tempo.
Já estávamos sem comida e descemos até Chaltén para refazer o estoque de mantimentos, agora com planos muito mais audaciosos: escalar o Cerro Torre.
Ainda sinto arrepios quando escrevo isto. A montanha sempre esteve nos meus sonhos e por vezes parecia inacessível para um brasileiro que não tem tanta intimidade com gelo e com a escalada alpina do tipo que há na Patagônia.
A verdade é que estávamos muito à vontade, escalando super rápido e como já havia feito 3 cumes, por que não tentar?
Esperávamos fazer pela última vez o caminho de Chaltén para o Bivaque Noruegos, pelo menos naquela temporada.
Nos últimos dias fora um sobe e desce sem parar, e são 8 horas de caminhada em glaciares e acarreios.
No bivaque pudemos descansar um dia esperando a tal brecha de tempo bom que o Thomas Hubber prometera a todos.
De fato, no final daquela tarde o vento parou, o céu limpou, a pressão subiu, como num passe de mágica.
Elaboramos nossa estratégia e partimos de Noruegos durante a madrugada atingindo na base do Cerro Torre onde fixamos 3 cordadas no mesmo dia. Por ali dormimos numa pseudo-cova.
No outro dia de madrugada, depois de um café caprichado, já estávamos na ativa. Escalamos rapidamente este primeiro terço da via que compreende fissuras de boa qualidade para se fazer em livre, com graduação de 6c/7a, no máximo.
Quando chegamos na base da Bolt Transverse, uma transversal em A0 de 90 metros, muito cansativa, tivemos que esperar uma dupla sulafricana que ía muito lenta. Literalmente passamos por cima deles e até fixamos a próxima cordada para a dupla.
Entramos nas cordadas de mixto que contornam as Torres de Gelo. Havia muita água escorrendo e nos empapamos. Havíamos dividido a via em 3 partes: o primeiro terço, onde há mais escalada em rocha a cargo do Gabri. O segundo terço, em que há mais gelo ficou para o Isaac. A parte final, que compreende mais cordadas em artificial, caiu para mim.
Escalávamos e escalávamos e a via não acabava mais, pois desde o ombro são 28 cordadas. O mais complexo era guiar uma cordada em artificial com botas de gelo, depois colocar os grampons e usar piquetas e grampos de gelo, para na próxima já vestir a sapatilha e mandar um 6º grau carregando tudo.
Mas aos poucos fui vencendo a minha parte e quando chegamos à P26 já havia escaladores descendo do cume. Entre eles a primeira cordada feminina a escalar o Cerro Torre, formada por duas eslovenas.
Perdemos um pouco de tempo esperando para nos ancorarmos em uma parada onde já havia mais pessoas. Guiei mais uma cordada e pude acomodar-me sobre o compressor.
Agora só faltava mais uma, e apesar de estarmos adentrando a noite e da cordada ser o A2/3 que o Bridwell conquistou em 79, continuamos como titanes.
A alegria tomou conta de nós quando fixei as duas cordas finas que levávamos na última parada. Daí foi só caminhar para o cume. Uma hora depois estávamos sobre o cogumelo.
A emoção que senti ao pisar sobre esta montanha não é possível de traduzir em algumas e nem em muitas palavras. Só quem escala ou conhece a história do montanhismo mundial pode compreender.
Ao longe vimos as luzes de Chaltén e começamos a nos preocupar com a descida. Decidimos bivacar no cume, sob o cogumelo e esperar o dia amanhecer para tirarmos fotos novamente.
Também porque háviamos perdido uma lanterna em uma queda e outra estava quebrada.
Passamos algumas horas de frio num buraco de gelo, sentados sobre as cordas, equipos e mochilas, e, quando estava quase clareando, o vento começou a soprar mais forte e uma nuvem engoliu a montanha.
Tomamos um susto e partimos imediatamente para os rapéis, sem pensar em nada.
A descida – Nos primeiros rapéis, sofremos com o vento e logo abaixo, com a água que escorria e nos molhava totalmente. Pedaços de gelo caíam por todos os lados.
Somente quando chegamos novamente no final dos terríveis rapéis da bolt transverse é que o sol começou a nos esquentar. Aportamos quase secos no ombro depois de 10 horas descendo, puxando corda e rezando para elas não enroscarem nas fissuras.
Nossa estratégia foi impecável. Ainda tínhamos comida na cova de gelo do ombro e podíamos passar a noite e nos alimentarmos bem para descermos até Chaltén no outro dia.
Deu até oferecer um suco e um pouco de sopa para os escaladores que desciam, pois nestes dias de bom tempo havia mais 5 equipes além de nós na Via do Compressor (1100m, 6c, A3-fixo, 70º).
No quarto dia de bom tempo descemos tranqüilamente até o camping Madsen, onde estava minha barraca e comemoramos muito esta escalada com todos os amigos, tanto os antigos como com os novos, que conheci durante esta magnífica temporada!
Agradeço à minha família, ao pessoal da Conquista e aos meus companheiros de escalada aqui do Brasil pela torcida!
Este texto foi escrito por: Edemilson Padilha