Portela dando segurança para Tartari (foto: Toño Betes)
Entre os diversos picos da Patagônia chilena, o Parque Nacional de Torres del Paine é um dos mais procurados por escaladores. E um dos mais difíceis do mundo, que reúne esportistas que tentam, nem
sempre com sucesso, explorar os três picos do maciço. O desafio não é só a rocha, a neve e as vias de escalada, algumas com mais de 1000m. As Torres ficam constantemente encobertas pelas nuvens, e o vento
forte e gelado da Patagônia pode chegar a 200km/h. São muitas as histórias de pessoas que iniciaram a escalada em dias de céu claro e pouco vento e acabaram surpreendidas por tempestades em plena parede.
As vias principais de escalada são recentes por única e exclusiva culpa da dificuldade: as primeiras conquistas foram feitas há apenas 20 anos.
As tentativas de escalada em uma das Torres só são possíveis no verão, quando a temperatura e as condições climáticas são mais favoráveis. No resto do ano a neve e o frio extremo deixam impraticáveis as trilhas que levam ao Maciço. Enfrentar os paredões de rocha então, nem pensar.
Com plena noção do perigo, Sérgio Tartari e Alexandre Portela, dois dos mais experientes escaladores de “big-wall” do Brasil, embarcaram para o sul do Chile em Janeiro de 1998, dispostos a enfrentar o cume mais difícil dos três picos: a Torre Central do Paine. A Expedição “Torre Central del Paine”, como foi batizada, teve o apoio da Snake, Serelepe, Equinox e Stone Age, que ajudaram a bancar os altos custos dos equipamentos, passagens e autorizações de escaladas no Parque.
Logo chegando em Puerto Natales, cidade chilena mais próxima ao Parque Nacional de Torres del Paine, Sérgio Tartari e Alexandre Portela receberam uma notícia nada animadora para quem se prepara para um desafio: “telefonamos para o Brasil e soubemos do acidente com a expedição do Mozart Catão no Aconcágua”, contou Portela. “Aquilo nos deixou desnorteados”. A dupla conhecia de perto não só Mozart Catão mas todos os outros integrantes da equipe.
O trabalho de preparar o material e comprar mantimentos para a expedição os ajudou a levantar o moral. Puerto Natales é o lugar ideal para se abastecer para o período de permanência no Parque. Depois de checarem o que faltava nas mochilas, tiveram que dar entrada no pedido de permissão de escalada, o que demora um bom tempo para ficar pronto. Aproveitaram o período de espera da autorização para transportar todos os mantimentos e mochilas até o Acampamento Japonês, um ponto lugar estratégico para escaladores do parque, e um ótimo ponto de encontro de alpinistas de todo o planeta.
Lá encontraram um velho amigo, o escalador espanhol Toño Betes, que havia entrado no Parque decidido a escalar, mesmo sem permissão, uma das Torres. Com pouco equipamento, que havia passado despercebido pela portaria do Parque, Toño aceitou o convite da dupla brasileira para se juntar à aventura.
Finalmente é hora de partir. Depois de conseguirem compactar todo o equipamento e mantimentos em apenas três mochilas, Sérgio, Alexandre e Betes saíram rumo ao Vale do Silêncio, por onde se alcança, através de um corredor de neve e gelo, a parede das Torres. O caminho é traiçoeiro, muito íngreme, sempre molhado e escorregadio. O corredor pode se tornar um gigantesco tobogã para quem se descuidar. Sua
subida é demorada e exige paciência. “Entramos no corredor por volta das 3 hs da madrugada, porque achávamos que a neve estaria mais consistente com o clima mais frio”, explica Portela. Mesmo assim, só
alcançaram o fim do corredor cinco horas depois, às 8 da manhã. “Paramos para nos reorganizar e nos alimentar um pouco”, lembra Portela. “A parede estava limpa, aparentemente sem gelo nenhum, mas escorria bastante água de algumas fissuras”.
Hora de escalar! Sérgio Tartari, que já conhecia a primeira metade da via – já havia tentado no ano anterior – foi escolhido para guiar a primeira parte. Depois dele saía Betes, equipado apenas com as sapatilhas de escalada. Fechando o grupo, Alexandre Portela ficava preparado com equipamento de gelo (bota, grampon e martelo-piolet). Caso surgisse algum trecho mais difícil, Portela passava a frente pronto para guiar o grupo.
