Lagoa da Confusão: pedra confunde navegantes e dá nome ao local (foto: Jurandir Lima)
Na segunda e última parte desta aventura off road, a dupla Jurandir e Reinaldo de Jesus cruza o centro-oeste e o nordeste, descobrindo até mesmo “parques-fantasmas”. No caminho, lama, dunas e paisagens indescritíveis de um Brasil pouco conhecido.
Dia: 26 de dezembro de 1.998
Roteiro: São Paulo – Goiânia (GO)
Percurso: 959 km
Ocorrências: Saímos de SP novamente atrasados. Como o nosso Jeep estava com fome de estrada, pegamos a Rodovia Bandeirantes e pisamos fundo no acelerador. Quando passamos pelo 2º pedágio da estrada o radar nos flagrou a 140km/h e levamos uma multa pôr excesso de velocidade. Nosso objetivo inicial era ir direto a Brasília, mas o Alfonse (membro do Jeep Clube de Goiás) fez questão que dormíssemos em sua casa.
Dia: 27 de dezembro de 1.998
Roteiro: Goiânia – P.N. Chapada dos Veadeiros (GO)
Percurso: 518km
Ocorrências: Depois de Goiânia, nosso destino era visitar o P. N. Brasília. Saímos perguntando onde ficava o mesmo e qual não foi a surpresa ao obter três vezes a mesma resposta: “não sei”. Até que uma senhora disse: “Eu conheço a Água Mineral”. Percebemos que este era o nome das piscinas naturais dentro do parque. Quando chegamos lá entendemos porque o mesmo não era conhecido da população. Os funcionários do parque não gostam de visitantes (?).
Dia: 28 de dezembro de 1.998
Ocorrências: Como o P.N Chapada dos Veadeiros não abre para visitação às segundas, dedicamos este dia para conhecer as belas cachoeiras de três lugares bastante interessantes no entorno do parque: Morada do Sol, Raizama e Vale da Lua. São propriedades particulares, portanto deve-se pagar para visitá-los, mas as belezas naturais compensam o valor.
Dia: 29 de dezembro de 1.998
Ocorrências: Pela manhã fomos visitar as duas cachoeiras mais bonitas do P.N. da Chapada, o Salto 120 e o Salto 80m. Como retornamos cedo do passeio, aproveitamos para conhecer o Cânion e as Cachoeiras Carioquinhas. Para chegar lá fizemos uma trilha a pé de 12km debaixo de um sol beirando os 40ºC. No final da tarde, mesmo cansados, fomos conhecer o Sr. José Raimundo, que é o mais velho e único garimpeiro remanescente daquela região. Depois fomos a um morro ver o pôr-do-sol, onde os ufólogos dizem pousar discos voadores. Ficamos até a noite e
nada de Ovnis.
Dia: 30 de dezembro de 1.998
Roteiro: P.N. Chapada dos Veadeiros – Peixe (TO)
Percurso: 408 km
Ocorrências: Do total percorrido neste dia, 354km foram por estradas de terra com muita lama porque choveu o tempo todo até chegarmos na cidade de Peixe. No caminho cruzamos pela Reserva Indígena Avá-Canoeiro, que está sob sério risco de extinção, e também pela Usina Hidrelétrica Serra da Mesa. Esta estrada não consta no guia Brasil 4 rodas por não ter o acesso livre às pessoas em geral.
Dia: 31 de dezembro de 1.998
Ocorrências: Fomos conhecer o balneário da cidade de Peixe, que fica às margens do Rio Tocantins, aproveitando para fazer um passeio numa voadeira e atravessar o rio até a outra margem. Como o nosso objetivo era chegar à cidade da Lagoa da Confusão, pegamos a Rodovia Belém-Brasília. Às 15h chegamos ao nosso destino debaixo de um calor de 36ºC. Armamos acampamento e dormimos à beira da lagoa que deu o nome à cidade, onde passamos o nosso Reveillon. Com certeza foi um das mais emocionantes passagens de ano na minha vida.
Dia: 01 de janeiro de 1.999
Roteiro: Lagoa da Confusão – Palmas (TO)
Percurso: 315 km
Ocorrências: Depois de uma baita chuva, fomos até um local chamado Barreira da Cruz pegar uma balsa para atravessar o rio Araguaia. Nossa idéia era cruzar pela Ilha do Bananal até a outra margem e conhecer o P.N. Araguaia. Ao chegar lá, soubemos que a
ilha estava intransitável. Resolvemos deixar o jipe e fomos de barco acompanhando a mudança do último morador da ilha. No caminho, passamos por duas tribos indígenas. Esta missão fez com que conhecêssemos outra realidade do nosso pais, porque os moradores da ilha foram desapropriados de suas terras sem nenhuma indenização por parte do governo. Depois voltamos a Barreira da Cruz, pegamos o Jeep e rumamos direto a Palmas, a capital do estado.
