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Brasileiros participam do encontro internacional de canionismo

Redação Webventure/ Outros

O Kamarotis  com 630m de desnível (foto: Ion David)
O Kamarotis com 630m de desnível (foto: Ion David)

Aconteceu entre os dias 1 a 8 de abril o 5º Encontro Internacional de Canyoning ( International Canyon Rendez-Vous Greece ), na pequena vila de Loutra Ypatis, próximo a cidade de Lamia e Thermopolis, a 250 km ao norte de Athenas. Ypatis de fica ao pé do monte Iti, com vários cânions que podem ser avistados da vila, o lugar é famoso pela concentração de termas.

O encontro foi organizado pela ACA American Canyoneering Association, EFC Ecole Française de descente de Canyon e ESEF Greek Canyoning Association. Participaram do encontro aproximadamente 170 canionistas de vários países, entre americanos, franceses, ingleses, espanhóis, gregos, italianos, tchecos, neozelandeses, e brasileiros. Estávamos em seis brasileiros de diferentes estados: eu de Goiás, Bardia Fonseca, de Brasília, Jeffeson Nagata, da Bahia, Simone Devus, de São Paulo, Rafael Brito e Herry Lummertz do Rio Grande do Sul.

A programação dos encontros internacionais é bem diferente dos Encontros Brasileiros onde, normalmente os primeiros dias são dedicados às conferências ´in door´ e oficina técnica e, posteriormente, alguns dias às atividades de campo. Na Grécia, pela proximidade e facilidade de acesso aos cânions, havia atividades práticas durante o dia e conferências durante as noites, em dias alternados.

A organização das atividades práticas também é diferente dos Encontros Brasileiros visto até o momento. Os participantes são autônomos e independentes, se dividem em grupos pequenos e cada um deve ter seu equipamento, assim como cordas e veículo apropriado. Cada grupo cuida do planejamento e logística, desde a saída do hotel até o retorno da atividade.

Apresentação – Na primeira noite durante a abertura do encontro, além da apresentação geográfica da região, a organização fez a apresentação dos 12 cânions mais relevantes e disponíveis na semana (baseados no volumes da cada um e risco presente devido à alteração meteorológica). Em seguida disponibilizou o guia com informações de acesso e descrição do cânion, assim como o topoguia (com registro completo de 48 canyons conquistados na região Central da Grécia), o guia estava à venda.

No primeiro dia, segunda feira, nós fomos a um cânion mais próximo, para se aclimatar às águas geladas da região (entre 5 e 2 graus Celsius). Entramos no Rodokalos, com 470m de desnível, 1200m de desenvolvimento, 30 rapéis, considerável trabalho de corda e bom volume de água. A primeira parte do cânion, com rapéis baixos, alguns saltos e tobogãs, era mais aberta e logo ficou confinado, com paredes estreitas e um volume de água suficiente para manter bem molhado. O frio era intenso, algumas vezes não conseguíamos sentir a mão. Os últimos rapéis eram mais altos e impressionantes, um deles com 45m, no inicio não conseguíamos ver onde iríamos entrar, descemos por uma canaleta que se abria em um grande paredão.

Para nossa sorte tinha sol no final e a trilha estava toda sinalizada, nos impressionou como é fácil o acesso de aproximação e retorno dos cânions da região. Caminhamos 15 min até o carro, onde encontramos outros canionistas espanhóis que tinham descido o mesmo cânion, foi uma boa experiência para iniciar as atividades. À noite, a conferencia aconteceu em um restaurante.

Foi oferecido um jantar grego aos participantes, em seguida houve a apresentação dos trabalhos que a ACA American Canyoneering Association e a EFC Ecole Française de descente de Canyon então fazendo no canionismo mundial, a EFC homenageou alguns participantes por seus trabalhos em prol do esporte, entre eles, o presidente da ABCânion, Rafael Brito, que recebeu uma medalha da instituição Francesa. Ao final da conferência fomos informados que em dois dias o clima mudaria e, a previsão era de neve o que limitaria a entrada em alguns cânions que ficariam muito mais frios e perigosos pelo volume de água.

No dia seguinte resolvemos então entrar no Roska, um cânion com 440m de desnível, 1700m de desenvolvimento, 30 rapéis, muitos tobogãs, saltos e desescaladas. Os organizadores do encontro haviam falado que este era um dos mais bonitos e técnicos da região e que provavelmente iria fechar após a mudança climática. Os franceses Patrick e Lorent, da EFC juntaram-se a nós, formando um grupo de oito canionistas.