“A primeira parte da via é muito vertical, chegando a ser negativa em alguns trechos. Jumariar toda essa primeira parte me cansou bastante”, recorda Portela. Ele sentia falta de um treinamento mais pesado, voltado especificamente para a escalada da Torre Central. “O desafio de escalar em Torres del Paine deve ser encarado de forma séria e profissional”, argumenta. Tartari guiou as nove primeiras enfiadas e Betes as duas restantes até alcançarem um platô no final do primeiro trecho da via. Muito cansados, optaram por deixar ali
todo o equipamento dispensável, aproveitando o tempo bom e aparentemente estável.
A proximidade entre as Torres é tão grande que o trio conseguia acompanhar a escalada de dois amigos, um mexicano e outro argentino, na Torre Norte, bem ao lado. Aos gritos, era possível até tentar algum diálogo com os companheiros na parede vizinha. “Foi uma visão impressionante vê-los subir ao cume, uma pequena ponta de rocha, tendo toda a cordilheira que forma o Gelo Continental atrás”, conta Portela.
A segunda parte da escalada é a mais difícil. Sem a proximidade da Torre Norte, os escaladores ficam diretamente expostos ao vento. Contornando o pico pelo lado esquerdo, o trio atravessou trechos verticais com diferentes graus de dificuldades. “Foram mais sete enfiadas até o cume. Nessa etapa final o nosso ritmo caiu bastante”, contou Portela.
A Torre Central del Paine é uma grande aresta rochosa com três cumes bem marcados. O mais alto de todos é o cume Central-Sul, 25 metros mais alto que os demais. Sérgio, Alexandre e Betes alcançaram o cume
Central-Norte por volta das 16h30. O tempo total da escalada foi de 8 horas, apenas uma hora e meia a menos do que o recorde de ascensão à Torre Central. “Ficamos impressionados com o nosso ritmo”, admite
Portela.
No cume norte os três aproveitaram para descansar e curtir a privilegiada paisagem do pampa chileno, da Cordilheira Andina e do Parque, com seus lagos e glaciares. O espanhol Toño Betes se deu por satisfeito e ficou por lá. Alexandre e Sérgio decidiram completar a conquista da Torre Central fazendo a travessia dos três cumes. E para o orgulho do Brasil e dos aventureiros, eles alcançaram os topos da geleira, vencendo suas gigantescas arestas que dificultam o percurso. “Era maravilhoso, não tínhamos a menor vontade de retornar”,
lembra Portela. “Depois de escalarmos os três cumes, voltamos até onde Toño estava. Comemos o que restava de nossa comida e ficamos ali curtindo aquele visual”, recorda. O esforço foi compensador. Aliás, que escalador não sonha com esse momento?
Mesmo curtindo uma das paisagens mais fortes e estonteantes do mundo, a dupla prepara os rapéis para a descida antes do anoitecer. A descida em rapel em uma escalada como essa requer atenção redobrada.
Além do cansaço de todos, a parede é cheia de pedras e blocos de rocha soltos.
Ao Acampamento Japonês só chegaram às duas da madrugada. Foram praticamente 24 horas ininterruptas de atividade, com os corpos cansados pelo longo dia de esforços. Nada melhor do que um bom jantar quente e ir direto para o saco de dormir. Sonhar com a visão estonteante do topo da Torre Central del Paine.
Escalar as Torres del Paine não é mesmo para qualquer um. Exige alto grau de experiência e técnica. Mas visitar o Parque
Nacional del Paine significa um momento mágico para muita gente. São milhares de trilhas para trekking cortando a paisagem de
lagos com icebergs e a visão estonteante dos glaciares.
Algumas dicas para quem pensa em se aventurar pelo Parque:
muito confortáveis. O melhor é pesquisar bastante, e não deixar sua reserva para o último minuto.
cerca de U$ 165,00 na alta estação.
carro em Punta Arenas. O Parque é grande, e as belezas naturais são muitas e distantes.
BUROCRACIA CHILENA:
A autorização pode demorar até uma semana para ser concedida. É bom se armar de paciência e
calma. Ela pode ser conseguido junto ao Departamento de Fronteiras do Chile. Alexandre Portela lembra que o grupo não tinha a
permissão para escalar, “por isso nosso equipamento acabou ficando retido na portaria”, diz. Depois de darem entrada no pedido,
Sérgio e Alexandre receberam a autorização mas, com o documento em mãos, é necessário pagar a taxa de U$ 100,00 por
escalador, junto à administração do Parque. Haja grana para tanta burocracia.
Este texto foi escrito por: Webventure
Last modified: julho 30, 1999