Dia: 02 de janeiro de 1.999
Roteiro: Palmas ~ Redenção (PA)
Percurso: 456 km
Ocorrências: Seguimos viagem e pela primeira vez pisávamos em território paraense. Até parece ironia mas, quando chegamos à Redenção, caiu uma chuva torrencial que alagou várias ruas e causou um blecaute na cidade.
Dia: 03 de janeiro de 1.999
Roteiro: Redenção ~ Marabá (PA)
Percurso: 467 km
Ocorrências: Dia de deslocamento onde pegamos uma estrada em direção ao norte do estado. No trajeto pela BR-158, resolvemos desviar o caminho e passar pela vila de Serra Pelada. Ali presenciamos a cena mais marcante da expedição ao ver que o lugar que um dia já foi um dos mais ricos do país, em que tudo era pago com ouro, hoje está numa
situação em que se alguma pessoa conseguir almoçar a jantar no mesmo dia será considerada um privilegiada. Chocante!!!
Dia: 04 de janeiro de 1.999
Roteiro: Marabá ~ Belém (PA)
Percurso: 498 km
Ocorrências: Percorremos novamente o dia inteiro apenas com o café da manhã. Em Belém ficamos sabendo que o único acesso para Macapá (AP) era pela balsa, já que o estado não tem ligação terrestre com resto do país. Mas a balsa só faz a travessia duas vezes por semana e o valor do frete fica a critério do humor do dono (pagamos R$ 250,00). Quando descobrimos de onde a balsa saia, já eram 23h e tínhamos apenas 1 hora para chegar ao porto, que ficava no município vizinho. Ao entrarmos na balsa tivemos a pior notícia até então em toda a expedição. A travessia iria demorar 40 horas, se tudo corresse bem…
Dia: 05 de janeiro de 1.999
Ocorrências: Dormimos em redes e, de dia, almoçamos com os caminhoneiros que estavam na balsa. Arroz grisado com safrão e
macarrão, ouvindo músicas da banda Catuaba com Amendoim.
Dia: 06 de janeiro de 1.999
Ocorrências: Finalmente às 15h deste dia, aportamos em Macapá.
Dia: 07 de janeiro de 1.999
Roteiro: Macapá ~ Calçoene (AP)
Percurso: 374 km
Ocorrências: Recuperados do cansaço na travessia de balsa, chegou o momento de colocarmos o nosso Jeep novamente na estrada. Desta vez o destino era chegar ao Oiapoque. Após 147km de asfalto, passamos a rodar pela BR-156. Foram mais 227km de muita lama. Mas o pior ainda estava por vir: o combustível do Jeep acabou à meia-noite e meia. A salvação foi estarmos a 1km de um posto, mas chegando lá vimos que a única bomba de combustível existente estava quebrada. O jeito foi armar as nossas redes num barracão ao lado do posto e dormir mais uma vez sem tomar banho.
Dia: 08 de janeiro de 1.999
Roteiro: Calçoene ~ Oiapoque ~ Caciporé (AP)
Percurso: 351 km
Ocorrências: Esperamos a bomba de combustível do posto ser consertada, reabastecemos e caímos na estrada, ou melhor, na lama. Fomos até a vila de Caciporé, deixamos o Jeep e fui de jangada, navegando 3km pelo rio até a casa do Bené (barqueiro que iria nos levar para conhecer o P.N. Cabo Orange). De volta ao Jeep, partimos novamente para o Oiapoque. Depois de 598km dentro do Amapá, finalmente chegamos ao extremo norte da nossa trajetória, cansados, com fome e enxarcados.
Dia: 09 de janeiro de 1.999
Roteiro: Caciporé ~ Macapá (PA)
Percurso: 482 km
Ocorrências: Às 5h30 já estávamos preparados para descer o Rio Caciporé. Fomos numa voadeira até o P.N. Cabo Orange. O único meio de chegar lá é navegando por 7 horas (ida e volta). Voltamos à BR-156, pegamos o Jeep e às 16h30 rumamos novamente a Macapá. Do total percorrido neste dia rodamos 335 km com muita lama e muitas costelas de vaca pelo caminho, fazendo com que a nossa velocidade máxima não
passasse de 60km por hora. Com tanta trepidação, um pino da porta traseira quebrou e fez com que tomássemos mais um pouco de chuva. Mas toda esta dificuldade valeu a pena, porque fomos a primeira expedição brasileira a conhecer este parque.
