Carlos e Sylvio Barros no Rally dos Sertões (foto: Donizetti Castilho/ www.webventure.com.br)
O brasileiro Carlos Abrósio terminou a 12ª especial do Dakar como o único brasileiro estreante nas motos, após a queda de Dimas Mattos. No início do rali, no dia 6 de janeiro, era difícil de prever que isso aconteceria. Carlos chegou em Lisboa recém operado do ombro, após um acidente no Deserto do Atacama quando treinava para o Dakar, em novembro. Desde então, o brasileiro não tinha subido em uma moto.
Com um ritmo menor que os outros brasileiros, Carlos luta a cada etapa para terminar o percurso e sonha com a chegada em Dakar. Nos primeiros dias foi muito difícil. Para colocar o equipamento já era sofrido, não conseguia levantar a mão acima da cabeça, comenta o brasileiro.
Segundo ele, ainda sente dores no braço. Canso mais rápido, principalmente nos dias pesados de areia, como terça-feira. Fico com medo de saber dosar, quanto que eu vou suportar. Tenho que impor um ritmo em que consiga agüentar. Saber essa dosagem é difícil, revela o piloto, que faz uma boa avaliação de sua estréia no maior rali do mundo. Vim sem nenhuma expectativa, com dúvida se teria condições de fazer. Estou continuando. Se estivesse 100% minha colocação poderia ser melhor, mas acho que estou bem, disse.
O piloto conversou com a redação do Webventure na tarde desta quarta-feira. Acompanhe a seguir a entrevista na íntegra.
Webventure – Como foi o começo do Dakar com seu problema no ombro?
Carlos Ambrósio – Fiz uma cirurgia no ombro no dia 29 de novembro. Estava com a expectativa de ir ao Dakar e os médicos achavam que eu não tinha condições nenhuma. Mas fiz um tratamento intensivo para me recuperar e cheguei à Lisboa sem ter subido na moto desde o acidente.
Como foram os primeiros dias?
Subi na moto só em Lisboa e os primeiros dias foram bem difíceis. Para colocar o equipamento, já era sofrido, não conseguia levantar a mão acima da cabeça. E a primeira especial em Lisboa teve 150 quilômetros de areia fofa. Para ajudar, a minha moto estava com problema na mesa. Ela travava. A moto ia e tinha que forçar para voltar, pois havia um parafuso que estava solto. Foi um sofrimento minha primeira etapa em Lisboa, além de ter caído muito, estava fora de ritmo. Foi bem difícil. Mas fui pegando o ritmo.
Seu fisioterapeuta continua te acompanhando?
Não, ele ficou até o Marrocos. Ele não tinha o visto para a Mauritânia e Mali, então ele não pode continuar.
O apoio dele era um atendimento no fim do dia?
Como eu estava até o limite, estava sem fazer esforço até o início da prova, o Hélio encontrou comigo em Portugal e fizemos um trabalho de quatro dias para poder ganhar alguma força para poder sentar na moto. O resto da minha fisioterapia foi na raça, em cima da moto.
O ritmo era diferente na Europa e na África?
Mesmo sendo o começo, o pessoal anda que nem alucinado na Europa. Num Dakar, uma prova de quase 10.000 quilômetros, os caras andam como se fosse uma prova de 200 quilômetros. É muito diferente a prova na Europa e quando você entra na África.
Como está seu rendimento em relação à operação?
Foi um começo bem duro. Ainda dói o braço, chega no meio do dia cansa mais rápido. Principalmente nos dias pesados de areia, como terça-feira. Fico com medo de saber dosar, quanto que eu vou agüentar. Tenho que impor um ritmo para suportar. Saber colocar essa dosagem é difícil.
Mas, no geral, como é sua avaliação?