Este cânion estava a quase três horas de viagem de Loutra Ypatis, tivemos que sair bem cedo e tomar a estrada sinuosa que atravessava a cadeia de montanhas da Evritania, com média de 1300m de altitude. Havia neve no caminho! Eu e o Nagata já estávamos com frio só de ver a paisagem e pensar que a água do cânion que íamos entrar era formada pelo degelo daquela neve…

Cruzamos o pico da serra e descemos por uma pequena estrada, com bela vistas da cadeia de montanha composta de vários picos nevados. Passamos por alguns vilarejos localizados nas encostas e paramos na pequena vila de Roska, onde nos equipamos. A poucos metros de caminhada (15 minutos) já encontramos o inicio do cânion.

Começamos descendo um tobogã, saltos e pequenos rapéis, logo no inicio ficamos impressionados com a beleza cênica do cânion, com rochas sedimentares dobradas e cobertas por uma camada branca de calcário e alguns lugares verdes cobertos por musgos. Conforme avançamos o cânion foi ficando cada vez mais confinado, com maior volume de água e mais frio. Os rapéis maiores e mais difíceis pelo volume de água apresentavam refluxos nas piscinas o que, em várias situações, exigia bom desempenho em águas brancas.

Hipotermia – Em um determinado momento a Simone começou a apresentar sintomas de hipotermia: “Compartilhei com alguns colegas que o frio estava me cortando e que minha temperatura corporal parecia já comprometida, inclusive as mão estavam começando a adormecer, eu estava entrando no primeiro estágio da hipotermia. Após dois rapeis mais a frente paramos em local mais seco e tomamos as providências necessárias para que meu corpo reagisse e pudéssemos terminar o cânion o mais rápido possível. Outros colegas no grupo se alertaram para a necessidade de também se prevenirem contra o frio que sentiam (mãos extremamente frias e com dificuldade de movimento) e evitar uma situação semelhante. Apesar do frio controlado o Henry me emprestou uma jaqueta de 5mm, além dos 10mm que eu já vestia!!! Com a temperatura corporal estacionada, a minha condição física estava comprometida (fadiga muscular causada pelo esforço contínuo) e conseqüentemente o grupo diminuiu a mobilidade dentro do cânion”, contou.

O time trabalhava sincronizado e sempre atento. As ações foram tomadas com intuito de garantir a segurança física e antes de tudo evitar maiores riscos que pudessem comprometer mais o grupo, seja por uma ocorrência maior ou acidente grave em ambiente remoto. Finalizamos o cânion já na última hora de luz e nos deparamos com uma bela imagem do rio Krikelopotamos, de cor azul turquesa e com um grande volume de água. Tínhamos aí poucos minutos de luz e precisávamos caminhar contra a correnteza do rio (rio acima) quase uma hora, mas ainda tivemos luz suficiente para ver algumas cachoeiras desaguando no Krikelopotamos e formando grandes cortinas de água, uma imagem inesquecível. Alguns trechos mais acima a correnteza era muito forte e tivemos que utilizar cordas para atravessar o rio de uma margem a outra.

Chegamos no carro já tarde e ainda tínhamos algumas horas de viagem em estrada. Paramos para jantar em um vilarejo onde tivemos a oportunidade de saborear a tradicional comida Grega. Chegamos ao hotel em Ypatis bem tarde…

A quarta-feira amanheceu fria e nublada, Rafael, Henry e Bardia foram para um cânion seco, o Kostalexi. Este dia eu não acompanhei o grupo, pois tinha que finalizar a palestra. Nesta noite houve apresentações das expedições de canionismo em diversas partes do mundo: Nepal, por Yann Ozoux (França); Brasil / Chapada dos Veadeiros, por Ion David; Sahara, por Patrick Gimat (França); Cuba, por Carlos Jordan (Espanha); e Cabo Verde, por Joan Haro, (Espanha).

Na palestra sobre a atividade do esporte no Brasil, foi apresentado o histórico do canionismo Brasileiro, a ABCânion e a ABETA, com menção ao projeto de normalização do Turismo de Aventura no Brasil. Foi apresentado o mapa do Brasil com as principais regiões de prática do esporte, o trabalho que vem sendo desenvolvido na Chapada dos Veadeiros e os principais cânions da região, com ênfase nas imagens, croquis e mapas dos cânions de Veadeiros. A Apresentação despertou interesse dos canionistas em conhecer os cânions Brasileiros e participar do próximo encontro Brasileiro de 2007, que acontecerá em Santa Catarina, cidade de São Miguel do Oeste, nos dias 15, 16, 17, e 18 de Novembro.