Dia: 10 de janeiro de 1.999
Ocorrências: Como só poderíamos pegar a balsa de volta no dia seguinte, aproveitamos para descansar.
Dia: 11 de janeiro de 1.999
Ocorrências: À noite estávamos em Macapá e um sujeito nos disse que conhecia o dono da balsa e conseguiria um desconto. Confiamos na sua boa intenção e depois ficamos sabendo que o dono da empresa não estava na cidade e a balsa já havia saído.
Dia: 12 de janeiro de 1.998
Ocorrências: Mais um dia sem balsa, porque o eixo motriz travou. Começamos a pensar que o roteiro da nossa expedição corria um sério risco de não ser cumprido.
Dia: 13 de janeiro de 1.999
Ocorrências: O tédio dentro da balsa foi pior que na ida, porque nesta não podiam ser transportadas pessoas (somente carretas carregadas com botijões de gás). Foram 46 horas, com frio de dia e chuva à noite. O jeito foi dormir sentado dentro do Jeep.
Dia: 14 de janeiro de 1.999
Ocorrências: Aproveitamos o dia para revisar o Jeep, em Belém.
Dia: 15 de janeiro de 1.999
Roteiro: Belém ~ Barreirinhas (MA)
Percurso: 968 km
Ocorrências: Descansados, resolvemos sair cedo de Belém e pisar fundo no acelerador para recuperar o tempo perdido. As estradas no Maranhão estão em péssimas condições de tráfego e pegamos muito calor durante o dia.
Dia: 16 de janeiro de 1.999
Ocorrências: Este dia foi dedicado ao P.N. dos Lençóis Maranhenses, um lugar fascinante. À tarde fomos conhecer as dunas do parque. A partir deste momento foi pura emoção. Primeiro na travessia do Rio Preguiça, numa balsa de madeira que só transporta dois carros de cada vez e cujo método de propulsão ainda é bastante arcaico, ou seja, tem uma corda que vai de uma margem a outra do rio. Quem está na balsa puxa a corda. Depois pegamos as bitolas (nome dado aos sulcos formados pelas rodas dos carros na areia) até chegar ao lençóis. O ápice da adrenalina foi quando desci a primeira crista de uma duna com mais de 60m de altura.
Dia: 17 de janeiro de 1.998
Roteiro: Barreirinhas ~ Parnaíba (PI)
Percurso: 197 km
Ocorrências: Fomos pelas dunas para chegarmos a Tutóia. A areia por onde passávamos era tão fofa que o jipe chegava a tocar a suspensão no chão. Seguindo viagem na divisa do MA/PI conhecemos um casal de ciclistas, a Graziela e o Mani, que estavam viajando há sete meses pelas três Américas.
Dia: 18 de janeiro de 1.999
Roteiro: Parnaíba ~ Ubajara ~ Piripiri (PI)
Percurso: 346 km
Ocorrências: Neste dia conhecemos o P.N. Ubajara, o menor dos parques brasileiros. Esta cidade tem um clima bastante ameno, nem parece estar no nordeste.
Dia: 19 de janeiro de 1.999
Roteiro: Piripiri ~ Teresina (PI)
Percurso: 180 km
Ocorrências: Neste dia dedicamos ao P.N. de Sete Cidades, de uma beleza singular. Cada uma das sete cidades tem uma figura definida, entre elas uma tem o formato do mapa do Brasil.
Dia: 21 de janeiro de 1.999
Roteiro: Simplício Mendes ~ São Raimundo Nonato (PI)
Percurso: 170 km
Ocorrências: Nosso destino agora era conhecer o P.N. Serra da Capivara. Quando chegamos em São Raimundo Nonato, fomos direto à casa do André Pessoa, jornalista e fotógrafo, que foi o idealizador do P.N. Serra das Confusões. Ficamos surpresos com toda a infra-estrutura existente ali, principalmente em relação à conservação dos sítios arqueológicos. Um detalhe: tudo é bancado pelo Banco do Japão e da França, com total apoio da UNESCO.