Estou gostando. Vim sem nenhuma expectativa, com dúvida se teria condições de fazer o rali. Vim na expectativa de ir até onde der. Se chegar algum dia e não der mais, eu paro, fazer o que? Todo o investimento em termos de dinheiro, tempo e apoio das pessoas já tinha passado e eu não vou deixar de fazer. Paro no momento que tiver que parar. E estou super satisfeito que por enquanto não tive que parar. Estou continuando. Penso que poderia ir melhor se estivesse 100%, mas também não acho que esteja ruim. É boa a colocação que estou.
Todo mundo fala que tem que usar a cabeça antes de sair acelerando. Você está sentindo isso na pele?
Tem que ter cabeça, pois qualquer erro é fatal para sair da prova. Tomou um tombo bobo, numa valeta que não leu, caiu e torceu a mão, está fora, não vai largar. É muito sacrificante, muito puxado. Minha maior preocupação claro, tem várias, pois a prova só termina quando chegar em Dakar era chegar no escuro no dia mais longo de prova. Coloquei um ritmo bom nesse dia e cheguei 10 minutos antes de escurecer. Para mim foi um alívio. Muito gente chegou às duas, três da manhã. Muita gente varou a noite. Graças a Deus consegui fazer com luz do dia. À noite é impossível.
Como é o terreno na África?
Do ponto de vista técnico, do tipo de terreno, consegui treinar bem antes do acidente. Mas uma coisa que não tem como treinar, e eu não tinha a mínima noção que poderia ser assim, são as condições climáticas. É muito sacrificante.
As variações de clima foram muito sacrificantes?
No dia que atravessamos a Mauritânia, acordamos às 3 da manhã. Estava um breu com tempestade de areia. Batia uma rajada vento que nos jogava para fora da estrada. Rodamos 200 quilômetros com tempestade de areia e visibilidade de 10 metros, não se enxergava nada, além do farol da moto não ajudar muito. Estoura toda a boca, resseca o nariz, além do frio. Acabou a tempestade de areia e começou a chover. Inacreditável: chuva no Marrocos! A gente pegou uma chuva forte, fria. Quando parou de chover, clareou o dia. Foi quando pegamos mais 200 quilômetros de lama até chegar na fronteira. Passou a fronteira e começou a especial, voltou a tempestade de areia. Estava tão ruim que foi o dia em que cancelaram 130 quilômetros de trecho cronometrado.
Essa foi a pior parte?
Isso é um fator que não tem treino, não tem como se preparar. Para mim foi totalmente surpresa. Minha boca estourou toda, não só minha, mas de todo mundo. Estoura tudo, a sensação no nariz é ruim. Isso não tem como se preparar. É uma prova dura.
Qual é sua impressão sobre a organização da prova?
A organização da prova é inacreditável, pois o tamanho é muito grande. Refeições para todo mundo, largada, é inacreditável. Funciona e funciona bem. É incrível toda a logística que montaram para colocar essa prova na estrada.
Os pilotos de fábrica tem algum conforto especial?
Em relação às fabricas, não tem aquele esquema de luxo e conforto, como vemos em outras provas. Não é porque é equipe de fábrica que tem um motor-home para o conforto dos pilotos. O cara dorme na tenda que nem a gente, come no mesmo lugar, toma banho no mesmo chuveiro – ou balde com caneca que a gente toma – é a mesma coisa. Do ponto de vista do desgaste do piloto é igual, nivelado. Do ponto de vista do apoio mecânico, aí sim tem a diferença. São basicamente três perfis: o cara que vem sem nenhum apoio mecânico e ele mesmo cuida da moto; os que compram a vaga em uma equipe, como nós, ou o piloto que tem a fábrica por trás fazendo toda a preparação.
E o seu contato com os brasileiros, como eles estão na prova?
Todo mundo tranqüilo, vira uma colônia, não tem jeito. Estávamos almoçando com o Palmeirinha agora a pouco.
Você está confiante de chegar em Dakar?
Estou ansioso, mas tem que tomar cuidado até o final. Tem que trabalhar todo dia. Ansioso mas com cuidado para chegar. O mais importante é chegar.
Este texto foi escrito por: Daniel Costa