Webventure

Cicloturismo no Lagamar


Travessia de canoa com o pescador Juarez entre Cardoso e Superagüi (foto: Jorge Blanquer)

Pedalando pela areia à beira-mar e desfrutando a natureza da mata atlântica, é o que melhor sintetiza a viagem cicloturística pela região compreendida por Lagamar. Lagamar é a expressão que define um complexo estuário que engloba depressões do fundo do mar e rios, lagoas de água salgada e baía de golfos. Trata-se da região com a maior área contínua de Mata Atlântica no Brasil, se estendendo de Iguape (SP) até Paranaguá (PR).

A viagem foi realizada na companhia do meu amigo Fábio Ozório e partimos de Peruíbe, litoral paulista, seguindo pela rodovia SP-165, rumo à cidade ecológica de Pedro de Toledo (SP), a 155 km da capital paulista.

Nela começa o caminho do Despraiado, estrada de terra que nos leva até a cidade de Iguape cortando a Estação Ecológica da Juréia-Itatins. Ao longo dessa estrada, passamos por fazendas com inúmeras plantações de banana e observamos as formações da serra do Divisor, um lugar muito bonito com cadeia de montanhas nas duas margens.

Nesta primeira etapa, pedalamos até acamparmos sobre uma ponte inacabada ao lado da estrada. Uma boa dica para quem não tem pressa é conhecer o pico do Itatins, passando por uma antiga trilha que leva até o topo de onde se tem uma vista espetacular.

No dia seguinte, depois de uma noite inteira de muita chuva e barracas alagadas, seguimos pela mesma estrada, tendo o rio Despraiado como nosso companheiro, inclusive precisando cruzá-lo por duas vezes, com todo o equipamento desmontado da bicicleta.

Seguimos pedalando até a estrada que liga a rodovia BR-116 até Iguape. Apesar de não ter acostamento, ela é bastante tranqüila e pouco movimentada. Chegando em Iguape, tratamos logo de atravessar a ponte que liga o continente à Ilha Comprida, estância balneária que possui 74 quilômetros de comprimento por 4 quilômetros de largura, boa parte loteada, mas não ocupada. Chegando lá, acampamos próximo ao centro da cidade.

No terceiro dia, começamos a aproveitar o que a viagem tem de mais especial e diferente: as pedaladas por areia em praias desertas. Não foi tão difícil como imaginávamos, pois a areia era dura o suficiente para mantermos uma velocidade compatível com nossos objetivos.

Para se ter uma idéia, neste trecho da Ilha Comprida até os ônibus urbanos circulam a beira-mar. Foi praticamente um dia inteiro de pedalada desde o centro urbano até o extremo sul da ilha, tendo sempre a mesma visão do horizonte, formada por faixas de mar, areia e mato. Isto se tornaria uma constante nos próximos dias.

Enfim chegamos até a balsa que nos atravessou para Cananéia, cidade que possui uma bonita arquitetura colonial dos séculos XVI e XVII, onde aproveitamos para descansar em uma pousada depois de três dias puxados.

No quarto dia de viagem, procuramos um barco que nos levasse até o Parque Estadual da Ilha do Cardoso. Trata-se de uma das travessias mais lindas da região, passando por lugares incríveis através de um tortuoso canal até chegarmos na comunidade do Marujá na Ilha do Cardoso. A Ilha possui 225 Km quadrados, 90% deles cobertos pela Mata Atlântica. Simplesmente um lugar maravilhoso, que tem o pôr-do-sol mais bonito que já havíamos visto.

A comunidade do Marujá é formada por pescadores, alguns também participam como guias da região. Há pousadas rústicas e locais para camping, desde que autorizado pelos moradores. É proibido acampar na praia. Aproveitamos para ficar dois dias e conhecermos melhor o parque.

Contratamos um nativo da ilha que nos guiou por uma trilha de mata fechada até duas piscinas naturais em meio à reserva. Este trekking dura um dia inteiro e só deve ser feito acompanhado por um guia autorizado que conheça muito bem a região, pois em alguns trechos da trilha é fácil se perder, principalmente nas travessias de rio. Na época de pico, por exemplo, o volume de visitação é controlado para evitar o excesso de turistas, só entra quem tiver reserva em pousada ou camping.

Do Marujá, seguimos viagem ao longo da restinga da ilha até chegarmos na Barra do Ararapira, que faz divisa entre os Estados de São Paulo e Paraná. Neste local fica a comunidade do Pontal do Leste, menor que o Marujá. De lá atravessamos de canoa até o Parque Nacional da Ilha do Superagüi, já no Paraná.

