No caminho de Achacachi; vento contra (foto: R. Telles/E. Garcia)
Entre julho e agosto do ano passado, o casal Rodrigo Teles e Eliana Garcia realizou o desejo de conhecer – sobre duas rodas – o lago Titicaca, o maior da América do Sul, entre o Peru e a Bolívia. A aventura não valeu só pelo contorno do lago, com 600km. Encarar esse trajeto implicava em passar por dois países, visitar ruínas, trocar experiências com os moradores locais e cuidar da bike para não ficar a pé – nem perdê-la para nenhum dos pares de olhos que a cobiçavam pelo caminho.
A empreitada começou com o vôo do Brasil até La Paz (3.800m). Ali, os bikers começaram a aclimatação, por causa da altitude (cerca de 4 mil metros), depois partiram de ônibus para Tiwanaku. A primeira etapa foi pedalar dessa cidade até o começo do Titicaca, no Desaguadeiro. Ao todo, eles levaram 23 dias para contornar o lago, com 30kg de bagagem na bike. Tudo registrado num diário de bordo recheado de fotos.
Gangorra – “A pedalada em si não foi difícil. O pior era o vento contra, quase o tempo todo”, conta Eliana. “Certas vezes, como no caminho para Escoma, vento e poeira formavam um redemoinho. A maioria deve ter uns 10 metros. Mas alguns chegam a altura de um edifício. Quando você consegue se equilibrar, a bicicleta fica um pouco inclinada. Aí duas coisas podem acontecer: o vento pára e você cai para um lado ou o vento aumenta e você cai para o outro.”
De vez em quando, a natureza dava uma trégua aos aventureiros: “… de repente, a estrada fez uma curva e virou na direção do vento. Foi uma delícia! Se quiséssemos, teríamos ficado 14km sem pedalar.”, conta a dupla no diário. “Depois começamos a fazer uma espécie de vela, segurando o casaco com o braço esticado. Dava para pegar uns 28km/h sem se mexer. E a estrada era uma reta única até a cidade. Só alegria!”
À primeira vista – A chegada ao lago aconteceu em 14 de julho, num lugar chamado Desaguadeiro. “A primeira coisa que chamou a atenção foi a cor, um azul escuro lindo. A paisagem atrás, uns picos nevados, é bem apagada e o lago é tão vivo que forma um contraste que não deixa tirar os olhos.” A parte sul do lago, no Peru, foi a primeira a ser enfrentada e era quase toda em asfalto – o trecho inicial faz parte da Rodovia Pan-Americana. Isso significa muito trânsito.
O trajeto era basicamente plano, mas algumas subidas eram inevitavitáveis. “Hoje (05/08) subimos o equivalente a uma Serra do Mar. Mas a descida nos levou a Copacabana. Lá tem um morro igualzinho ao Pão de Açúcar e a baía é muito parecida com a do Rio”, escreveram. Segundo Rodrigo, os nativos afirmam que a nossa Copacabana é, na verdade, uma homenagem à deles – e não o contrário.
Frio e areia foram outros adversários, principalmente quando a dupla chegou à parte norte, praticamente deserta. “A estrada de terra estava nos conduzindo à fronteira tranqüilamente, quando de repente sumiu. Trechos de areia fofa (quase movediça!) onde a bicicleta encalhava, intercalados com pedregulhos redondos tão grandes que dava a impressão de estar andando de camelo. A primeira pessoa que sabia falar espanhol nos disse que estávamos na Bolívia fazia tempo. Não havia sequer uma placa indicando onde termina um país e começa outro.”
Intercâmbio – Descobrir novas culturas foi outro prêmio. Eliana e Rodrigo só não arriscaram na comida: ela é vegetariana, mas garante ter encontrado opções naquela região. Dormiam quase sempre em pousadas e casas que os nativos alugam; outras vezes acampavam à beira do lago.
A maioria dos que vivem ao redor do Titicaca não fala espanhol, mas línguas indígenas como Aymara, o que rendeu momentos curiosos. Ao chegarem em Escoma, os bikers se hospedaram no único alojamento da cidade. Às 7h do dia seguinte, foram acordados aos berros pelos donos do local e não entendiam o que eles diziam. Com muito custo, perceberam que a dona estava escandalizada porque já eram 7 horas e os dois não haviam levantado. “Aqui se acorda cedo!”, gritava ela, expulsando-os do lugar.
Em Taraco, era dia de festa, mas eles queriam ver as riquezas arqueológicas do lugar. Descobriram que elas não ficavam num museu, mas jogadas – literalmente – num galpão trancado. O jeito foi entrar pela janela… Outra diversão era fotografar as lhamas, animais muito comuns na região. “Tínhamos que ser rápidos, senão elas cuspiam na gente”, lembra Eliana.
A próxima aventura ainda não foi planejada, mas certamente será em duas rodas. “É o melhor meio. A bike é um veículo simples, leve, que pode ser levado em qualquer lugar, além de ter fácil manutenção”, garantem os viajantes. “Não tivemos nenhum problema. O maior aperto que vivemos foi despistar o dono de uma pensão, que se trancou com a gente no quarto e queria trocar as bikes por uma lhama.”
A “Expedição Titicaca” teve apoio de Michelin, Blackbourne, Kodak e Half Dome. Mais detalhes no site: www.cee.poli.usp.br/titicaca
Este texto foi escrito por: Luciana de Oliveira