Dia: 22 de janeiro de 1.999
Roteiro: São Raimundo Nonato ~ Caracol (PI)
Percurso: 240 km
Ocorrências: O P.N. Serra das Confusões é maior do nordeste
(502.000ha) e possui uma vegetação de transição entre a caatinga e o cerrado. Na parte alta do parque o clima é árido e, na baixa, predomina um clima úmido. Quando chegamos, alguns moradores da região estavam fazendo piquenique e praticando ato de vandalismo. Imediatamente o André deu uma verdadeira aula de ecologia aos destruidores da natureza.
Dia: 25 de janeiro de 1.999
Roteiro: Jacobina ~ Lençóis (BA)
Percurso: 298 km
Ocorrências: Saímos de Jacobima debaixo de um calor beirando os 35ºC. Antes de chegarmos em Lençóis fomos direto ao Morro do Pai Inácio e ficamos por lá até o pôr-do-sol. Descemos em direção a Lençóis e ficamos hospedados na Chapada Diamantina.
Dia: 26 de janeiro de 1.999
Ocorrências: Dia de trilhas pela Chapada Diamantina. Saímos cedo em direção ao Poço Encantado, pela trilha do garimpo, que está totalmente abandonada desde que a atividade foi proibida na região. Em seguida fomos ao Poço Azul, mas para chegar a este local só é possível com um veículo off-road, porque existe um riacho em cuja água chega ao nível da porta do carro. Voltamos direto a Palmeiras onde fica a sede do IBAMA. O chefe disse que não há infra-estrutura decente nem equipamentos necessários para apagar os incêndios constantes naquela região.
Dia: 28 de janeiro de 1.999
Roteiro: Porto Seguro ~ Teixeira de Freitas (BA)
Percurso: 257 km
Ocorrências: Este foi o dia da maior decepção durante a expedição. Ao chegarmos à Secretaria do Meio-Ambiente de Porto Seguro, ficarmos sabendo que o P.N. Pau-Brasil não existia oficialmente. O Presidente Fernando Henrique anunciou, mas não assinou o decreto para a criação deste parque. Para justificar, ele disse não se lembrar do anúncio feito para a criação destas novas Unidades de Conservação. Que belo exemplo!!! O mesmo fato aconteceu com o P.N. do Descobrimento, também no sul da BA. Seguindo em frente, visitamos também, neste mesmo dia o P.N. Monte Pascoal, onde fomos novamente mal recebidos.
Dia: 29 de janeiro de 1.999
Roteiro: Teixeira de Freitas – B. Horizonte – Serra do Cipó (MG)
Percurso: 858 km
Ocorrências: Este também foi um dia de viagem bastante cansativo porque passamos por 2.744 curvas. Explicando melhor, rodamos 686km por uma estrada com 4 curvas a cada km, em média. No mesmo dia fomos ao P.N. Serra do Cipó, chegando às 3h30 da madrugada. Só tive forças para tirar a rede do Jeep, pendurá-la entre duas árvores e cair dentro dela com roupa e tudo mais – mais um dia sem tomar banho.
Dia: 30 de janeiro de 1.999
Roteiro: Serra do Cipó – B. Horizonte (MG)
Percurso: 98 km
Ocorrências: Conhecemos o P. N. Serra do Cipó onde percorremos por uma trilha interna. Fomos castigados por uma tremenda chuva no final da tarde, o que deixou a trilha do retorno mais emocionante. Deu até para fotografar um arco-íris duplo.
Dia: 31 de janeiro de 1.999
Roteiro: B. Horizonte ~ P.N. Tijuca ~ São Paulo
Percurso: 972 km
Ocorrências: Último dia da expedição e também o recorde do maior roteiro em apenas um dia. Conhecemos o P.N. Tijuca acompanhados dos fiscais do Ibama. O Schubert, funcionário do parque, nos levou até o Corcovado, onde fica o Cristo Redentor. Quando saímos do Rio, retornando a Sampa, o tempo mudou e fechamos a expedição assim
como começamos: com muita chuva.
Jurandir Rosa Lima, ambientalista, viajou por 30 parques nacionais com um Toyota Bandeirante, na 1ª etapa, e um Jeep Wrangler, na 2º. A expedição teve o apoio de Sorriso Herbal, Goodyear, Bar do Pedrão, Jeepoint, 4×4, CURTLO Outdoor & Travel, SNAKE, Nikon, AUTO 4, MAR, Kodak Professional, Gráfica Murc, rádio Eldorado e Fundação Mata Atlântica.
Este texto foi escrito por: Jurandir Lima
Last modified: julho 2, 1999