Aqui tivemos a primeira surpresa da viagem: foram seis travessias de canais, desmontando e montando toda a bagagem das bicicletas e, ainda por cima, tendo que fazê-lo rapidamente, pois a maré subia muito e a cada travessia sentíamos mais dificuldades.

Até a vila de Superagüi pedalamos por uma praia totalmente deserta acompanhados por gaivotas e siris. Os únicos habitantes que encontramos eram pescadores da região fazendo o cerco (tipo de pesca artesanal) do dia.

A vila fica na parte sul da ilha, de frente para as ilhas das Peças e do Mel, dentro da Bahia de Paranaguá. Possui pousadas bastante simples e vive do comércio de peixes e camarões. No posto do IBAMA pode-se conseguir informações sobre trilhas e demais atrativos do lugar.

Amanhecendo no sétimo dia de viagem, atravessamos de “voadeira” (nome dado aos pequenos barcos motorizados) até a Ilha das Peças. Depois de uma rápida pedalada pela linda praia totalmente deserta, atravessamos, novamente de barco, para a ilha do Mel.

Assim acabou o trecho onde percorremos localidades formadas por parques ecológicos e pequenas vilas de pescadores. Na ilha do Mel, mesmo tendo sua maior parte formada também por um parque, há muito mais estrutura turística com inúmeras pousadas e campings com um grande fluxo de visitantes em feriados e na alta temporada.

Pode-se conhecer todas as suas praias através de trilhas limpas e bem sinalizadas. Estas trilhas levam a locais com vistas maravilhosas no alto de seus morros, podendo observar tanto a ilha, quanto a baía de Paranaguá. É realmente muito lindo; vale a pena o passeio.

De volta ao pedal, chegou o momento de retornarmos ao continente depois de seis dias percorrendo somente ilhas, sem o contato com o trânsito das cidades. Atravessamos de balsa rumo à cidade portuária de Paranaguá e logo partimos para a histórica cidade Morretes (PR) pela rodovia BR-277.

Depois de almoçar o famoso prato “Barreado”, pegamos o trem em direção até Curitiba, por aquele que deve ser o trecho mais bonito e inesquecível da pouca e ativa malha ferroviária do Brasil. Já na capital do Paraná, em Curitiba (PR), fizemos um night biker a espera do ônibus que nos levaria de volta para poluída e estressante São Paulo.

Era o fim da mais bela viagem que já realizamos, vivendo uma experiência belíssima em contato com a natureza e costumes simples de suas comunidades.

  • Na praia, pedale com a maré baixa, pois é quando a areia está mais dura e os rios mais rasos. Para saber os horários da variação das marés, imprima a tábua de maré referente ao período que fará a viagem, específica para Cananéia (http://mares.io.usp.br).
  • O trecho da Estrada do Despraiado, que cruza o Parque Estadual da Juréia está descrito em detalhes num roteiro do site do Clube do Cicloturismo.
  • Nas longas travessias pela praia não há locais para se abrigar, nem árvores. Você pode passar várias horas exposto ao sol ou à chuva. Leve filtro solar, capa de chuva e também repelente.
  • Acomode a bagagem na bicicleta de forma fácil de retirar e colocar, por causa do grande número de travessias de rio.
  • Tome alguns cuidados com a corrente para que não enferruje (ao final de cada dia, jogue água doce, espere secar e coloque uma gota de óleo em cada elo).
  • Lembre-se de que alguns trechos são bastante isolados, esteja preparado com alimentação para o dia inteiro. São poucos os pontos para reabastecimento de água doce. Leve pelo menos dois a três litros de água na bicicleta.
  • Os dias de funcionamento do barco da DERSA (trecho: Cananéia Marujá) são às segundas, quartas e sextas. Para mais informações, acesse www.dersa.sp.gov.br/travessias.

    * Jorge Blanquer Rodrigues: Advogado, membro do Clube de Cicloturismo do Brasil, escreveu especialmente para o Webventure. Iniciou no cicloturismo em 1997. Fez viagens de Curitiba a Florianópolis via litoral, Cunha à Parati, além de inúmeras viagens pela Serra do Mar e interior do Estado. Realizou exposições fotográficas de suas viagens na Adventure Sports Fair 2002 e 2003 e no Salão das Duas Rodas 2001 e 2003.

    Este texto foi escrito por: Jorge Blanquer Rodrigues*