Na quinta-feira o clima continuava ruim, então nos juntamos com um grupo de Espanhóis e Franceses formando um grupo com 10 canionistas. Fomos a um cânion com pouco volume de água, o Kamena Vouorla, com 570m de desnível, 750m de desenvolvimento, 26 rapéis, o interessante deste é que fica praticamente dentro da cidade. Subimos a serra por uma pequena estrada asfaltada, o inicio da trilha não era claro, ficamos com dúvida se estávamos no lugar certo, mas logo achamos o leito do córrego e o inicio do cânion.

O trabalho foi impressionantemente rápido, pois todos tinham cordas e se posicionaram sem que nada fosse combinado previamente, cada um montava, desmontava o rappel e passava para o próximo obstáculo. O cânion, com rapéis baixos no trecho inicial e alguns corredores confinados, logo se abriu em uma “janela” com uma impressionante vista da cidade junto ao mar azul. Descemos um rappel de 72m com este visual…

Após este rapel, chegamos a uma parte um tanto difícil de passar, pois tinham vários blocos de desmoronamento. Terminamos o cânion no meio da cidade de Kamena Vourla, a parte mais arriscada da atividade foi atravessar a auto-estrada que estava na nossa frente. Esta sim foi uma cena engraçada, vários canionistas equipados no meio da cidade…

No dia seguinte o clima continuava ruim e frio, resolvemos visitar os monastérios de Meteora, construídos pelos monges ortodoxos em cima de gigantescos blocos de granito. A noite houve a apresentação de testes de equipamentos da Single Rock, uma das patrocinadoras do evento, e também uma apresentação do Americano William Lawrence que discursou sobre ancoragens recuperáveis.

No sábado, último dia das atividades, tivemos grande sorte! Amanheceu um dia maravilhoso, com sol e céu azul, resolvemos então ir ao segundo maior cânion do complexo da região de Iti, o Kamariotis com 630m de desnível, 1750m de desenvolvimento e 50 rapéis. A localização deste cânion estava na frente do hotel em que nos hospedamos e assim podíamos avistá-lo da varanda do apartamento. Logo cedo saímos do quarto já equipados juntamente com um canionista Espanhol e outro de Cabo Verde. Éramos em seis nesta ultima atividade de campo na Grécia.

No inicio do Kamariotis já encaramos um rappel em uma das paredes do cânion, com muitas pedras soltas e já estávamos confinados. A água tinha uma cor incrível, azul, mas extremamente gelada, pois havia nevado no cume da montanha nos dias anteriores e a neve já estava derretendo. No primeiro trecho alguns tobogãs e saltos para começar e fomos descendo pelo meio das paredes gigantescas, de rocha calcárea esculpida pela água que dava uma forma incrível ao cânion. Muitos trabalhos de cordas, porém, progredimos rápido, pois todos estavam montando e desmontando os rapéis.

Um cânion extremamente vertical, com vários lances de rapéis seguidos onde em alguns trechos nem sequer precisávamos enrolar a corda, pois, puxava de uma cachoeira e já ancorava na próxima. Encontramos também rapéis altos e técnicos, com fracionamentos ao meio. Em determinado momento, após uma curva, a visão impressionante da planície de Ypatis, e o sol que entrava pelas paredes do cânion e realçava as cores das rochas e da água azul turquesa.

Após seis horas de atividade chegamos ao final do cânion. Caminhamos em meio a uma plantação de Olivas com uma bela visão do local e do monte Iti e, a sensação de missão cumprida, pois era a última atividade em nossa visita aos cânions Gregos. Neste mesmo dia a Bárdia e a Simone, juntamente com três espanhóis, três tchecos e dois franceses foram para outro cânion, Milapotamos, localizado na cidade de Tsagarada, distante de Loutra Ypatis cerca de 2 horas em carro. O detalhe deste cânion é a beleza natural que conta com alguns tobogãs em águas cristalinas e seu trecho final de 300m de caminhada em bloco que termina nas águas turquesa do mar da Grécia.

Na última noite houve mais algumas apresentações de expedições e o encerramento do evento, com a premiação do concurso de fotografias das imagens produzidas durante a semana do evento. Um dos prêmios era uma mochila e um capacete da Montana que levamos para o evento. Algumas das varias fotos apresentadas por nós foram premiadas durante esta noite. Uma premiação especial aconteceu para o grupo com maior numero de Canionistas de diferentes nacionalidades, dentro de um mesmo cânion. No encerramento do evento os organizadores comunicaram a agenda dos Encontros Internacionais que acontecerão em 2008, em Abril, nos EUA, Zinon e em agosto na França, Pireneus.

Agradecimentos
Henrry Lumertz, Rafael Brito, Nagata, Bardia e Simone.
Montana Equipamentos, K2 Cardas e Seguro Ecotrip.

Este texto foi escrito por: Ion David

Last modified: abril 24, 2007

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